quarta-feira, 28 de abril de 2010

Meditação Externa

A idéia habitual que temos sobre meditação é aquela do sujeito sentado de olhos fechados – quem sabe até com um incenso, roupas indianas, etc. Do ponto de vista Vedanta esta é uma prática interna, uma das duas possibilidades de prática possíveis. A segunda modalidade de prática possível é a prática externa.
Considerando nossos sentidos como fronteiras o campo de cognição externo é aquele que é percebido através dos sentidos: tato, audição, olfato, etc. Em contrapartida o campo interno é aquele percebido diretamente através da mente, sem a intermediação dos sentidos.
Para que a prática interna seja válida é necessário que os sentido sejam desconectados. Com a prática externa ocorre o oposto: os sentidos devem estar totalmente conectados com a realidade externa presente. Por exemplo: se você está comendo o sentido mais demandado será o paladar, se você está ouvindo música será a audição, etc.
O mais divertido é que com esta simples constatação caem por terra todos os argumentos para “não ter tempo de praticar a meditação...”, simplesmente porque a todo momento (de vigília, isto é, quando não estamos dormindo) a prática está à sua disposição uma vez que a todo momento se está vivo.
Então quando se aplica a prática externa? Sempre que não se estiver imerso na prática interna. Quanto tempo sobra para devaneios? Nenhum.
A prática externa está intimamente ligada com o caminho da ação (karma yoga) uma vez que a execução de ações sempre ocorre com uma execução externa. Esta discussão fica para um outro dia.
Um ponto chave da prática externa é que ela requer que estejamos atentos ao que acontece, ao mundo, à realidade apresentada naquele instante.
Como podemos saber se estamos atentos à realidade? Parece uma pergunta óbvia, mas de fato mesmo este discernimento primário é extremamente sutil. Nosso modus operandi mais habitual é o de inventar um presente imaginário através dos pensamentos, e vivê-lo acreditando que estamos vivendo o instante presente.
Façamos um pequeno teste: ligue seu i-pod, i-touch, ou walkman se você for mais velho e ainda tiver um; coloque uma música. De olhos abertos, coloque sua atenção na música, em cada tom. Tente perceber o que aconteceu com a sua percepção visual quando este movimento ocorreu. Agora, com a música ligada, tente focalizar sua visão em um objeto à sua frente. Tente perceber o que ocorreu com a percepção da música enquanto este movimento ocorre. Este é um exercício muito sutil, e pode requerer alguma prática, mas mostra um pouco o foco da atenção. Agora ligue novamente a música, colocando nela seu foco de atenção. Em seguida tente lembrar de uma situação de trabalho que causou ansiedade ou estresse. Perceba o que ocorreu com a percepção auditiva.
Quando a atenção se volta para pensamentos a atenção à realidade externa diminui. Esta é a chave para percebermos se estamos de fato atentos à realidade, a cada momento.
A presença na realidade que se sucede requer um contínuo forjar da mente para que a atenção escape das armadilhas dos devaneios e retorne, uma e outra vez, para a realidade que de fato acontece. Este pode ser um forjar de dias, anos, vidas, mas ao final frutificará em discernimento (viveka) acerca da realidade.

abraços,


marcos

quarta-feira, 21 de abril de 2010

mente, o órgão interno

“A mente não é a base da cognição, não tem luz própria, nem possui consciência por si mesma. É um instrumento de cognição.” (Sesha)
No ocidente nos acostumamos a designar uma série de funções e atributos com uma mesma palavra: mente. O Vedanta (assim como outras escolas orientais) designa a mente como um órgão interno chamado Antakarana, e explica em detalhes o funcionamento desta mente a partir de 4 consituintes principais.
  • Chitta: matéria mental armazenada em forma de memória.
  • Manas: atividade mental manifestada quando chitta está em movimento (pensamento).
  • Ahamkara: sentido de posse, eu-dade.
  • Budhi: reflexo da Consciência não-dual, assento da Consciência individual.
Assim como a lua brilha apenas por reflexo dos raios solares, também a mente não possui luz própria, mas adquire a condição de cognição (atenção) por reflexo da Consciência não-dual. A raiz da cognição não está na mente individual - eis aqui um grande marco de diferença para as filosofias e tradições ocidentais. A mente é apenas um instrumento de cognição, e não a raiz da mesma.
Quando existem modificações no estado natural da mente é como se agitássemos um copo de água cheio de areia: ele se torna turvo. Quando a mente alcança um estado natural de repouso é como se a areia do copo sedimentasse no fundo, e resta a água cristalina. A atividade mental de pensar (manas) é a agitação de chitta, isto é, a agitação da memória. Quando a mente entra em um estado de agitação aparece ahamkara, isto é, a sensação de posse sobre as percepções, atos, pensamentos. Se a mente está em seu estado natural não há agitação de memórias, não há pensamentos, e não surge a condição para que ahamkara apareça, isto é, não surge o famosíssimo “eu”, e budhi pode emergir.
Assim se diz que havendo conhecimento (budhi) não há eu, e havendo eu não há conhecimento! Vejam bem: a própria noção de eu é uma modificação mental, uma agitação, e havendo agitação budhi não tem condições de emergir. Assim também se diz que havendo dúvida (pensamento, agitação) não há conhecimento (budhi), mas havendo conhecimento não há dúvida!
A prática de silêncio interno busca justamente aquietar as agitações mentais. Sem a presença do “eu” uma pequena porta se abre - budhi, o reflexo da Consciência - para uma jornada eterna.
abraços 
Marcos

quarta-feira, 14 de abril de 2010

Presente

Segundo a linha Vedanta Advaita a realidade pode ser compreendida a partir de alguns cânones fundamentais. Um deles estabelece a identidade entre a mais profunda essência do indíviduo (Atman) e a Consciência absoluta (Brahman). Esta realização é o objetivo último da existência. O caminho para se chegar a isto requer que nossa interface com a realidade se dê de modo apropriado, de modo válido. Eis aqui um ponto importante: não se propõe que outros modos de “estar vivo” não são válidos em si mesmos; se propõe apenas que outros modos não são válidos para o caminho de realização do Ser.
Assim, quais as características deste modo válido de estar vivo?
A maneira mais simples de se explicar este modo de vida é através do conceito de presente.
A aparente simplicidade do conceito de presente esconde uma série de condições e hábitos dentro de nossa labiríntica mente linear que impedem a compreensão real e experimentada do mesmo. Todos nós sabemos racionalmente o que é o presente, entretanto normalmente não o-experimentamos. Todos nós já vivemos instantes plenos e intensos de presença, entretanto sua fugaz natureza desafia nossa mais arraigada crença de controle sobre a vida.
O Presente é tudo aquilo – e apenas aquilo – que esta sucedendo no aqui e agora. Não é o passado: aquilo que já aconteceu há um instante ou há dez anos. Isto é memória em movimento. Não é o futuro: aquilo que poderá acontecer segundo nossas fantasias, e que ao final é projeção de memória em movimento.
O presente é sempre aquilo que a Natureza, a Realidade, nos apresentam neste exato momento. Se você está lendo este texto a Realidade apresenta para você a oportunidade de lê-lo. Nada mais. Do mesmo modo, a Realidade apresenta cada instante de cada dia de cada ano por toda a vida. Aprender a habitar este universo chamado presente é a arte do buscador da verdade.
A chave para este universo está em aprender a abrir mão dos apegos e da ilusão de controle. Para compreender o capítulo de apegos basta lembrar dos seus mais habituais devaneios: são como adesivos que você cola em frente à realidade para não ter que vivê-la, adesivos que trazem (a partir da memória) situações, pessoas, emoções ás quais você se apega por hábito. Já a compreensão da ilusão de controle é um pouco mais sutil: normalmente guardamos uma crença de que conseguimos (e devemos) controlar nossa aparente realidade, entretanto isto é absolutamente impossível. Você não pode dizer com certeza se estará vivo dentro de 15 minutos! A prova mais cabal da ilusão está exatamente no fato de que não conseguimos “controlar” a própria presença no aqui e agora, inevitavelmente voltamos aos devaneios. Abrir mão da tensão (da ilusão) do controle e do prazer dos apegos é condição para Presença. De fato nosso dia a dia habitual expõe de modo claro como somos realmente fantoches da mimada personalidade (aquela mesma que tem certeza que controla o rumo de sua vida, que vive e morre pelos prazeres e gostinhos emocionais). É um paradoxo: uma personalidade ilusória (pois foi criada a partir de hábitos e pensamentos) se crê concreta e assim nos aprisiona ao mundo da memória (em que supomos ter liberdade de “escolher” nossa realidade). A saída? Ora, o Presente. Porquê? No Presente não há personalidade. Ao abrir mão do controle e dos apegos, ao se entregar ao que se sucede, se ganha a liberdade. Mais no próximo texto.
Abraços

PS: novo vídeo de Sesha (aqui acima) sobre a “virtude”; vale a pena ver, são 7 minutos.