segunda-feira, 28 de março de 2011

Tudo bem

Todos nós reclamamos por paz, por sossego. Todos pedimos um momento de tranquilidade, em que tudo esteja bem. E o mais divertido é que todos nós já vivemos momentos assim. E o que fazemos quando este momento chega? Em vez de vivê-lo plenamente começamos a construir o que virá depois, começamos a inventar e criar o futuro, os próximos dias, horas, o que acontecerá para... para que? Para alcançar o próximo momento de paz e sossego que não aproveitaremos, como este?
Não é incrível? E esta não é uma disposição teórica, é a experiência pura disponível para cada um de nós. Experimente perceber o que se passa em sua mente quando tudo está “bem”. Imediatamente, como uma coceira, há um princípio de atividade mental que busca algo mais, algo no futuro. E como uma coceira, quanto mais se coça, mais coça,
Experimente notar que neste momento há a semente de um pensamento longo e muito conhecido seu, um pensamento que iniciará uma cadeia de pensamentos, que resultará, finalmente, em uma situação futura imaginária que traz como fruto algum tipo de emoção específica que sua personalidade desesperadamente necessita. Pode ser, carinho, reconhecimento, vitimização, poder, etc., cada um tem a sua raiz específica e especial. Se você percebe a semente desta cadeia, compreenderá imediatamente o resultado final, e verá quão sem graça, quão repetitivo este hábito de pensar-se realmente é. Pois, ao final, a estrutura da identidade egóica é apenas aquilo que mais pensamos sobre nós mesmos, nossas tendências tornadas concretas por fantasias sem fim. 
O dar-se conta da moeda de troca emocional que jaz por trás de cada cadeia de pensamentos faz com que esta fique em suspensão, como que aguardando sua própria decisão consciente de seguir em frente - escorregando no toboágua dos devaneios - ou de permanecer aqui e agora. Este momento é precioso, é de fato a opção última de ser livre ou permanecer servo, é a expressão concreta e prática do livre arbítrio verdadeiro. A liberdade está radicada em não seguir a cadeia de frutos emocionais da personalidade, mas em perseguir a plenitude do instante.
Permanecer presente priva a personalidade deste fruto emocional específico, no qual somos absolutamente viciados, e daí surge a sensação de abstinência, o que normalmente nos leva de volta ao toboágua. É preciso vencer esta crise de abstinência para continuar presente.
Assim segue nossa comédia privada, tanto trágica quanto cômica. Talvez mais cômica enquanto não nos conscientizamos do tamanho do buraco que cavamos, talvez mais trágica quando nos encontramos lá no fundo, sem suspeitar que existe uma saída.
A saída? O precioso momento do livre arbítrio.




Abraços,
Marcos

segunda-feira, 21 de março de 2011

O que me impede?

Existem perguntas que podem transportar, surpreender e uma delas é: onde você está agora? Esta é uma boa pergunta, como toda pergunta óbvia mas que não é. Para alguns esta pergunta é muito simples, não merece ser compreendida. Então vamos com outra: porque você não pode estar aqui agora? O que existe, dentro de você, que impede sua total presença, sua interação plena com o que se passa?
A realidade da ação, de nossa existência prática no mundo, no dia a dia, nos chama a todo e cada segundo. Entretanto todos sabemos que existem momentos de realidade em que não estamos de fato presentes, estamos em algum lugar do passado (ou a partir daí projetando o futuro). O mundo passa e nós ficamos, atados a um roteiro de dramas pessoais que a cada fase da vida fica mais e mais enrolado. Se prestarmos atenção verificaremos que estes momentos são a imensamente maior parte de nossa vida. Esta outra pergunta pode fazer sentido quando se está preso nas engrenangens das razões e das infindáveis justificativas novelescas de nossa memória personalística. É sempre um fio trançado de pensamentos emoções e desejos que nos prende às cavernas da memória enquanto a realidade passa.
Este roteiro tende a se tornar mais intenso e a requerer cada vez mais a nossa atenção no dia a dia, de modo que cada vez menos interagimos com o mundo real. De fato interagimos com nossas próprias memórias do mundo na maior parte das vezes.
Prestem atenção: o chamariz ardiloso da identidade egóica sempre aparece para nos tragar da realidade e nos mergulhar de volta às nossas confortáveis caverninhas de pensamentos. Cada vez mais aparecem menos instantes de realidade que mereçam nossa presença: ao final estamos sempre julgando que a realidade não merece nossa própria presença.
A questão é que não existe realidade melhor ou pior, realidade apropriada ou não para estarmos presentes. A realidade sempre existe, e cada realidade que nos é apresentada merece e requer nossa presença. Se a cada instante de realidade nos entregamos ao que se sucede exercitaremos o músculo do discernimento, e com o tempo, percorreremos nosso Dharma, nosso caminho verdadeiro.
Assim, quando se der conta de que para você a situação atual que está acontecendo não merece sua presença total, sua entrega ao que acontece, pergunte a você mesmo:  o que existe, dentro mim, que impede minha total presença neste momento? Você ficará surpreso com as respostas.




Abraços,
Marcos

segunda-feira, 14 de março de 2011

Terremoto e tsunami

E assim, com apenas um leve trejeito, o planeta deixa o recado pregado na consciência de todos que tem olhos para ver: impermanência.
Por mais que queiramos concretar nossos bons dias, planos e momentos em uma rígida ponte estruturada até o futuro longínquo, cada soluço é uma lembrança sutil de que a realidade simplemente não funciona desta maneira.
Pequenos contratempos do dia a dia passam esta mensagem: não conseguir chegar àquele encontro importante por conta do trânsito, não alcançar aquela promoção como planejado... O corpo e a natureza gritam isto o tempo todo: o decaimento do corpo, perder os cabelos!... Outros sofrimentos maiores tendem a trazer alertas mais fortes: a morte de um ente querido, uma doença séria.
Porém um desastre das proporções do terremoto e do tsunami no Japão nos coloca de joelhos em uma casquinha bem fininha em um aglomerado de matéria de núcleo imensamente quente, que se move a uma velocidade estúpida, parte da rabeira de uma galáxia também em movimento que navega no vazio do universo que não sonhamos conhecer.
A imensidão do todo e a impotência do um ficam estampadas, reduzem a pó a crença de controle e permanência dos minúsculos “eus”. Nos momentos seguintes ao terremoto surgiram comentários sobre os possíveis impactos na bolsa de tóquio. Inacreditável como precisamos imediatamente retomar todos os parâmetros de referência de uma coletividade de “eus” ignorantes, parâmetros sem os quais não conseguimos ler nosso próprio RG.
Assim, como crianças mimadas que não se conformam com o fim das férias, não aceitamos aceitar a realidade. Preferimos negá-la em troca de um controle firme e ditatorial que exercemos sobre nossa própria ignorância. Porque de fato somos donos de uma coisa apenas nesta existência: do vasto latifúndio de nossa ignorância. A crença desesperada no controle de nossos atos, de nossas famosas decisões, de que somos nós que escolhemos o caminho que seguimos, é simplesmente um truque deste indivíduo “eu” que precisa atestar sua própria e falsa idéia de existência contínua.
Tentar nos segurar nos pilares do “eu” nos dá a falsa sensação de permanência; a mesma sensação de firmeza que os moradores do vilarejo portuário de Minamisanriku tinham acerca de suas casas, até observarem o tsunami levá-las como barcos de papel. E, como sabemos, ou muitas vezes veladamente intuimos, o tsunami da Consciência sempre chega.


Abraços,
Marcos