segunda-feira, 28 de abril de 2008

where to?

Por vezes me canso de navegar
ainda que sem direito, bem sei...

por vezes me canso de falar
me canso de ouvir
e de me ouvir
de tentar compreender o que pode ser
tentar ser o que não compreendo

por vezes me canso deste cansaço mesmo
do peso de vestir uma carne
do moto quase contínuo de respirar
de mais de um bilhão de batimentos

por vezes me assusto
instantes em que a dúvida congela o discernimento
o apego me ancora na ignorância
e as sombras iluminam cercas maiores que os caminhos

sem o mapa do conforto do corpo
sem as coordenadas do buscar um sentido com final feliz
sem a bússola das crenças construídas de argila mental
busco o norte nas estrelas

para onde ir?

por vezes vislumbro no meu céu
sem névoa ou dúvida
sem perguntas
sem quem pergunte
as sussuradas sílabas iniciais de uma resposta

Ir sem retorno
a volta nunca será para onde se partiu
Ir
para onde se espera,
se espera,
e se espera
um pouco mais
e enquanto nada mais se passa
o esperar deixa de ser temporal
se desnuda como uma existência em si mesma

Ir
onde a existência brilha poderosa e brutal
cega os sentidos imaturos e decepa membros ineptos
onde Ser sem interrupção tempera a estrutura mental
onde a suave e crescente compreensão do que É
acaricia uma super-nova
a semente do amor

Ir logo ali
ali onde o onde já não traz significado
posto que é sem resposta
local sem endereço
do diverso para o um
da área para o ponto
da certeza para a potencialidade

Às vezes isto tudo não é mais que um segundo
um sussurrado vaga-lume
farol entre penhascos na noite de tempestade
continuo navegando

sexta-feira, 18 de abril de 2008

amsterdam

Acabo de voltar de dez dias em Amsteradm, a trabalho.
Uma viagem nunca é apenas uma viagem no sentido externo ou físico; entrar em um avião que voa a 11 km de altura, respirar um ar de outra língua, conhecer pessoas diferentes, a distância do conhecido, o desconforto e as surpresas... sempre aparecem desafios às nossas habituais certezas. Sempre acontece uma viagem interior, paralela e transversal ao concreto imaginado.
Passei um final de semana por lá, e andei muito.

Adoro andar, é a velocidade mais perfeita para a percepção do mundo. Experimente caminhar por uma rota que você normalmente faz de carro, e ficará muito evidente tudo o que perdemos ao acelerar sobre caminhos aparentemente conhecidos. Um universo de detalhes e novidades se abre aos sentidos.
Caminhei pelo Vondelpark (um central park de Amsterdam), observando e sentindo. O novo sempre traz esta curiosidade de conhecer... e daí à certeza de que o simples ato de perceber o mundo é impressionantemente vivo é um pequeno passo. Peceber que se está vivo, e que existe a chance de conhecer, que existe uma propriedade chamada atenção que me permite conhecer, e que ela é intrínseca à própria consciência... perceber que a atenção flui, e que às vezes algo parece tão próximo de você que você já não sabe diferenciar o que percebe de você mesmo... é algo incrível. E está sempre aí, em qualquer e toda parte do mundo, sempre à nossa disposição.

Fui ao Rijksmuseum, e ali passeei pela história da Holanda. Não consegui apreciar a beleza das pinturas, pois acabei afogado no fogueira das vaidades. Impressionante como o ser humano, era após era, cai nas mesmas armadilhas dos desejos do olimpo sonhado do egoísmo. As sempre iguais medalhas de ouro do ilusório pódio das conquistas individuais. Um grande almirante e seu busto em mármore, a petrificação do orgulho. Um trio de ricos comerciantes semi-eternizados em uma tela, tintas lindas perfeitamente retratam os olhares empapados de ilusão e arrogância. Uma época após outra, uma guerra após outra, uma fortuna após outra, uma miséia após outra, tudo o que buscamos é petrificar a ilusão de que somos nós que atuamos e decidimos, erigir um busto do granito nascido da ambição do fruto de nossas ações, pintar um quadro magnífico da nossa absoluta ignorância sobre quem somos. Isto é a raiz do Samsara, a eterna roda do Karma.