segunda-feira, 22 de agosto de 2011

Limiar da intuição

Nós estamos acostumados a estabelecer uma lógica, um raciocínio associativo que determine a razão para decisões que por vezes haviam aparecido como um sentido de saber antes do entender. Neste caso decisão pode ser definida como ação, julgamento ou teórica certeza acerca de uma situação qualquer.
Todos nós já vivemos instantes intensos de “saber algo”, simplesmente saber, sem construção ou análise prévia. Este saber é a intuição, uma forma superior de inteligência que reside em um nível não linear, que não opera através dos canais da mente associativa (Manas) em sua agitação habitual.
Se prestarmos bastante atenção veremos que a sensação do saber puro e simples acontece, e aí, neste mesmo instante, já reside simultaneamente a total compreensão. Já se sabe. O que ocorre em seguida - de forma muito, muito veloz - é que iniciamos o processo de pensar sobre esta sensação de saber. É como se necessitássemos de um procedimento linear e aparentemente lógico que fosse construído por um “eu” que se tornaria então proprietário de uma justificativa “racional” para a decisão.
O saber ocorreu naquele instante claro de intuição - como quando as “fichas caem”, por exemplo. Neste instante não existe a figura de um “eu” que compreenda, existe apenas a compreensão em si mesma, um saber, e um saber que se sabe. Em termos de componentes do órgão interno chamado mente (Antahkarana) Manas está quieto, e brilha Buddhi. Em relação ao estado de atenção há forte presença.
Em seguida aparece um “eu” que inicia o processo de agitação mental e procura entender através de um procedimento lógico. Isto naturalmente restringe aquilo que era “saber” puro e livre em um conhecimento confinado às fronteiras psicológicas de uma identidade egóica com sua história, hábitos e tendências.
Aprender e experimentar a postura de atenção que nos possibilita estarmos mais porosos ao instante presente, de modo a esticar estes segundos de presença na substância de compreensão pura é uma prática vital em nosso caminhar.
Abraços,
Marcos

segunda-feira, 15 de agosto de 2011

Silêncio interior

A prática interior é - talvez para a imensa maioria de nós - o único pilar que consiga representar a sensação de certeza profunda sobre algo na vida. Segundo dizem os grandes sábios o que existe em verdade, é Sat-Cit-Ananda. 
Sat (existência, ser), Cit (consciência, sabedoria e conhecimento) e Ananda (bem aventurança, amor pleno como agente de integração) existem em uma dimensão que é subjacente, que dá base à própria existência.
Como podemos ter contato com aspectos - ainda que tênues - desta realidade última?
Imersos em nossos hábitos mentais de comportamento, que puxam a cada instante de percepção infindáveis elementos comparativos de memória, é muito difícil encontrar um momento de certeza. Estes hábitos, continuamente reforçados, acabam por trazer mais e mais diferenciação, isto é, momentos em que não estamos atentos ao presente que se sucede, mas sim envoltos pelas familiares vozes mil das cadeias de pensamento e memória, julgamento e distância. Conforme o tempo passa estes hábitos se tornam mais fortes, pois cremos com toda a convicção que somos eles.
O único elemento capaz de desfazer esta trama é a atenção.  A atenção aparece por trás, antes dos próprios hábitos mentais. Ao observarmos conscientemente estes hábitos eles se tornam mais frágeis, menos senhores de nós mesmos. Ao longo de muitos anos de uma vida a prática enfraquece os hábitos e dá oportunidade para um viver consciente. Ao longo de alguns minutos de uma prática de atenção interior (meditação) a atenção aniquila imediatamente o hábito que surge na forma de um pensamento ou emoção, permitindo uma percepção daquilo que existe antes do jogo de cenas de um teatro de fantoches.
A prática do silêncio é a porta para a chance de se resvalar na certeza da existência, da consciência, da bem-aventurança.
Quieto, com o corpo e os sentidos acalmados, atento ao que se passa internamente. Atento e curioso, investigando o que afinal é isso que somos, como se expressa. Atento ao compreender que existe antes de qualquer pensamento, imerso no vazio que é pleno de movimento e vida. É possível se perceber como se flexibilizam e aos poucos se mostram ilusórias as cadeias de restrições que nos fazem imaginar que o que existe é o corpo material, este “eu”,  ou mesmo que somos “algo” independente. Atentos, quietos e profundamente mergulhados em nosso próprio campo de existência, as certezas de uma mente pensante rapidamente se mostram duvidosas, e por fim falsas, ilusórias. Aquilo que compreende, como um espaço novo que se abre em nosso próprio espaço interno, se revela como tendo estado sempre ali. A compreensão completa de não ser algo, e ainda assim a completa certeza de ser. 
Este perfume que resta de uma prática interior não pode ser expresso em conceitos compreensíveis pela mente linear, mas ele permanece vivo como uma certeza mais profunda - ainda que em um campo sutil - da trama de fluxos de existência, consciência e amor que nos compõe.
Abraços,
Marcos

segunda-feira, 8 de agosto de 2011

Quântica


Bom, já escrevi demais explicitamente sobre Vedanta Advaita, não dualidade. Vamos a uma pitada do que a física quântica pode nos trazer de reflexão.
Na mecânica quântica, entre outros absurdos ao bom-senso, se estipula que a equação que define um algo qualquer se chama “função de onda”: aquilo que provê uma descrição completa do sistema físico ao qual está associado. Esta função de onda tem componentes probabilísticos, de modo que a descrição mais exata de algo é no melhor dos casos uma possibilidade. Por exemplo, na física clássica é possível determinar a velocidade e a posição de uma partícula, enquanto na física quântica não. O fato de inserirmos um observador no sistema altera as características do próprio sistema; para colocar livremente: o observador causa um colapso na função de onda probabilística de modo que se observa apenas uma das formas possíveis.
Uma boa pergunta é: o que havia “realmente” antes de haver um observador que perturbasse o sistema?
Michio Kaku, perto do final de seu livro “Hiperespaço”, diz: “...com a teoria das dez dimensões (relacionada à teoria das cordas) o conceito de uma função de onda para o universo inteiro torna-se relevante... a própria função de onda cósmica, que descreve o universo inteiro, não vive em nenhum estado definido, sendo um compósito de todos os universos possíveis.”
Diz Brian Greene, em seu livro “O universo elegante”: “de acordo com a teoria das cordas o universo é composto por cordas minúsculas cujos padrões vibratórios são a origem das massas, cargas e forças das partículas; a teoria também requer dimensões adicionais (cujas formas) determinam estes padrões vibratórios”. 
Assim o que vemos nas dimensões habituais tem causa em outras dimensões não percebidas habitualmente.
Normalmente se associa a física quântica apenas a dimensões muito pequenas. No artigo da Scientific American de julho deste ano  “A vida em um mundo quântico” Vlatko Vedral comenta como efeitos quânticos tem sido observados em um crescente número de sistemas macroscópicos.
Por exemplo, um outro absurdo interessante da física quântica é o conceito de “emaranhamento quântico”, que basicamente estabelece que este liga partículas individuais a um todo indivisível: mesmo quando partículas emaranhadas estão (muito) distantes umas das outras elas ainda se comportam como uma entidade única. O emaranhamento interconecta sistemas quânticos sem referência a tempo ou espaço. Vlatko relata fenômenos de emaranhamento já em aglomerados de partículas, como sais.
E declara, ao final: “as implicações de objetos macroscópicos, como nós, existindo em um limbo quântico são tão alucinantes que nós, físicos, ainda estamos em um estado de emaranhamento de assombro e confusão”.
A questão é que a filosofia ocidental não acompanhou as imensas discussões que a física quântica colocou na vitrine. O Vedanta Advaita traz proposições  que embasam soluções elegantes para estes dilemas. Mais sobre o tema em nossos encontros semanais (e em breve no novo livro de Sesha sobre o assunto).


Abraços,
Marcos