segunda-feira, 27 de junho de 2011

Bhagavad Gita

Bhagavad Gita.


Décima estância, diálogo entre Sri Krishna e Arjuna.
Nesta parte Krishna assume a figura de Brahman, o Eterno, Cônsciência, Existência absolutas. Seguem algumas slokas escolhidas.
Diz Krishna:
Eu sou o Espírito supremo que mora no coração de todos os seres.
Sou  princípio, meio e fim de todo ser.
Sou mente dos sentidos e a inteligência dos seres viventes.
Sou monossílabo entre as palavras; entre os sacrifícios, o sacrifício do silencioso canto e entre as coisas imóveis sou o Himalaia.
Sou o “A” entre as letras e a conjunção nas palavras.
Sou o tempo perdurável e o sustentador da face para todos os lados voltada.
Sou a morte que tudo consome e a origem de tudo o que brota.
Sou o silêncio do segredo e o conhecimento dos sábios.
E o que é semente em todos os seres, também isso sou Eu, porque não há ser movente ou imovente que possa existir sem Mim.
Quanto há de glorioso, bom, belo e potente, brota de uma faísca apenas de Meu esplendor.
Mas o que são para ti, Arjuna, todos estes pormenores? Sabe que depois de formar o universo inteiro com um átomo do meu Ser, sigo existindo.


E como alcançar tal Consciência?
Diz Krishna na décima segunda estância:


Pousa tua mente em Mim, deixa que teu discernimento penetre em Mim, e ao sair desta vida certamente morarás em Mim.
E se não és capaz de fixar com firmeza tua mente em Mim procura então atingir-Me pelo perseverante esforço da devoção.
Porém, se também não és capaz de perseverante devoção, dedica-te a servir-Me, e cumprindo ações em obséquio a Mim, atingirás a perfeição.
E se nem ainda para isto tuas forças bastarem, refugia-te então em Mim por união e dominando a ti  mesmo, renuncia ao fruto das ações.
Melhor é, na verdade, a sabedoria que a prática constante. Melhor que a sabedoria é a meditação. Melhor que a meditação é a renúncia ao fruto das obras. Após a renúncia vem a paz.




Abraços,
Marcos

segunda-feira, 20 de junho de 2011

Como praticar meditação

A meditação - para se afinar o vocabulário Vedanta - é um estado de consciência. O exercício da atenção é uma prática. Descobrir o que é a atenção, como ela opera, onde ela se pousa, e, mais importante de tudo, sua fonte. Meditar, ao final, é pousar a atenção sobre ela mesma, conforme ensina Sesha. É esta a prática que requer disciplina e repetição, a sadhana fundamental.
Mas como conseguir a disciplina para efetivamente praticar? A maneira mais direta é perceber como estamos imersos e confusos em nossos interminável labirinto de pensamentos em nossa novela pessoal.E como escapar do redemoinho de pensamentos grudentos que nos puxa a cada instante? 
Para iniciar é preciso um dar-se conta de que este mundo do redemoinho existe. É preciso dar-se conta de que você é refém deste labirinto que chega sempre ao mesmo ponto. É preciso estar exausto de percorrer sempre o mesmo caminho de pensamento-emoções disparado por qualquer gatilho da realidade, aquele caminho que traz sempre o mesmo ganho emocional para uma identidade que tem como fundamento a carência (uma vez que se acredita separada do todo, daí estar sempre em estado de carência).
Para se perceber essa dinâmica-raiz é crítico desenvolvermos a capacidade de auto-observação. Observarmos a nós mesmos, observar nossos pensamentos mais usuais enquanto as situações se desenrolam. Ouvir com atenção nossos diálogos internos, o modo como falamos com nós mesmos. Anotar estes diálogos. Perceber como - em essência - se repetem dia após dia. 
Ao tomarmos consciência desta gangorra moto-quase-perpétuo produz-se  um efeito natural: a própria potência desta gangorra começa a diminuir. Começamos a perceber o funcionamento desta dinâmica enquanto ela ocorre. Aos poucos, e com o tempo, começa a surgir a possibilidade de não mais sermos reféns desta dinâmica. Percebemos quando  ela começa a operar, e podemos retornar para a realidade que se passa. Lembrem-se de que toda esta gangorra não passa de um conjunto de pensamentos; um pacote de tendências muito fortes, mas nada mais que um conjunto de pensamentos. Enquanto esta dinâmica opera não estamos presentes, não vivemos a realidade que se passa pois estamos mergulhados em nosso conjunto de pensamentos favoritos. A grande maioria de nós vive e morre dentro desta novela auto-elaborada, sem dar-se conta desta ilusão. 
Assim, ao percebermos como somos servos deste círculo exaustivo, surge a inquietação pela busca de um estado natural de viver que não seja domesticado e aprisionado. Este é o combustível da prática da atenção - a prática de estar aqui e agora. Quando pesquisamos curiosamente os rumos e os princípios da atenção em nossas experiências de viver começamos a compreender a profundidade da ignorância em que normalmente vivemos.
Nós temos a sorte, a chance e a responsabilidade de buscar uma forma consciente de viver.




Abraços,
Marcos

segunda-feira, 13 de junho de 2011

Guga não-dual

Seguindo com as experiências reais de pessoas “comuns” que nos transmitem um pouco do que são estados de presença vou compartilhar um trecho da entrevista de Guga a Juca Kfouri. Guga explica o que ocorreu em um jogo de oitavas de final de Roland Garros:
“... foi uma sensação muito forte, a mais forte que senti em quadra... muito envolvimento, entrega total... atingi um nível de felicidade, de contemplação do todo... ao mesmo tempo observava a torcida, batia na bola, tudo... um grau de concentração tão alto, tão eficaz... experiência de estar acima, em algum lugar, mas não no padrão normal de sensações... muito forte.”
Este é um estado de consciência em que não há um “eu” que bata na bolinha, há um fluir com a realidade que ocorre, um fluir espontâneo e sem dúvida. Este jorrar de certeza advindo da reação natural ante o que se passa produz a ação correta, uma ação que não busca um fruto específico, nem é imaginada sendo controlada por um sujeito diferente da própria ação.
Como se origina um estado como esse? Bom, podemos começar por uma certeza: um estado de presença não se origina pelo desejo de alcançá-lo... tampouco pela dúvida de alcançá-lo. Tanto desejo quanto dúvida são perturbações criadas pela agitação mental, e denotam a existência de um “eu” psicológico que se crê capaz de alcançar algum outro “estado”. Há que se recordar de algo fundamental: este “eu“ não possui existência em si mesmo, não existe realmente quando estamos presentes. Este “eu” só possui existência real se prensado. Assim, qualquer estado de atenção no instante presente é um estado de inexistência - ainda que ultra momentânea - do “eu”. Por isso este sujeito nunca estará presente, nunca viverá um estado de presença. Haverá, claro, a memória, ou pelo menos uma sensação. Observem como é difícil explicar um estado como esse descrito acima. A memória não é um atributo da personalidade, a memória é um componente da mente que existe por termos a capacidade de sermos conscientes. Não deixa de haver consciência em um estado de presença, e é natural que haja um tipo de informação residente que é oriunda daquele estado. Nosso “eu” então busca se apropriar da sensação criando a ilusão de ter vivido aquele instante. Mas isto é apenas um golpe barato de quem nunca poderá viver tais instantes.
Um estado de presença se origina de maneira natural e espontânea, quando colocamos nossa atenção plena naquilo que se sucede no instante presente, seja o que seja. Vejam como Guga cita a palavra “entrega”.
Outra palavra para se lembrar: “eficaz”. Um estado sem interferência de um “eu” que busca fruto ou se apropria do que parece fazer é paradoxalmente muito mais eficaz. 
Um último ponto divertido: a falta de referência espacial: ao mesmo tempo ver a torcida, bater na bolinha, estar acima... a atenção focada nos objetos da realidade (bolinha, adversário, torcida) leva a uma permanência da atenção nestes mesmos objetos, e não em si mesmo. Isto é exatamente o que se propõe como prática meditativa externa. Com a permanência da atenção nos objetos, deixa de haver um sujeito auto-referenciado que executa a ação, a atenção está em vários objetos simultaneamente. Se o “eu” sujeito que executa ações e tem história não está presente, porém a ação é executada com eficácia e existe consciência do que se passa, quem é consciente? 
Isto quer dizer que o próprio sistema (bolinha, raquete, jogador, torcida) é consciente do que se passa.
Realmente do ponto de vista não-dual, em última instância, não existe consciência individual... Consciência existe previamente e como condição subjacente a qualquer ato ou objeto. Apenas percebemos um leve desvelar da ilusão da consciência individualizada em estados de intensa presença.


Abraços,
Marcos

segunda-feira, 6 de junho de 2011

Travel lightly

Arte de continuar caminhando não requer apenas disciplina e desapego. Assim como os peregrinos levam o menor peso possível na mochila, assim também nós precisamos deixar ao longo da trilha todos os pesos mortos.
Quanto mais longo e incerto o caminho menor o peso que devemos carregar. Imagine uma trilha em que não há destino conhecido previamente, muito menos duração esperada. Eis aí a nossa trilha do auto-conhecimento, da busca pela compreensão do que É. Mais vital ainda se torna a necessidade de se “viajar leve”.
O dilema é não percebermos quais são os pesos mortos, pois os-acreditamos vivos e necessários. Temos dificuldade em limpar o armário e jogar roupas usadas fora (“não uso mas gosto tanto delas”, dirá algo dentro de você), ou doar para um sebo livros que já não nos dizem nada (“mas um dia disseram”, dirá algo dentro de você), ou sair de uma casa na qual vivemos muito tempo (“minhas memórias estão aqui”, dirá algo dentro de você). 
Temos pouca habilidade em discernir o que é realmente necessário e o que são apenas hábitos de concreto pré-moldados.
Imagine agora reconhecer os reais pesos-mortos: nossas tendências personalistas mais profundamente impregnadas, nossas até então muletas de sobrevivência em um circo incompreensível de eventos cuja ordem nos escapa.
Há momentos da trilha em que estes pesos mortos tomam sopro de vida e reaparecem sorridentes e fortes, nos oferecendo a mão amiga de um velho e confortável conhecido. A tentação de segurar esta mão e reencontrar um espaço de acolhimento é fortíssima. O problema é que este apoio é totalmente ilusório. Caindo novamente nas armadilhas de trocas emocionais infindáveis - combustível e comburente dos hábitos da personalidade - estamos de mãos dadas com o sofrimento de uma mudança sem fim, pois são apenas construções imensas e encadeadas de pensamentos habituais sobre o que somos, o que merecemos, o que deveríamos ser, o que deveríamos merecer, e assim por diante.
Quando a trilha fica difícil, quando percebemos que mais uma vez agarramos a mão “amiga” de nossos hábitos, é este o momento de escolher continuar a viajar leve: de nada adiantará se culpar ou justificar ou fingir ... o caminho para a leveza é simplesmente continuar a caminhar. Seguir, agir conforme a vida requer, não estacionar novamente em um palco de críticas ou expectativas. Seguir porque não há nada mais que se requeira de nós senão aceitar o passo de cada dia de modo pleno. Conforme seguimos, e insistimos em seguir, mais leve se tornará nossa caminhada.