quinta-feira, 18 de fevereiro de 2010

Um, nenhum cem mil e coaching

Por conta do curso de formação de coaches no Ecosocial li o livro Um, nenhum e cem mil, de Luigi Pirandello. O personagem vai se desconstruindo ao perceber a ilusão da realidade egóica. Ao final, diz: “E tudo é o que é, segundo a segundo, iluminado de vida... Só assim consigo me manter vivo, renascendo a cada segundo e impedindo que o pensamento se ponha de novo a trabalhar, reabrindo por dentro o vazio de suas vãs construções.”



Ou, em uma outra interpretação, nada é senão aquilo que é no instante presente. Esta conclusão final expressa de modo contundente a ascendência da presença sobre qualquer outro modo de vida para que se compreenda e viva a realidade.


Não há realidade em si nas vãs construções dos pensamentos. Vazios porque são nutridos sempre pela memória. A realidade é roubada de cada um de nós a cada instante em que o ego, ou a mente linear, ou a idéia do “eu” de Pirandello se apropria da mesma ao nos induzir a buscar os conteúdos residentes na memória. Trocamos uma realidade presente, só percebida por algo que não o “eu”, por uma pilha de memórias já guardadas, que nos dão senso de segurança e conforto, um nome e uma forma armazenados para cada diferente tonalidade de realidade percebida. Uma etiqueta – só existente na memória – que substitui a realidade sem subtítulos que se apresenta a cada momento.


O presente é o ambiente no qual tudo o que se sucede acontece, a chave mestra que pode nos abrir a porta da compreensão, do discernimento real. Entretanto para que a presença seja concreta é preciso que não nos voltemos às vazias construções dos pensamentos, ou seja, é necessário que nos mantenhamos ... presentes. Nosso hábito mais enraizado, por tantos anos de vida pisando a mesma trilha batida, é pensar sobre o mundo, nos distanciando dele. Para frear este hábito há que se ter coragem de abrir mão do suposto controle confortável que a distância da realidade nos proporciona. Há que se atirar ao mundo, no sentido de se estar ativamente atento ao que acontece. A cadeia infindável de pensamentos coloca um véu sobre a realidade, e, na maior parte das vezes, acabamos nos relacionando com nossa própria memória, e não com aquilo que acontece realmente.


A contínua prática de se viver no presente naturalmente nos mostra que existem outros agentes de percepção que não o “eu”, presentes em estados de consciência superiores do ponto de vista de discernimento da Realidade. Sem o peso da constante apropriação das ações que acontecem no presente pelo insaciável ego há uma trilha infindável de uma leveza e liberdade que talvez nem consigamos vislumbrar.


O processo de coaching, por exemplo, realmente só ocorre quando há Presença. De nada adianta buscar mentalmente fórmulas e arquétipos enquanto a conversa ocorre. A preparação sim pode ocorrer previamente. No momento da preparação o instante presente pede que a leitura e análise sejam feitas; e é perfeitamente natural que se use o processo associativo mental neste momento, é um pensar válido, pois é o que é requerido, naturalmente. Entretanto, no instante da conversa o que o presente requer é atenção plena na conversa, nada mais. Atenção plena, algo fácil de falar, difícil de fazer, essencial de se praticar. Todo o estudo, a preparação, se farão sentir de modo natural e intuitivo se a presença ocorre. A cada perda de atenção, a cada fuga para a memória, se perde o instante. Apenas no presente é possível que a inteligência intuitiva tenha a possibilidade de ser percebida, e nesta descansa toda e qualquer possibilidade de ação natural, pura, correta*.


* (neste sentido vale ler texto “budo, aikido, Consciência e liberdade, de 19/11/2009)