sexta-feira, 21 de dezembro de 2007

meditação em 3 minutos


Outro dia estava passeando por uma livraria e vi em destaque na borda de uma prateleira: “Meditação em 3 minutos”. 3 minutos? Exemplo extremo, tudo bem, mas então você pega aleatoriamente um deste livros de auto-ajuda com fotos de contra-capa de seus autores tão parecidos com comercial de colgate, e veja como se vende esta palavra – meditação – na mesma régua de um produto de consumo, na medida em que se promete um resultado (!!!), um ganho, um prêmio, para aqueles que praticarem.
Antes de continuar – sim, existem livros verdadeiramente sérios e embasados sobre a busca da prática meditativa, mas este é um sinal de alerta sobre todos os imensamente mais comuns outros.
Pois um dos mais belos paradoxos da busca é este quase-koan:
Discípulo: O que se ganha com a meditação?
Mestre: Nada. Você só perde. Perde tudo aquilo que é ilusório até que só reste o Real.
Meditação é o descascar da cebola, lenta mas inexoravelmente. Assim todas as ilusões que tão carinhosamente amamentamos com o leite de nossos desejos e medos são aos poucos trazidas à luz da compreensão – e perdem o sentido como areia varrida pelo vento.
Vende-se nestes livros – e palestras, revistas - uma prática “meditativa” por um preço falso já que normalmente traz um caminho florido de relaxamento e iluminação. Nada mais mentiroso.
Se alguém busca relaxamento e tranquilidade deve buscar uma boa massagem, um filme, qualquer outra atividade, mas não meditação. Esta é uma senhora misteriosa e esquiva, que aguarda sentada à mesa de um restaurante de endereço desconhecido a chegada de seu convidado – aquele disposto a buscar a fonte da inquietação mais primordial de seu ser. Ela pode esperar por vidas, mas está ali, aguardando você.
O que muitos destes comerciais de pastas dentais para o hálito perfumado do cérebro – também chamados de livros de auto-ajuda – não explicam é que o caminho para se encontrar com a esquiva senhora é recheado de quedas. Sim, quedas. Aqueles momentos em que não conseguimos deter ou mesmo reconhecer a torrente de pensamentos; aqueles dias em que conseguimos nos trair na maior parte do tempo; aquelas horas em que decidimos conscientemente mergulhar em nossa auto-indulgência; aqueles minutos em que permanecer em silêncio parece uma tarefa de semi-deuses, e não de pobres mortais. Desânimo, desconfiança, cansaço... Todos nós passamos por estas quedas. O segredo não está em como evitá-las, isto é impossível ja que são naturais e parte do caminho, o segredo está em como se levantar e seguir adiante. Talvez aí uma grande lição do Aikido: cair, todos os treinos, muitas e mjuitas vezes, por anos, e apenas levantar novamente para continuar o treino.
Assim é naturalmente o caminho da meditação; não uma estrada pavimentada com canteiros azuis de hortênsias em flor não importando a estação, mas uma trilha individual furtiva, por vezes com precipícios, buracos, escuridão... por vezes com relances de horizontes esplêndidos. Na busca o norte.

quinta-feira, 13 de dezembro de 2007

Um mapa

Pessoal, obrigado pelos comentários e e-mails!
Espero ler cada vez mais das experiências e idéias de vocês aqui na área de comentários do blog. É um pouco estranho isso – ter um blog deste tipo - parece um pouco um strip-tease público e irrestrito. Mas, como conversava hoje no almoço, me ajuda a lembrar da coerência e da consistência: uma postura de honestidade.
Cada passo que damos na busca de quem somos nos traz de brinde a responsabilidade de brindarmos aos próximos com uma postura e atitude honestas – eu, honesto comigo mesmo. Este tipo de honestidade não é pensada, ou trabalhada: ela é sentida em algum quadrante interno das nossas percepções. Pode ser na barriga, no estômago, no peito, no coração, na garganta, etc. Pode ser um gosto, uma temperatura, um choque, uma corrente, uma textura, uma consistência. Qualquer que seja o nosso mapa de percepções – e cada um possui o seu – o sinal está sempre lá. Quantas vezes o-percebemos, intenso como uma lua cheia, mas fazemos um esforço descomunal para ignorá-lo. Outras tantas vezes estamos tão ocupados no cozinhar de nossos próprios desejos que sequer percebemos qualquer sinal, e seguimos em frente com nossa mais íntima desonestidade.
Muitos dos passos da trilha do ?-quem-sou-eu-? resultam em um aprofundar deste mapa interno individual, este sinalizador contínuo da nossa auto-honestidade. É como uma tela em branco cujos traços como que pré-concebidos aguardam os pincéis para se tornarem visíveis; aos poucos o mapa vai tomando foco, se torna vibrante. Vontade, disciplina, desapego, fé, amor, inquietude, são algumas das tintas e pincéis.

Às vezes vagarosa, às vezes em saltos, às vezes estagnada, a corrente de compreensão sobre o que somos é a maior busca que se pode empreender.
Discernir o que é simples construção dos nossos desejos e hábitos – por mais real que pareça – daquilo que é subjacente à nossa verdadeira essência – por mais fugaz que se mostre – é trabalho e prática para o buscador. Um só momento desta compreensão pura marca um norte firme que nos ajuda a navegar os semi-infinitos véus da ignorância e da ilusão.

sexta-feira, 7 de dezembro de 2007

rio profundo

O caminho da busca e do auto-conhecimento é incerto, incalculável, impreciso... mas também incomparável, inigualável. Caminhando entre picos e vales, vamos tricotando uma malha de alegria, cansaço, plenitude, espera, esperança. Uma malha que ao final nos deixa nus.
Nesta trilha a direção muitas vezes parece nos escapar, um norte fugidio se apresenta e se esconde, vagalumeando por detrás de véus, névoas e nevascas.
A trazer sentido para uma direção que ainda não se fez está o compartilhar da própria trilha. As companhias do caminhar mudam, os instantes são a cada vez diferentes, mas trazem na mochila de viagem a oportunidade da troca.
A troca não encurta distâncias, não asfalta a trilha, mas intensifica a presença, potencializa a vontade... aquela respiração mais longa que nos lembra que estamos esquecendo de respirar.
Este é um espaço para estas trocas.

Corre em mim um rio profundo, que ainda não consegui compreender; ele me percorre, segundos e minutos ininterruptos, corredeira de horas desaguando em cachoeira de dias. Sempre ali. Sempre. É só esperar um pouco o aquietar dos grandes sinos do desejo. Quando mergulho descubro que sempre estive imerso neste rio. Não é ele que está em mim, sou eu que estou nele.