segunda-feira, 25 de maio de 2009

cinema, pipocas e poltronas

Bom, para simplificar a vida de todos, e explicar a questão do famoso “eu” do jeito mais simples possível, segue a receita de bolo:
1. Vá ao cinema assistir um filme que te interessa muito.
2. Escolha uma cadeira (hoje em dia tem que ser assim, é uma tática para você sempre sentar ao lado de alguém mesmo que o cinema esteja semi-vazio, porque todos escolhem os mesmos lugares)
3. Compre pipocas
4. Sente na sua cadeira (ponha sua sacola no chão porque vai ter alguém do seu lado)
5. Assista todos os trailers até não lembrar mais que filme você foi assistir
6. Comece a assistir o filme
7. (agora preste atenção!) Realmente assista o filme
8. Tente se dar conta que você às vezes está simplesmente perdido na tela de projeção
9. Tente se dar conta que às vezes você come a pipoca sem nem mesmo perceber que está movendo as mãos e mastigando
10. Tente se dar conta que de repente você não está mais perdido no filme e se vê de novo sentado na poltrona (com alguém estranho ao seu lado)

O mesmo acontece quando lemos um livro muito interessante, ou em qualquer atividade em que nos “concentramos”, o que é mais facilmente notado no caso de esportes, música – e infelizmente menos notado no trabalho ou no trânsito do dia a dia.
Tente se dar conta de o que é que se dá conta afinal de contas...
Tente se lembrar que, mesmo que não houvesse consciência de um “eu” na poltrona no instante em que você se perde na tela de projeção, havia sim consciência, pois o filme foi assistido, e há memória do mesmo.
Este é, na filosofia Vedanta Advaita, simplesmente o estado de consciência chamado de observação, o mais próximo de nosso dia a dia de pensamentos, mas que já não conta com a presença do “eu”... embora este último sempre se aproprie do acontecido como se lá tivesse estado.

terça-feira, 5 de maio de 2009

Retiro

Acabo de voltar do retiro. Cansado e feliz.
Existem algumas trilhas que simplesmente não nos são apresentadas enquanto caminhamos confortavelmente. Por mais que, deste modo, caminhemos.
Existem paisagens que só se mostram após a forja da vontade, da disciplina. As batidas, ferro e fogo que aos poucos moldam uma resiliência desconhecida dos hábitos confortáveis de nosso cotidiano.
Nosso cotidiano confortavelmente nos instala em nosso sofá do ‘eu’, em que toda a nossa coleção de hábitos reina em um reino não-disputado, o soberano ‘eu’ governa sem inimigos na sua prepotente ilusão de continuidade, permanência e realidade. Sem que percebamos cada pensamento, cada ação, cada intenção, tem todo o encharcamento dos desejos e vontades deste rei.
Por isso a importância de praticar, e ir além dos hábitos, escapar das fronteiras deste reino.
No retiro com Ivan a prática se cultiva e prolonga, propondo novas perguntas, sugerindo possibilidades que sequer podiam ser consideradas. O choque frontal do entrecortado ‘eu’ com a busca do que é Real gera uma crescente potencialidade de possibilidades.
Há que se seguir, seguir em frente. Nada a fazer exceto persistir, persistir na vigília relaxada, aquela única maneira de se vislumbrar o fabuloso mimetismo do ‘eu’, camaleão perfeccionista e bem-treinado. Seguir. E ainda mais um pouco. E mais.
E apenas quando limites que se fantasiavam com as roupas da trama do tecido do ‘eu’ como intransponíveis são ultrapassados é que brechas na massa mental e fissões no coração se abrem.
É neste umbral, que, instantes (minutos, horas?) antes trazia a garantia da pura loucura e nada mais, que, no instante seguinte (agora?) se apresenta a certeza da Consciência. E deste umbral podem-se abrir vales, céus e horizontes, tão potentes como é o silêncio mais completo, imensos e profundamente densos como apenas o vazio mais doce pode catalisar. Se deixar aí, sem nome e sem espelho, sendo apenas. Sendo.
E ainda assim, como tudo antes da última Realidade, impermanentes, temporários. Em apenas um outro instante se nos é novamente fechada a cortina, e sensações sutis de ‘eu’ retornam, garoa que logo se transforma na chuva cotidiana de pensamentos do ensopado indivíduo (jiva).
Porém estas paisagens, estes estados, deixam-nos traços vivos que mal-traduzimos na memória comum. E é este aroma sutil que nos guia a seguir perseguindo estas trilhas, seguir persistindo ante as inumeráveis quedas e escorregões. Pois bastam alguns instantes de vislumbre da eterna Presença para uma certeza de busca, ainda que tenha que ser, mesmo esta última, também eterna.

Lembrete: em final de agosto Ivan estará no Brasil, teremos workshop e retiro em São Paulo... não é uma oportunidade para ser desperdiçada, pelo menos não nesta vida.

Abraços a todos.