domingo, 31 de julho de 2011

Travessia

Assim disse Nisargadatta sobre a meditação:
“Nós conhecemos o mundo externo das sensações e das ações. Mas do mundo interno de pensamentos e desejos nós conhecemos muito pouco.O propósito primário da meditação é se tornar consciente com nossa vida interior. O propósito último é alcançar a fonte da vida e consciência. Incidentalmente a prática da meditação afeta profundamente nosso caráter. Nós somos escravos do que não conhecemos. Quando descobrimos qualquer vício ou fraqueza e compreendemos suas dinâmicas e causas  nós as superamos pelo próprio conhecimento. O inconsciente se dissolve quando trazido à consciência. A mente se aquieta.”
O impacto que a prática de atenção constante ao presente tem na dinâmica da personalidade não é o objetivo da própria prática. A atenção ao aqui e agora tem como impulso a constatação de que esta é a única forma real de ser, a única maneira de compreender. As disciplinas (sadhanas) são necessárias para que os hábitos arraigados sejam aos poucos dissolvidos, trazendo quietude mental. Assim é crucial a prática interna de silêncio, uma disciplina necessária para cortar a indulgência na qual normalmente navegamos. Aos poucos a mente começa a encontrar um estado mais quieto, o que permitirá que a atenção se fixe mais continuadamente no presente.
Esta é uma longa travessia do irreal e oculto para o real e auto-luminoso.  
Nesta segunda-feira retomamos o grupo de meditação semanal às 19h30 no Instituto Brahmavidya. Fica o convite para os que buscam a coragem de empreender a travessia. 


Abraços,
Marcos

segunda-feira, 4 de julho de 2011

Kalpas e pedras

Outro dia meu filho mais velho me mostrou um vídeo na internet chamado “as pedras”, ou algo assim. Muito divertido, mostrava o mundo, a história, sob o ponto de vista de duas pedras. Mais interessante ainda, mostrava o tempo sob o ponto de vista das pedras. Para os humanos e animais que por ali viviam as pedras pareciam imóveis, mas a certa altura o filme passa a rodar na velocidade do tempo relativo das pedras. Como se cada dezena de anos humanos fosse um segundo para as pedras, elas interagem e conversam sobre a  rapidíssima ação humana. Cidades avancam e decaem em segundos, e ali estão as pedras dialogando.
Isto se assemelha à comparação entre a identidade egóica e aquilo que seria o observador final, nossa essência. Nossa idéia de personalidade - a ilusão de permanência e concretude - é como o tempo humano do filme: fulgaz, transitória, inconstante. Aquilo que observa é - um pouco - como as pedras: permanece, ali, sempre.
Diz-se na sabedoria hindu que um kalpa (um dia ou uma noite de Brahma) equivale a 1.000 yugas (eras), e uma yuga equivale aproximadamente a 4.320.000 anos. Assim um dia completo de Brahma equivaleria a 8.640.000.000 anos. Sem levar em conta cálculos, a idéia da relatividade é que importa. 
Nos movemos intensamente, desesperadamente, entre pensamento e ação, julgamento e expectativa, frustração e desejo, mais ação e mais pensamentos. Não temos o tempo para buscar a paciência e a diligência de sentar e observarmos a nós mesmos. Não temos a humildade de aceitar o instante e continuamos a depositar nossas fichas emocionais em uma caderneta de poupança a ser resgatada em um futuro quando tudo estará conforme sonhamos, um futuro que por definição não existe, não chega nunca. Não temos a coragem de abrir mão das indulgências mais confortáveis, nem das mais sutis. Assim permancemos mergulhados em nosso mar de criações, em nosso berçário de hábitos e tendências. 
Se nos decidirmos por um instante a advertir o que se passa naquele mesmo instante perceberemos que se dilui a diferença entre algo que faz e algo que recebe, entre sujeito e objeto, entre perceptor e percebido. Neste instante mesmo não há tempo. Se este instante é reconhecido toda a estrutura de certezas acerca de nossa idéia da permanência da personalidade e da necessidade de uma identidade egóica aparentemente independente começa a ser colocada em dúvida. 
De outro modo nos escapa, sempre, aquilo que esteve, está e estará eternamente ali. Aquilo que nos permite ser conscientes, conhecer, amar e existir. Aquilo que subexiste antes, durante e depois de nós. Aquilo para o qual o tempo não existe como variável.




Abraços,
Marcos