quarta-feira, 24 de novembro de 2010

A única escolha

Sempre falamos da pedra fundamental do auro-conhecimento que é o presente. Volta e meia aparece a pergunta: mas como vou saber se de fato estou presente ou não? A resposta é bem simples: se você está pensando sobre seu grau de presença, se você está julgando de alguma maneira, se você se pergunta se está presente, então você não está presente! 
Quando há presença não há um “eu” psico-histórico que viva o instante de presença. É simples e paradoxal. Se há um instante de presença ele normalmente só é detectado pela figura da identidade egóica (eu) depois; é quando a presença morre que o eu pode utilizar a propriedade da memória para buscar o “cheiro” da sensação e se dizer ter estado presente.
Entretanto, para nós, ainda ignorantes, a compreensão de que houve um instante de presença é bastante  importante, pois nos dá pistas e sinais do que não é um estado de  presença, e assim permite que, a cada momento de não-presença este possa ser, cada vez mais rapidamente, reconhecido. 
Uma vez que você reconhece que está em um estado de ausência (pensando, divagando), isto é, que não está vivendo aquilo que a realidade oferece naquele mesmo instante, você tem apenas uma alternativa: optar por permanecer ausente, ou voltar ao presente. Esta é a escolha que vai permear todos os momentos da vida de quem perdeu a inocência sobre a realidade de se estar presente. Uma vez que se tenha dado conta do que é o estar presente, ainda que em um grau bastante simples, a ausência (não-presença) cobra um preço cada vez maior.
Não há nenhuma outra escolha de tamanha magnitude na vida como essa uma vez que ela se faça aparente. Este é o “ser ou não ser”. 
Quem estiver com frio na barriga ante à possibilidade de perder a inocência pode aparecer no grupo de meditação das 4af’s para experimentar um pouco mais.  

abraços
marcos

quarta-feira, 17 de novembro de 2010

Abstinência

No encontro da semana passada do grupo de meditação conversamos sobre o cultivo de um primeiro nível de discernimento em nosso dia a dia. 
A colcha de retalhos (também conhecidos por elementais, hábitos, ec.) que é nossa personalidade tem alguns poucos mecanismos básicos de negociação para garantir sua sobrevivência segundo as tendências (samskaras) trazidas no pacote deste ciclo de vida. Os primeiros passos no auto-conhecimento são direcionados a conhecer, ou reconhecer, estes mecanismos. Esta etapa não é muito complexa, e sempre vem acompanhada de assombro, surpresa, dor, emoção, etc. Porém a descoberta é apenas o começo. Muitas vezes nos apaixonamos ainda mais por estes mecanismos, nos dedicamos a estudá-los em detalhes , em toda a sua profundidade, e assim garantimos que nunca nos preocuparemos a encontrar a saída do labirinto, apenas nos deixamos passear mais e mais dentro dele. A questão não é descobrir causas ou detalhes destes mecanismos-raiz, mas sim reconhecer sua existência, e a partir daí aprender a desinflá-los, dia após dia.
Estes mecanismos só existem, naturalmente, como forma de expressão da identidade “eu” no mundo; enquanto forma, só existem como pensamentos. Assim, uma presença intensa no cotidiano naturalmente murcha a bexiga destes mecanismos. A reação natural e espontânea ante aos acontecimentos trazidos pelo presente deixará um espaço potencial cada vez menor para se enfiem as unhas compridas da personalidade no corpo do presente.
Mas como fazer no nosso dia a dia? Uma boa pista é buscar estar consciente de cada decisão que tomamos, em vez de nos deixarmos levar por um maremoto de possibilidades construídas mentalmente, que pouco tem a ver com a realidade. É uma primeira aproximação ao que o Ivan chama de estado de não-dúvida. Por exemplo: você precisa ir à academia fazer ginástica; perceba o que é mais inteligente neste momento e resolva. Não é uma questão de dever ou moral... ir ou não ir à academia não é o ponto. O ponto é o processo: se você está metido em uma dezena de razões para não ir, ou para ir, já estamos mal...
Uma outra pista é aprender a reconhecer cada vez mais prontamente as negociatas internas que fazemos para “ganhar” algo a que nos apegamos muito, geralmente de fundo emocional. Por exemplo: já que tive um dia muito difícil eu mereço comer esta barra de chocolate! Tudo bem, não precisa ser comida, podem ser duas horas de internet, ou um copo de uísque, ou..., bom cada um sabe bem de suas próprias negociações... especialmente nas relações. Se há negociação há um “eu” buscando justificar. Um modo rápido, mas não tranquilo, de perceber estes nossos apegos e justificativas é a prática da abstinência (por algum período de tempo, pelo menos) daquilo que apreciamos tanto. Observando as reações que surgem, a intensidade emocional, o arrazoado inteligente para burlar a própria proposta de abstinência, podemos ter uma pista do tamanho do poder que esta colcha de retalhos exerce, a potência com que estes mecanismos-raiz da personalidade nos subjugam, ainda que através de sutis e inteligentes justificativas.
Ao final, a prática da meditação é a abstinência última, a abstinência do próprio eu.

abraços
marcos

quarta-feira, 10 de novembro de 2010

Ramana, e quem sou eu afinal?

Ramana Maharshi propunha aos que o procuravam um método aparantemente muito simples de prática na busca do auto-conhecimento, chamado de método da auto-inquirição. Este método, basicamente, se resumia na prática de atenção interna através de uma pergunta raiz: quem sou eu?
No mundo interno existem várias formas de seguir o perfume do presente, e cabe a cada um encontrar aquela mais apropriada ao seu próprio sistema mental e nervoso. Uma das formas é esta proposta por Ramana, que, no entanto, é muitas vezes mal interpretada por nós.
Existem basicamente duas maneiras de se fazer esta pergunta a si mesmo. Na primeira a pergunta é feita de forma, digamos, leviana, corriqueira, como quem pergunta sobre o tempo. Feita desta maneira isto será simplesmente o início de um processo interminável de pensamentos enadeados. Quem sou eu? eu mesmo, ora... e quem sou este eu mesmo? eu... e assim vai ladeira abaixo, uma diversão para a personalidade, uma distração total do que pode ser o presente neste momento. Nesta altura estamos totalmente imersos em pensamentos sobre o tema, o que, como sabemos, não tem validade por ser um estado não associado ao presente.
A segunda forma, é aquela em que toda a atenção, com um grau de curiosidade absoluta,  está servindo como mola propulsora da pergunta ‘quem sou eu?’; ao formulá-la há uma genuína intenção de esperar uma resposta. É o mesmo tipo de foco de atenção que existe quando você aposta na mega sena, e ouve as dezenas sorteadas; imagine que você já acertou cinco, e a sexta vai ser anunciada... onde está sua atenção? divagando dobre o fim de semana, ou sobre a mágoa com a irmã, ou sobre ... claro que não, a atenção está 100% voltada ao instante presente, aguardando a sexta dezena! É este grau de atenção que é necessário para se esperar a resposta de uma pergunta do quilate de ‘quem sou eu’.  Surge então, no momento em que a questão se propõe, um estado de surpresa com a própria questão colocada. A mente linear, sem encontrar resposta dialética (por comparação com conteúdos prévios armazenados na memória) se vê por um instante paralisada. Manas (a atividade mental) estaciona subitamente, como um máquina engripada por uma corrente quebrada. Permanecendo aí, com atenção  firmemente postada no observador que percebe o vazio de respostas, pode nos ser oferecida a probabildiade de dilatação do vazio e do silêncio. Com a mente quieta, por pouquíssimos instantes, é possível que budhi se faça aparente. Este é o princípio do processo de silêncio, quiçá da meditação. 


abraços
marcos

quarta-feira, 3 de novembro de 2010

467.200 horas

Precisamos aprender a ouvir o som da atenção. Precisamos aprender a sentir a consistência firme de um estado de presença. A atenção é uma propriedade da Consciência, a propriedade que permite que tenhamos capacidade de cognição como indivíduos.
Sem atenção não perceberíamos coisa alguma, o fato de percebermos algo denota a existência da atenção. De verdade nunca estamos desatentos, pois a atenção sempre está; pode estar direcionada para algo que não seja o que ocorre no instante presente, e estaríamos desatentos ao que ocorre naquele instante, mas ainda assim atentos a alguma outra corrente de informações, como nossos devaneios, por exemplo.
A atenção está presente continuamente, segundo após segundo, um jorro incessante; desde o nascimento até a morte, a questão é:  o que fazemos com ela? para onde direcionamos este jorro ao longo de nossas 467.200 horas de vida (para uma vida de 80 anos, em vigília de 16 horas por dia)? Supondo que nos primeiros seis anos de vida estávamos mais presentes, e que talvez, por misericórdia ou sorte, em 5 minutos a cada hora estejamos realmente presentes (sendo bem bondoso na estimativa),  chegamos à conclusão que desperdiçamos 68 anos de vida em vigília em nossos devaneios... aleluia!
Imaginem a potência de 68 anos de hábitos de pensamento continuamente pisados e repisados! Assim se criam as tendências de nexo entre os ciclos de vida, assim se criam as condições kármicas, assim se perpetua a roda da ignorância.
Considerando que todos nós que lemos este texto ainda temos disponibilidade de atenção, há que se ter o senso de urgência de se perguntar o que realmente desejamos fazer com este fluxo incessante de vida e presença representado pela atenção.
Há que se aprender a escutar o som da atenção nas práticas de meditação interna, notar suas nuances, sua potência, sua volatilidade; há que se investigar a atenção trazendo-a para si mesma. Esta prática exercita e fortalece a capacidade de se perceber perdido em devaneios no dia a dia. Há que se estar pronto para, ao primeiro sinal de distração, trazer a atenção de volta para a realidade que se apresenta, uma e outra vez. A realidade, em seus múltiplos objetos que se sucedem no instante presente, puxa e demanda nossa atenção, temos apenas que deixar que o fluxo natural siga seu rumo, isto é, quando em ação no dia a dia a realidade é prioritária, não nossos devaneios. A atenção é demandada pelo presente que acontece, pelo mundo. A mente linear é que, ao gerar a ilusão da diferença, da individualidade criadora, puxa a atenção de volta para si mesma, para os devaneios eternos que dão a sensação de permanência a um “eu” impermanente. Há que se liberar o navegar no fluxo de atenção natural para buscar a cor real e não sua interpretação; o som que se ouve e não sua memória; o sabor do instante e não sua implicação futura. 


abraços
marcos