segunda-feira, 7 de novembro de 2011

A arte

Viver é descobrir a realidade no dia a dia.
Ilusão é cobrir a realidade com nosso dia a dia.
Ao primeiro se dá o nome de Dharma.
Ao segundo se lhe chama Maya.
O primeiro existe antes da mente.
O segundo existe por conta da mente.
Viver é, presente.
Iludir-se continuamente terá sido.
No primeiro vive-se, sabe-se, ama-se
No segundo vivo, tenho e morro.
A mente não existe no presente.
O presente não existe na mente.
A liberdade de ser não intersecta com o eu.
A arte é seguir.

segunda-feira, 24 de outubro de 2011

extra...ordinário

De volta do retiro com Ivan na Espanha. São apenas cinco dias, porém cinco não-ordinários dias. Pois estamos acostumados a viver ordinariamente, nossa rotina é por nós transformada em algo ordinário. Viver cinco dias não-ordinários implica reconhecer a redução a que nos propomos no restante 360 deles se considerarmos um ano. O que fazer, viver em retiro? Não, pois a vida nos chama para a ação (nós, aqui, com nossas responsabilidades). A resposta é transformar os outros 360 dias em não-ordinários.
Como?
Para responder vamos tratar do que é o ordinário: em nosso senso comum ordinário remete a algo que não traz novidade, algo conhecido, sem graça. E porquê nos parece este dia a dia sem graça? A graça parece estar sempre no novo, no diferente, ou na expectativa da realização futura de um super desejo. A graça parece fugir do aqui e agora, do presente.
Está aí a resposta para o extraordinário: encontrar a tênue e brilhante linha de vida em que o presente é vivido, sentido e experimentado. Quanto mais respiramos e vivemos o presente mais extraordinárias ficam as simples existências.
Sentar e praticar por cinco dias pode não parecer algo simpático e prazeiroso (e muitas vezes não é...) mas afina o senso do que é real, e dilui a percepção de concretude de um dia a dia repleto de desejos insaciáveis perdido em ilusões egóicas. Sentar e praticar pode parecer extremamente sem graça... mas aí é que está o paradoxo. A graça não pertence ao mundo da personalidade que tem opiniões, mas é característica pura daquilo que sempre existiu, daquilo que, se permitido, compreende como extraordinário o simples ato de ser, existir e saber.


Abraços,
Marcos

segunda-feira, 3 de outubro de 2011

A realidade não é o que você pensa

A realidade não é o que você pensa.
A realidade é o que está continuamente acontecendo agora.
A realidade não é seu pensamento.
O paradoxo é que se você estiver pensando esta será , sim, concretamente, sua realidade.
A realidade não é o sonho bom sobre um futuro desejado.
A realidade não é a tristeza (ou alegria) de um passado ido.
A realidade não existe na sua mente viajante, a não ser que você permaneça embarcando em suas viagens continuamente, navegando em sua própria realidade auto-construída, mutante e variável conforme a meteorologia dos humores, dos contragostos, e dos gostos.
A realidade existe anterior e subjacente a qualquer juízo ou interpretação.
A realidade está logo ali... experimente... entre um pensamento e outro, naquele instante silencioso... em um fluxo atemporal.
A realidade não é o que você pensa, a não ser que você esteja pensando!

segunda-feira, 26 de setembro de 2011

Ação no mundo

Diz Sesha: o que vale não é a ação que se realiza, mas a compreensão que se tem daquilo que se faz no momento em que se executa a ação. Nós temos a capacidade de realizar, compreender e não nos identificarmos com a ação.
No mundo ocidental, por outro lado, prezamos e medimos a ação pelo valor econômico, pelo gosto, pela utilidade, enfim, pelo resultado alcançado. Nascida do desejo, assim que este se realiza  esta ação logo será seguida por outras e mais outras na interminável voraciadade de identidades egóicas perdidas em teias de desejos e inseguranças. 
Vejamos com mais detalhes a visão Vedanta sobre a ação. Existem quatro naturezas de ação:
1. Omissão: havendo responsabilidade não se executa a ação
2. Ação indentificada: ação executada com apetência de fruto
3. Ação reta: não há identificação com a ação realizada
4. Não ação: se é livre de toda ação 
Nas duas primeiras formas de agir estão as raízes da geração de karma: tanto a omissão quanto a ação identificada tem em sua gênese a figura de um sujeito chamado “eu” que deseja um resultado ou se sente agente controlador da ação (ou da falta dela). Esta figura  que deseja cria um nexo com a ação (ou falta dela) realizada e todas as consequências deste ato esparramadas nos longínquos futuros. 
Entretanto, entre as duas primeiras formas, é preferível o agir à inação, pois quando se age sempre há o benefício do aprendizado com a experiência. Nossas vidas exigem ação, exigem movimento a todo instante. Fugir desta responsabilidade é a forma mais infantil de encarar os caminhos do auto-conhecimento. 
Com o tempo é possível aprender: com a dor, com a experiência, com a reflexão sobre o que se passou, se desenvolve uma crescente compreensão.  Aprendemos sobre os meandros do egoísmo e começa a emergir maior clareza sobre a natureza do agir e as fontes sutis do desejo.
Desta forma começa a ser possível experimentar a terceira forma de ação, chamada  ação reta, aquela que é realizada sem desejo de resultado pela ação efetuada, e sem identificação com a realização da ação (isto é, não há um sujeito que se ache fazedor da ação). Esta forma de ação  pode ser vista como o verdadeiro sacrifício: todo trabalho e toda a ação são convertidos em sagrados pelo simples fato de estarem ocorrendo em nossas vidas; é o instante presente que nos chama a atuar, e este atuar deve ser levado a cabo integralmente. Esta forma de ação gera uma espontânea exaltação.
A busca constante e a prática da ação reta leva ao desenvolvimento do discernimento.
Quando há discernimento há compreensão no instante mesmo em que se dá a ação; de modo instantâneo há compreensão pois “a ação não é diferente da inteligência que a provê”. 
Conforme seu próprio caminho determinar, ao indivíduo que amadurece pode ser inclusive aberta a possibilidade de viver com absoluto discernimento. Com este grau de compreensão, para este iluminado, há inclusive a liberdade da não ação.


Abraços,
Marcos

segunda-feira, 19 de setembro de 2011

Eu quem mesmo?

Dentre todos os paradoxos que a visão filosófica ocidental  provoca ao pesquisarmos a realidade a indagação do eu parece ser a mais facilmente observável, e, assim, mais direto ponto de partida para aqueles que se aventuram no auto-conhecimento.
Quem, afinal, é o sujeito que vive, que age, que presencia a realidade?
Experimente perguntar-se esta questão. Naturalmente a resposta será “eu, oras”. Que  eu? Ué, eu, fulano de tal, com tantos anos, formado nisto e naquilo, filho de fulano e pai de sicrano, etc. Porém, seguindo nas indagações, pergunte-se agora quem é este “eu” e tente responder sem qualquer atributo histórico. Experimente.
O que se passa? Uma estranha sensação de observar-se a si mesmo... tavez algo como um espelho paralelo a outro.
Continue a indagar, honestamente... o que é este eu? Percebe o silêncio que se abre? Esta sensação de algo consciente, que existe, mas  sem denominação?
Isto, que sempre esteve aí, que a si mesmo não se indaga, que é consciente sem pensar, que compreende sem raciocínio, é o que realmente existe.
Isto não tem identidade com o “eu” histórico que só existe quando é pensado.
A falta de história nos traz ao instante presente!
Porém a inérica da falta de presença nos carrega para a história conduzida nos meandros do pensamento, memória agitada e repensada na forma de passado ou na forma de futuro. Quando imersos na memória milhares de dúvidas nos assaltam sobre nossa natureza, o que somos realmente, etc. Este é o playground do “eu”. 
Quando vivos no instante presente não surgem dúvidas, o “eu” não faz parte desta dimensão de existência, muito mais próxima da realidade. Não se trata de uma “evolução do eu”, é simplesmente um estado de consciência mais presente; a idéia da evolução espiritual do “eu” é uma grande armadilha que simplesmente tem o efeito de fortalecer a própria identidade egóica. Não existe meio termo: quando se está presente não há um “eu” que se sinta feliz por estar presente e não estar mais perdido em pensamentos... se há algo desta natureza ocorrendo são simplesmente pensamentos mais bonitinhos.
Nós somos criações momentâneas que existem enquanto pensamos sobre elas; criaturas cujo cordão umbelical é construído a cada fluxo de pensamento que nos sustenta,  nos ilude fazendo crer que somos contínuos no tempo histórico. Nos instantes em que estamos presentes este cordão é cortado instantaneamente, estas criações não existem. Para comprovar isto basta refazer o exercício proposto acima. É simples. 
A indagação do eu pode abrir possibilidades de compreensão profundas se buscamos praticar de forma honesta  e curiosa.


(Para os interessados na indagação do eu por favor vejam ao lado o link para o site que contém ensinamentos de Ramana Maharshi)



Abraços,
Marcos

segunda-feira, 12 de setembro de 2011

Divulgação Vedanta Advaita

Este ano não contaremos com a presença de Ivan Oliveiros (Sesha) para compartilhar seus ensinamentos no Brasil. Para uma viagem deste porte há que se ter uma massa crítica de pessoas interessadas maior do que conseguimos arrebanhar desta vez. Assim compartilho com vocês (abaixo) a agenda publicada recentemente com os trabalhos que serão realizados na espanha neste segundo semestre.
Seguindo pela linha de compartilhamento notem que na coluna da direita aqui do blog há uma área de apresentação contendo três páginas com o título “Palestras Gratuitas e Oficinas”. É uma forma de tornar acessível a mais pessoas o trabalho que tenho feito de  divulgação da filosofia Vedanta Advaita no Brasil. As principais linhas de palestras são:
-  A prática meditativa: um guia de viagem
-  O caminho da ação: meditação como prática diária
-  O líder consciente: desafios para uma liderança real
-  A obra sem artista: a arte como meditação 
-  A pedagogia da descoberta: meditação e consciência aplicadas à educação
Caso tenham indicações ou interesse por favor me avisem.
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Queremos comunicarte que Sesha estará en breve en España impartiendo diferentes seminarios y conferencias. Aquí tienes el programa por si te apetece acudir a cualquiera de los eventos organizados (haz clic en los vínculos para acceder a más información):  
Seminario sobre Los Campos de Cognición en Valencia los días 23, 24 y 25 de Septiembre. Éste será el último Seminario sobre "los Campos de Cognición". Sesha disertará sobre cómo convertir un campo dual en uno No-dual y finalizará reflexionando sobre la Libertad Final.
Conferencia en Girona el jueves 29 de Septiembre en Girona titulada "Vedanta Advaita, filosofía oriental aplicada a la vida occidental".
Seminario de Meditación en Olot (Girona) los días 30 de Septiembre, 1 y 2 de Octubre. Sesha platicará sobre la teoría y práctica de la Meditación según los lineamientos del Vedanta advaita.
Conferencia en Olot (Girona) el Sábado día 1 de Octubre titulada "Modelos metafísicos educativos".
Seminario de Meditación en Bilbao los días 7, 8 y 9 de Octubre. Sesha platicará sobre la teoría y práctica de la Meditación según los lineamientos del Vedanta advaita.
Internado de Meditación en Barcelona de 5 días  . Del 12 al 16 de Octubre. Para personas que practican meditación en su vida cotidiana.
En la web www.vedantaadvaita.com dispones de estas y otras informaciones todas relacionadas con Sesha. Esperamos que disfrutes con todos los contenidos que están a tú disposición.
Abraços,
Marcos

segunda-feira, 5 de setembro de 2011

A grande verdade sobre meditação


Existe um universo de livros e textos sobre esta palavra “meditação”. A grande maioria não passa de uma coletânea de pensamentos adocicados, como se a prática da atenção plena interna (descrição do que normalmente se chama de meditação) fosse um passeio a uma Disneilândia em que algodões-doces do materialismo espiritual estivessem à venda.
Pois deveríamos todos ler muito menos, e praticar. Basta uma verdade para várias vidas de prática. Eis então esta simples verdade para as nossas próximas vidas de prática. No momento em que estiver percorrendo a prática de atenção interna (“meditando”), saiba simplesmente isso: quando você se der conta de que está pensando, está então no presente.
Ao iniciarmos a prática de atenção interna inevitavelmente pensamos - pois a inércia do hábito de pensar no dia a dia naturalmente nos conduz para permanecermos no mesmo estado em que vivemos, ou seja, pensando.
Enquanto pensamos, não há nada a fazer, pois estamos perdidos no pensamento. Assim como quando estamos dormindo não há nada a fazer até despertarmos. Trazer pensamentos de esforço e desejo, de vazio e silêncio, de nada adianta, posto que são apenas mais pensamentos. Entretanto, pela graça divina, há  instantes em que algo se dá conta de que está pensando. Este é o momento chave. Neste momento estamos presentes. Permanecer aí, naquilo que observa e está presente, é a chave e a única oportunidade da prática.
As grandes divindidades, as visões do nirvana, os devas... são todos muito simpáticos, mas não fazem sentido para nós que permanecemos viajando em nossas maioneses ininterruptamente, e de repente desejamos que com alguns minutinhos de prática o mundo espiritual se abra como se fosse algo separado, e que ao mesmo tempo siga os mesmos cânones de nosso mundo material egóico.
Saber que quando nos damos conta de que estamos pensando estamos presentes. Isto, apenas, é suficiente para os próximos dez anos de prática. O resto, como diz Sesha, é perfumaria.


Abraços,
Marcos

segunda-feira, 22 de agosto de 2011

Limiar da intuição

Nós estamos acostumados a estabelecer uma lógica, um raciocínio associativo que determine a razão para decisões que por vezes haviam aparecido como um sentido de saber antes do entender. Neste caso decisão pode ser definida como ação, julgamento ou teórica certeza acerca de uma situação qualquer.
Todos nós já vivemos instantes intensos de “saber algo”, simplesmente saber, sem construção ou análise prévia. Este saber é a intuição, uma forma superior de inteligência que reside em um nível não linear, que não opera através dos canais da mente associativa (Manas) em sua agitação habitual.
Se prestarmos bastante atenção veremos que a sensação do saber puro e simples acontece, e aí, neste mesmo instante, já reside simultaneamente a total compreensão. Já se sabe. O que ocorre em seguida - de forma muito, muito veloz - é que iniciamos o processo de pensar sobre esta sensação de saber. É como se necessitássemos de um procedimento linear e aparentemente lógico que fosse construído por um “eu” que se tornaria então proprietário de uma justificativa “racional” para a decisão.
O saber ocorreu naquele instante claro de intuição - como quando as “fichas caem”, por exemplo. Neste instante não existe a figura de um “eu” que compreenda, existe apenas a compreensão em si mesma, um saber, e um saber que se sabe. Em termos de componentes do órgão interno chamado mente (Antahkarana) Manas está quieto, e brilha Buddhi. Em relação ao estado de atenção há forte presença.
Em seguida aparece um “eu” que inicia o processo de agitação mental e procura entender através de um procedimento lógico. Isto naturalmente restringe aquilo que era “saber” puro e livre em um conhecimento confinado às fronteiras psicológicas de uma identidade egóica com sua história, hábitos e tendências.
Aprender e experimentar a postura de atenção que nos possibilita estarmos mais porosos ao instante presente, de modo a esticar estes segundos de presença na substância de compreensão pura é uma prática vital em nosso caminhar.
Abraços,
Marcos

segunda-feira, 15 de agosto de 2011

Silêncio interior

A prática interior é - talvez para a imensa maioria de nós - o único pilar que consiga representar a sensação de certeza profunda sobre algo na vida. Segundo dizem os grandes sábios o que existe em verdade, é Sat-Cit-Ananda. 
Sat (existência, ser), Cit (consciência, sabedoria e conhecimento) e Ananda (bem aventurança, amor pleno como agente de integração) existem em uma dimensão que é subjacente, que dá base à própria existência.
Como podemos ter contato com aspectos - ainda que tênues - desta realidade última?
Imersos em nossos hábitos mentais de comportamento, que puxam a cada instante de percepção infindáveis elementos comparativos de memória, é muito difícil encontrar um momento de certeza. Estes hábitos, continuamente reforçados, acabam por trazer mais e mais diferenciação, isto é, momentos em que não estamos atentos ao presente que se sucede, mas sim envoltos pelas familiares vozes mil das cadeias de pensamento e memória, julgamento e distância. Conforme o tempo passa estes hábitos se tornam mais fortes, pois cremos com toda a convicção que somos eles.
O único elemento capaz de desfazer esta trama é a atenção.  A atenção aparece por trás, antes dos próprios hábitos mentais. Ao observarmos conscientemente estes hábitos eles se tornam mais frágeis, menos senhores de nós mesmos. Ao longo de muitos anos de uma vida a prática enfraquece os hábitos e dá oportunidade para um viver consciente. Ao longo de alguns minutos de uma prática de atenção interior (meditação) a atenção aniquila imediatamente o hábito que surge na forma de um pensamento ou emoção, permitindo uma percepção daquilo que existe antes do jogo de cenas de um teatro de fantoches.
A prática do silêncio é a porta para a chance de se resvalar na certeza da existência, da consciência, da bem-aventurança.
Quieto, com o corpo e os sentidos acalmados, atento ao que se passa internamente. Atento e curioso, investigando o que afinal é isso que somos, como se expressa. Atento ao compreender que existe antes de qualquer pensamento, imerso no vazio que é pleno de movimento e vida. É possível se perceber como se flexibilizam e aos poucos se mostram ilusórias as cadeias de restrições que nos fazem imaginar que o que existe é o corpo material, este “eu”,  ou mesmo que somos “algo” independente. Atentos, quietos e profundamente mergulhados em nosso próprio campo de existência, as certezas de uma mente pensante rapidamente se mostram duvidosas, e por fim falsas, ilusórias. Aquilo que compreende, como um espaço novo que se abre em nosso próprio espaço interno, se revela como tendo estado sempre ali. A compreensão completa de não ser algo, e ainda assim a completa certeza de ser. 
Este perfume que resta de uma prática interior não pode ser expresso em conceitos compreensíveis pela mente linear, mas ele permanece vivo como uma certeza mais profunda - ainda que em um campo sutil - da trama de fluxos de existência, consciência e amor que nos compõe.
Abraços,
Marcos

segunda-feira, 8 de agosto de 2011

Quântica


Bom, já escrevi demais explicitamente sobre Vedanta Advaita, não dualidade. Vamos a uma pitada do que a física quântica pode nos trazer de reflexão.
Na mecânica quântica, entre outros absurdos ao bom-senso, se estipula que a equação que define um algo qualquer se chama “função de onda”: aquilo que provê uma descrição completa do sistema físico ao qual está associado. Esta função de onda tem componentes probabilísticos, de modo que a descrição mais exata de algo é no melhor dos casos uma possibilidade. Por exemplo, na física clássica é possível determinar a velocidade e a posição de uma partícula, enquanto na física quântica não. O fato de inserirmos um observador no sistema altera as características do próprio sistema; para colocar livremente: o observador causa um colapso na função de onda probabilística de modo que se observa apenas uma das formas possíveis.
Uma boa pergunta é: o que havia “realmente” antes de haver um observador que perturbasse o sistema?
Michio Kaku, perto do final de seu livro “Hiperespaço”, diz: “...com a teoria das dez dimensões (relacionada à teoria das cordas) o conceito de uma função de onda para o universo inteiro torna-se relevante... a própria função de onda cósmica, que descreve o universo inteiro, não vive em nenhum estado definido, sendo um compósito de todos os universos possíveis.”
Diz Brian Greene, em seu livro “O universo elegante”: “de acordo com a teoria das cordas o universo é composto por cordas minúsculas cujos padrões vibratórios são a origem das massas, cargas e forças das partículas; a teoria também requer dimensões adicionais (cujas formas) determinam estes padrões vibratórios”. 
Assim o que vemos nas dimensões habituais tem causa em outras dimensões não percebidas habitualmente.
Normalmente se associa a física quântica apenas a dimensões muito pequenas. No artigo da Scientific American de julho deste ano  “A vida em um mundo quântico” Vlatko Vedral comenta como efeitos quânticos tem sido observados em um crescente número de sistemas macroscópicos.
Por exemplo, um outro absurdo interessante da física quântica é o conceito de “emaranhamento quântico”, que basicamente estabelece que este liga partículas individuais a um todo indivisível: mesmo quando partículas emaranhadas estão (muito) distantes umas das outras elas ainda se comportam como uma entidade única. O emaranhamento interconecta sistemas quânticos sem referência a tempo ou espaço. Vlatko relata fenômenos de emaranhamento já em aglomerados de partículas, como sais.
E declara, ao final: “as implicações de objetos macroscópicos, como nós, existindo em um limbo quântico são tão alucinantes que nós, físicos, ainda estamos em um estado de emaranhamento de assombro e confusão”.
A questão é que a filosofia ocidental não acompanhou as imensas discussões que a física quântica colocou na vitrine. O Vedanta Advaita traz proposições  que embasam soluções elegantes para estes dilemas. Mais sobre o tema em nossos encontros semanais (e em breve no novo livro de Sesha sobre o assunto).


Abraços,
Marcos

domingo, 31 de julho de 2011

Travessia

Assim disse Nisargadatta sobre a meditação:
“Nós conhecemos o mundo externo das sensações e das ações. Mas do mundo interno de pensamentos e desejos nós conhecemos muito pouco.O propósito primário da meditação é se tornar consciente com nossa vida interior. O propósito último é alcançar a fonte da vida e consciência. Incidentalmente a prática da meditação afeta profundamente nosso caráter. Nós somos escravos do que não conhecemos. Quando descobrimos qualquer vício ou fraqueza e compreendemos suas dinâmicas e causas  nós as superamos pelo próprio conhecimento. O inconsciente se dissolve quando trazido à consciência. A mente se aquieta.”
O impacto que a prática de atenção constante ao presente tem na dinâmica da personalidade não é o objetivo da própria prática. A atenção ao aqui e agora tem como impulso a constatação de que esta é a única forma real de ser, a única maneira de compreender. As disciplinas (sadhanas) são necessárias para que os hábitos arraigados sejam aos poucos dissolvidos, trazendo quietude mental. Assim é crucial a prática interna de silêncio, uma disciplina necessária para cortar a indulgência na qual normalmente navegamos. Aos poucos a mente começa a encontrar um estado mais quieto, o que permitirá que a atenção se fixe mais continuadamente no presente.
Esta é uma longa travessia do irreal e oculto para o real e auto-luminoso.  
Nesta segunda-feira retomamos o grupo de meditação semanal às 19h30 no Instituto Brahmavidya. Fica o convite para os que buscam a coragem de empreender a travessia. 


Abraços,
Marcos

segunda-feira, 4 de julho de 2011

Kalpas e pedras

Outro dia meu filho mais velho me mostrou um vídeo na internet chamado “as pedras”, ou algo assim. Muito divertido, mostrava o mundo, a história, sob o ponto de vista de duas pedras. Mais interessante ainda, mostrava o tempo sob o ponto de vista das pedras. Para os humanos e animais que por ali viviam as pedras pareciam imóveis, mas a certa altura o filme passa a rodar na velocidade do tempo relativo das pedras. Como se cada dezena de anos humanos fosse um segundo para as pedras, elas interagem e conversam sobre a  rapidíssima ação humana. Cidades avancam e decaem em segundos, e ali estão as pedras dialogando.
Isto se assemelha à comparação entre a identidade egóica e aquilo que seria o observador final, nossa essência. Nossa idéia de personalidade - a ilusão de permanência e concretude - é como o tempo humano do filme: fulgaz, transitória, inconstante. Aquilo que observa é - um pouco - como as pedras: permanece, ali, sempre.
Diz-se na sabedoria hindu que um kalpa (um dia ou uma noite de Brahma) equivale a 1.000 yugas (eras), e uma yuga equivale aproximadamente a 4.320.000 anos. Assim um dia completo de Brahma equivaleria a 8.640.000.000 anos. Sem levar em conta cálculos, a idéia da relatividade é que importa. 
Nos movemos intensamente, desesperadamente, entre pensamento e ação, julgamento e expectativa, frustração e desejo, mais ação e mais pensamentos. Não temos o tempo para buscar a paciência e a diligência de sentar e observarmos a nós mesmos. Não temos a humildade de aceitar o instante e continuamos a depositar nossas fichas emocionais em uma caderneta de poupança a ser resgatada em um futuro quando tudo estará conforme sonhamos, um futuro que por definição não existe, não chega nunca. Não temos a coragem de abrir mão das indulgências mais confortáveis, nem das mais sutis. Assim permancemos mergulhados em nosso mar de criações, em nosso berçário de hábitos e tendências. 
Se nos decidirmos por um instante a advertir o que se passa naquele mesmo instante perceberemos que se dilui a diferença entre algo que faz e algo que recebe, entre sujeito e objeto, entre perceptor e percebido. Neste instante mesmo não há tempo. Se este instante é reconhecido toda a estrutura de certezas acerca de nossa idéia da permanência da personalidade e da necessidade de uma identidade egóica aparentemente independente começa a ser colocada em dúvida. 
De outro modo nos escapa, sempre, aquilo que esteve, está e estará eternamente ali. Aquilo que nos permite ser conscientes, conhecer, amar e existir. Aquilo que subexiste antes, durante e depois de nós. Aquilo para o qual o tempo não existe como variável.




Abraços,
Marcos

segunda-feira, 27 de junho de 2011

Bhagavad Gita

Bhagavad Gita.


Décima estância, diálogo entre Sri Krishna e Arjuna.
Nesta parte Krishna assume a figura de Brahman, o Eterno, Cônsciência, Existência absolutas. Seguem algumas slokas escolhidas.
Diz Krishna:
Eu sou o Espírito supremo que mora no coração de todos os seres.
Sou  princípio, meio e fim de todo ser.
Sou mente dos sentidos e a inteligência dos seres viventes.
Sou monossílabo entre as palavras; entre os sacrifícios, o sacrifício do silencioso canto e entre as coisas imóveis sou o Himalaia.
Sou o “A” entre as letras e a conjunção nas palavras.
Sou o tempo perdurável e o sustentador da face para todos os lados voltada.
Sou a morte que tudo consome e a origem de tudo o que brota.
Sou o silêncio do segredo e o conhecimento dos sábios.
E o que é semente em todos os seres, também isso sou Eu, porque não há ser movente ou imovente que possa existir sem Mim.
Quanto há de glorioso, bom, belo e potente, brota de uma faísca apenas de Meu esplendor.
Mas o que são para ti, Arjuna, todos estes pormenores? Sabe que depois de formar o universo inteiro com um átomo do meu Ser, sigo existindo.


E como alcançar tal Consciência?
Diz Krishna na décima segunda estância:


Pousa tua mente em Mim, deixa que teu discernimento penetre em Mim, e ao sair desta vida certamente morarás em Mim.
E se não és capaz de fixar com firmeza tua mente em Mim procura então atingir-Me pelo perseverante esforço da devoção.
Porém, se também não és capaz de perseverante devoção, dedica-te a servir-Me, e cumprindo ações em obséquio a Mim, atingirás a perfeição.
E se nem ainda para isto tuas forças bastarem, refugia-te então em Mim por união e dominando a ti  mesmo, renuncia ao fruto das ações.
Melhor é, na verdade, a sabedoria que a prática constante. Melhor que a sabedoria é a meditação. Melhor que a meditação é a renúncia ao fruto das obras. Após a renúncia vem a paz.




Abraços,
Marcos

segunda-feira, 20 de junho de 2011

Como praticar meditação

A meditação - para se afinar o vocabulário Vedanta - é um estado de consciência. O exercício da atenção é uma prática. Descobrir o que é a atenção, como ela opera, onde ela se pousa, e, mais importante de tudo, sua fonte. Meditar, ao final, é pousar a atenção sobre ela mesma, conforme ensina Sesha. É esta a prática que requer disciplina e repetição, a sadhana fundamental.
Mas como conseguir a disciplina para efetivamente praticar? A maneira mais direta é perceber como estamos imersos e confusos em nossos interminável labirinto de pensamentos em nossa novela pessoal.E como escapar do redemoinho de pensamentos grudentos que nos puxa a cada instante? 
Para iniciar é preciso um dar-se conta de que este mundo do redemoinho existe. É preciso dar-se conta de que você é refém deste labirinto que chega sempre ao mesmo ponto. É preciso estar exausto de percorrer sempre o mesmo caminho de pensamento-emoções disparado por qualquer gatilho da realidade, aquele caminho que traz sempre o mesmo ganho emocional para uma identidade que tem como fundamento a carência (uma vez que se acredita separada do todo, daí estar sempre em estado de carência).
Para se perceber essa dinâmica-raiz é crítico desenvolvermos a capacidade de auto-observação. Observarmos a nós mesmos, observar nossos pensamentos mais usuais enquanto as situações se desenrolam. Ouvir com atenção nossos diálogos internos, o modo como falamos com nós mesmos. Anotar estes diálogos. Perceber como - em essência - se repetem dia após dia. 
Ao tomarmos consciência desta gangorra moto-quase-perpétuo produz-se  um efeito natural: a própria potência desta gangorra começa a diminuir. Começamos a perceber o funcionamento desta dinâmica enquanto ela ocorre. Aos poucos, e com o tempo, começa a surgir a possibilidade de não mais sermos reféns desta dinâmica. Percebemos quando  ela começa a operar, e podemos retornar para a realidade que se passa. Lembrem-se de que toda esta gangorra não passa de um conjunto de pensamentos; um pacote de tendências muito fortes, mas nada mais que um conjunto de pensamentos. Enquanto esta dinâmica opera não estamos presentes, não vivemos a realidade que se passa pois estamos mergulhados em nosso conjunto de pensamentos favoritos. A grande maioria de nós vive e morre dentro desta novela auto-elaborada, sem dar-se conta desta ilusão. 
Assim, ao percebermos como somos servos deste círculo exaustivo, surge a inquietação pela busca de um estado natural de viver que não seja domesticado e aprisionado. Este é o combustível da prática da atenção - a prática de estar aqui e agora. Quando pesquisamos curiosamente os rumos e os princípios da atenção em nossas experiências de viver começamos a compreender a profundidade da ignorância em que normalmente vivemos.
Nós temos a sorte, a chance e a responsabilidade de buscar uma forma consciente de viver.




Abraços,
Marcos

segunda-feira, 13 de junho de 2011

Guga não-dual

Seguindo com as experiências reais de pessoas “comuns” que nos transmitem um pouco do que são estados de presença vou compartilhar um trecho da entrevista de Guga a Juca Kfouri. Guga explica o que ocorreu em um jogo de oitavas de final de Roland Garros:
“... foi uma sensação muito forte, a mais forte que senti em quadra... muito envolvimento, entrega total... atingi um nível de felicidade, de contemplação do todo... ao mesmo tempo observava a torcida, batia na bola, tudo... um grau de concentração tão alto, tão eficaz... experiência de estar acima, em algum lugar, mas não no padrão normal de sensações... muito forte.”
Este é um estado de consciência em que não há um “eu” que bata na bolinha, há um fluir com a realidade que ocorre, um fluir espontâneo e sem dúvida. Este jorrar de certeza advindo da reação natural ante o que se passa produz a ação correta, uma ação que não busca um fruto específico, nem é imaginada sendo controlada por um sujeito diferente da própria ação.
Como se origina um estado como esse? Bom, podemos começar por uma certeza: um estado de presença não se origina pelo desejo de alcançá-lo... tampouco pela dúvida de alcançá-lo. Tanto desejo quanto dúvida são perturbações criadas pela agitação mental, e denotam a existência de um “eu” psicológico que se crê capaz de alcançar algum outro “estado”. Há que se recordar de algo fundamental: este “eu“ não possui existência em si mesmo, não existe realmente quando estamos presentes. Este “eu” só possui existência real se prensado. Assim, qualquer estado de atenção no instante presente é um estado de inexistência - ainda que ultra momentânea - do “eu”. Por isso este sujeito nunca estará presente, nunca viverá um estado de presença. Haverá, claro, a memória, ou pelo menos uma sensação. Observem como é difícil explicar um estado como esse descrito acima. A memória não é um atributo da personalidade, a memória é um componente da mente que existe por termos a capacidade de sermos conscientes. Não deixa de haver consciência em um estado de presença, e é natural que haja um tipo de informação residente que é oriunda daquele estado. Nosso “eu” então busca se apropriar da sensação criando a ilusão de ter vivido aquele instante. Mas isto é apenas um golpe barato de quem nunca poderá viver tais instantes.
Um estado de presença se origina de maneira natural e espontânea, quando colocamos nossa atenção plena naquilo que se sucede no instante presente, seja o que seja. Vejam como Guga cita a palavra “entrega”.
Outra palavra para se lembrar: “eficaz”. Um estado sem interferência de um “eu” que busca fruto ou se apropria do que parece fazer é paradoxalmente muito mais eficaz. 
Um último ponto divertido: a falta de referência espacial: ao mesmo tempo ver a torcida, bater na bolinha, estar acima... a atenção focada nos objetos da realidade (bolinha, adversário, torcida) leva a uma permanência da atenção nestes mesmos objetos, e não em si mesmo. Isto é exatamente o que se propõe como prática meditativa externa. Com a permanência da atenção nos objetos, deixa de haver um sujeito auto-referenciado que executa a ação, a atenção está em vários objetos simultaneamente. Se o “eu” sujeito que executa ações e tem história não está presente, porém a ação é executada com eficácia e existe consciência do que se passa, quem é consciente? 
Isto quer dizer que o próprio sistema (bolinha, raquete, jogador, torcida) é consciente do que se passa.
Realmente do ponto de vista não-dual, em última instância, não existe consciência individual... Consciência existe previamente e como condição subjacente a qualquer ato ou objeto. Apenas percebemos um leve desvelar da ilusão da consciência individualizada em estados de intensa presença.


Abraços,
Marcos

segunda-feira, 6 de junho de 2011

Travel lightly

Arte de continuar caminhando não requer apenas disciplina e desapego. Assim como os peregrinos levam o menor peso possível na mochila, assim também nós precisamos deixar ao longo da trilha todos os pesos mortos.
Quanto mais longo e incerto o caminho menor o peso que devemos carregar. Imagine uma trilha em que não há destino conhecido previamente, muito menos duração esperada. Eis aí a nossa trilha do auto-conhecimento, da busca pela compreensão do que É. Mais vital ainda se torna a necessidade de se “viajar leve”.
O dilema é não percebermos quais são os pesos mortos, pois os-acreditamos vivos e necessários. Temos dificuldade em limpar o armário e jogar roupas usadas fora (“não uso mas gosto tanto delas”, dirá algo dentro de você), ou doar para um sebo livros que já não nos dizem nada (“mas um dia disseram”, dirá algo dentro de você), ou sair de uma casa na qual vivemos muito tempo (“minhas memórias estão aqui”, dirá algo dentro de você). 
Temos pouca habilidade em discernir o que é realmente necessário e o que são apenas hábitos de concreto pré-moldados.
Imagine agora reconhecer os reais pesos-mortos: nossas tendências personalistas mais profundamente impregnadas, nossas até então muletas de sobrevivência em um circo incompreensível de eventos cuja ordem nos escapa.
Há momentos da trilha em que estes pesos mortos tomam sopro de vida e reaparecem sorridentes e fortes, nos oferecendo a mão amiga de um velho e confortável conhecido. A tentação de segurar esta mão e reencontrar um espaço de acolhimento é fortíssima. O problema é que este apoio é totalmente ilusório. Caindo novamente nas armadilhas de trocas emocionais infindáveis - combustível e comburente dos hábitos da personalidade - estamos de mãos dadas com o sofrimento de uma mudança sem fim, pois são apenas construções imensas e encadeadas de pensamentos habituais sobre o que somos, o que merecemos, o que deveríamos ser, o que deveríamos merecer, e assim por diante.
Quando a trilha fica difícil, quando percebemos que mais uma vez agarramos a mão “amiga” de nossos hábitos, é este o momento de escolher continuar a viajar leve: de nada adiantará se culpar ou justificar ou fingir ... o caminho para a leveza é simplesmente continuar a caminhar. Seguir, agir conforme a vida requer, não estacionar novamente em um palco de críticas ou expectativas. Seguir porque não há nada mais que se requeira de nós senão aceitar o passo de cada dia de modo pleno. Conforme seguimos, e insistimos em seguir, mais leve se tornará nossa caminhada. 

segunda-feira, 30 de maio de 2011

Perguntas simples

As perguntas mais simples nos dão as chaves mais diretas para a percepção de que no nosso âmbito habitual do pensar reside um espaço amplo de ignorância.
O que, neste mundo, é permanente?
O que é real?
Quem é que percebe o que se passa?
O que é consciente da própria consciência?
Acordamos todos os dias nos lembrando do que éramos antes para poder reconstituir nossa própria identidade, entretanto percebemos, mais dia menos dia, que mudamos, sempre. Nosso corpo muda, amadurece, decai; o ambiente muda, as pessoas em volta mudam, nascem e morrem. A natureza é só mudança. E o homem é parte disso. Sabemos a teoria porém jamais compreendemos.
Internamente as coisas são um pouco mais complicadas. Na sopa de caos de um pensar ininterrupto nada tem firmeza, nada tem eixo. É na areia movediça das lembranças e repisares de hábitos de estimação que buscamos incessantemente fortalecer as raízes de uma história personalística, seus desejos, orgulhos e razões. 
Assim tentamos construir nossos castelos de areia à beira das ondas de ressaca da vida.
Não sabemos o que é Ser, e procuramos disfarçar e preservar o conforto aparente da ignorância com o parque de diversões de um dia a dia, noite a noite, mês após década de acúmulo de bens ideais ou materiais, futilidades divertidas e justificadas, aceitas e demandadas por toda a tribo, nossas famílias, comunidades e sociedade grupalmente afundadas na mesma ignorância. 
Há algo além disso, anterior a isso.
Há algo que sempre está, que é consciente do que se passa, e é consciente de ser consciente. Há algo que não tem história, que não tem dúvida. Há algo que é pleno simplesmente existindo e atuando conforme os trilhos do viver requerem, e neste atuar é mais eficiente e inteiro do que qualquer força de vontade poderia nos levar a ser. Há algo que não tem vontade de ser algo mais. Este algo já está bem aí, sempre esteve. Este algo é real e permanente, e é de verdade o que existe. Este algo é o que você é, antes de você existir - cronologicamente no nascimento ou no instante mesmo de pensar em si após ler esta frase.


Abraços,
Marcos

segunda-feira, 23 de maio de 2011

Discípulo

Discípulo é uma palavra raramente utilizada nos discursos que habitualmente proferimos a nós mesmos quando desenhamos nossos planos de futuro e crescimento na vida.
Porém talvez seja uma das poucas palavras que certamente deveria ser parte integrante de todos os cenários que desenhamos para nossos poucos dias por aqui.
Afinal, qual de nós já está auto-suficiente em seu próprio pedestal de conhecimento e sabedoria? Se há hipótese de sabedoria há certeza de ignorância. Basta olhar em volta, para fora ou para dentro, e só o que vemos são inumeráveis mistérios que pedem para ser revelados.
Assim a trilha de conhecimento, em especial a de auto-conhecimento - ainda que por princípio solitária - é uma trilha de discipulado, uma caminhada com companheiros que já conseguiram enxergar um pouco mais longe do que nós. Se não é este um caminho que vale a pena buscar, qual seria? Chegar a ser um discípulo é uma honra, ter a chance de investigar e compreender é uma dádiva. Já encontrar um mestre... é provavelmente resultado de muitas buscas anteriores.
O que faz um discípulo? O Vedanta detalha cuidadosamente as qualidades de um discípulo (adaptado de Vedanta Advaita: não-dualidade, estados de consciência, prática meditativa e , cosmologia Vedanta; Sesha):
- Viveka: discernimento ou discriminação metafísica
- Vairagya: desapego mental dos objetos
- Satsampatti (seis tesouros):
     - Sama: controle da mente 
     - Dama: controle dos sentidos
     - Uparati: habitualidade de controle da mente dos sentidos 
     - Titiksa: fortalecimento ante os pares de opostos 
     - Samadhana: presença constante
     - Sraddha: fé no mestre e nos seus ensinamentos
- Mumuksutva: ardente desejo de liberação 
A nós nos interessam as duas primeiras qualidades, que são a base de construção deste edifício do discípulo. 
O florescer das seis qualidades tem como pré-condição uma mente quieta, o que ocorre com o desenvolvimento do discernimento e do desapego. E tentar compreender com nossa pobre mente personalística, por exemplo, o que é o desejo ardente de liberação não passa de uma “viagem na maionese emocional” sem que tenhamos nosso discernimento amadurecido.
Portanto para nós é crítico buscar compreender o que é Viveka, o discernimento, que implica saber distinguir entre o que é o Real e o que é o ilusório, uma profunda compreensão interior que nos leva a agir sem dúvidas. Bem simples...  Uma pista: tanto a compreensão quanto o Real só existem no instante presente (!!).
Buscar renunciar ao mundo, à ação, sem ter o disernimento apropriado é um grande engano. Ivan explica: “Vairagya é a renúncia mental aos objetos de sensação; é impossível  renunciar ao que não se conhece. A renúncia não leva ao conhecimento... é o conhecimento que leva à renúncia. A obtenção de discernimento induz, de maneira espontânea, uma forma de ver o mundo sem apego.”
O Vedanta como linha de pesquisa é em si mesmo um paradoxo: para realmente compreender seus ensinamentos é necessário um discernimento estabelecido e fino; porém aquele que possui este discernimento já não precisa dos ensinamentos... Assim ficamos nós com a missão de, mesmo sem compreender profundamente os ensinamentos, buscar o amadurecer do discernimento. Por quê? 
Aguardo suas respostas...


Abraços,
Marcos

segunda-feira, 16 de maio de 2011

Senna, alpinismo e presença

Então onde está este bendito estado de presença de que tanto falamos? Parece uma criação mental, uma construção teórica para explicar algo que jamais conheceremos. Entretanto basta um pouco de atenção para percebermos que está logo aqui, logo agora.
Em muitos dos grupos de meditação aparece a dúvida sobre a presença. E em todos eles cada indivíduo consegue localizar experiências de presença mais profunda. Em nosso dia a dia é muito comum encontrarmos exemplos de pessoas que buscam situações extremas pela sensação que delas advêm. Vejamos dois exemplos.
Segue um trecho de uma entrevista de Ayrton Senna:
“...Mas passei por uma situação de risco muito maior na tomada de tempo para a corrida de de Mônaco em 1988. Eu já tinha a pole, mas continuava na pista. A cada volta aumentava a diferença para os outros pilotos. Eu estava me superando a cada volta e entrei em outra dimensão. Não via a pista, ela tinha virado um túnel. A distinção ente o homem e a máquina deixou de existir, me fundi com o carro, viramos a mesma coisa. Depois de cinco voltas, acordei para a situação de extremo perigo em que estava e fui para os boxes.”
E aqui um trecho de uma outra declaração de um alpinista, na Revista Brasileira de Psicologia do Esporte e do Exercício:  “ É uma coisa só... quando você chega a este nível é o êxtase.  É quando você consegue se dissolver. Quando você esquece totalmente do seu ego. Então você entra neste turbilhão... até chegar naquele pico... que é o de se entregar totalmente... porque não adianta, chega num ponto tal que você dilui.”
O risco de situações extremas faz com que todo a nossa atenção, todo o nosso sistema esteja atento e pronto para responder ao que se passa. Com a continuidade deste estado (como nos casos acima) a atenção se coloca mais intensamente no presente que se sucede, e cada vez menos no “eu”, no sujeito. Até um ponto em que a própria realidade é consciente do que se passa, sem a necessidade de um sujeito que se aproprie da idéia de consciência.  Assim um estado de consciência denominado observação, ou, mais profundamente, concentração, emerge. Nestes estados não há um “eu” personalístico que viva a situação, no entanto a ação que se produz é mais eficiente e mais inteligente, e a sensação é mais plena e mais viva. Quem produz a ação, quem vive a sensação? A própria realidade. 
O que ocorre é que no instante seguinte reaparace a agitação mental, reaparece um “eu” que pensa e se percebe de novo diferenciado da realidade mesma (como Senna retornando aos boxes), um “eu” que guarda na memória estas experiências e tentará de tudo para vivê-las novamente... embora este “eu  nunca as tenha vivido de fato.
Todos temos dons, ou vocações, que são tendências e qualidade naturais que trazemos em nosso sistema de corpo(s) + mente, como era por exemplo o automobilismo para Senna. Se compreendemos isto e buscamos atuar em nossas vidas de modo a utilizar e viver estas tendências de maneira intensa, nos será mais fácil aprender a reagir sem dúvidas ante à realidade nestes campos específicos. Isto porém é só o princípio. Depois poderemos experimentar como transbordar estas experiências do viver sem dúvida para os outros campos de nossas vidas, para o nosso dia a dia. 


Abraços,
Marcos

segunda-feira, 9 de maio de 2011

Morrer e viver

Ainda sob o impacto de ter perdido dois tios nos últimos três dias não me aparece outro assunto senão o morrer e viver.
Dizia Nisargadatta “the unreal never lived; the real never dies”, ou seja, “o que é irreal jamais viveu, o que é real nunca morre”.
Por que então sofremos tanto? Porque não conhecemos o que é o Real, porque vivemos imersos na ilusão daquilo que tem suas bases na ignorância. E o que é aquilo que nasce da ignorânica? O nosso universo auto-criado, nossa novela histórico-personalística que para tudo cria justificativas, que para tudo tem razões. O nosso permanente pensar sobre nós mesmos cria um mundo ilusório com o qual nos relacionamos a maior parte do tempo. São tendências que criamos e repisamos, vida após vida. Neste mundo ilusório habitamos, por vezes, em paraísos fugazes, por vezes em infernos repetidos. São habitações que nós mesmos contruímos, nossas próprias celas dentro das quais depois não encontramos a chave de saída. Esta cela é que, de certo modo, morre, e tem medo de morrer. Para o sujeito que vive nesta cela esta é a realidade; para aquilo que conhece a Realidade a cela é absoluta ilusão. 
Nossa prática, nossa busca última nesta jornada, é discernir entre a ilusão e a realidade, descobrir o que é afinal Real.
Para o Vedanta o Real é aquilo que não sofre mudanças, aquilo que é permanente, que existe sem ter tido início e que não tem fim. Sem dúvida muito longe do nosso mundo no dia a dia não? Na verdade não, não está longe, está bem aqui.
O Real não existe em nenhum outro lugar senão exatamente aqui, em cada segundo do dia a dia, o Real tem seu portal de entrada no aqui e agora, na presença intensa no que se passa, na entrega à certeza de que nada se controla, na absoluta convicção de que não existe sentido em buscar fruto pessoal em qualquer ação que se faça, na alegria de agir simplesmente porque é o que a realidade trouxe.
Vejam só: quando se está presente não aparece a dúvida! A dúvida é um sinal de que a cela de pensamentos personalísticos está ativa.
A realidade pode trazer o momento de se estar alegre, ou de sofrer. Presença é não ter dúvida sobre a dor ou sobre a alegria, é vivê-las de modo coerente e digno. Presença não é deixar de viver, ao contrário, é viver de modo absoluto, reagindo sem dúvida àquilo que se nos apresenta. 
A cada instante em que recriamos nossa cela personalística e nos metemos de volta dentro dela morremos para a Realidade. Por outro lado quando vivemos um momento de entrega e presença intensas morre a cela, morre o eu que depois terá medo de morrer, sem saber que nunca foi real. 
Nestes momentos de presença nos resvalamos com o brilho do que sempre existe, com a leveza de não carregar justificativas, medos e angústias, com a alegria de uma compreensão sem palavras, com a eternidade de ser consciente. E é isto o princípio do Real.


Abraços,
Marcos

segunda-feira, 2 de maio de 2011

a não-dualidade ocidental (parte 1)

Trago hoje dois extratos de diferentes autores para dar uma mostra de como a não-dualidade e a presença são algo natural em nossa existência, sendo apenas veladas pela ignorância da separatividade do “eu”.
Primeiro vejamos este parágrafo atribuído a Plotino, conhecido filósofo neo-platônico, um dos ocidentais mais próximos da filosofia oriental não-dual.
“...de onde estamos, é possível ver o uno e a nós mesmos, resplandecidos, pela luz da percepção, mais ainda, tornamo-nos a própria luz, pura, sem peso, leve, nos tornando luz divina, ou sendo uma divindade, inflamados. Mas, ao voltar a cair o peso sobre nós, o fogo se extingue... Será possível permanecer lá? Nem ao menos saímos inteiramente daqui. Mas haverá um momento em que a contemplação será contínua, para alguém que não for estorvado por nenhum obstáculo corporal. Além do mais, não é a parte com a qual se vê que está estorvada, mas a outra, aquela que, quando a parte com a qual se vê deixa de contemplar, permanece ativa na ciência que se exerce nas demonstrações, nas provas e nos raciocínios da alma. Mas o ato de ver e a parte com a qual se vê não são mais a razão, são superiores à razão, anteriores à razão e acima da razão, como o é aquilo que é visto. No momento que realmente enxergar, é a si mesmo o que verá...Talvez não seja necessário dizer “verá”, mas “foi visto”, nem seja preciso falar de duas coisas, o que vê e o que é visto, pois essas duas coisas são apenas uma, uma proposta audaciosa. Pois, no momento que vê, aquele que vê deixa de ver, não distingue, nem imagina duas coisas, como se houvera tornado um outro e não estivesse mais encerrado em si mesmo.”
Esta é uma narrativa clara de uma experiência de estado de concentração externa  na linguagem Vedanta (dharana em sânscrito). A concentração é o primeiro estado não-dual que experimentamos. A concentração externa ocorre quando estamos com a atenção continuamente pousada sobre a realidade (objetos) que nos cerca, e não imersos em pensamentos e memórias acerca da realidade mesma. A ausência de interpretação aos poucos desfaz o véu de separatividade.
Quando Plotino explica “ao voltar a cair o peso sobre nós...”, isto se refere claramente ao fluxo de atenção que sai do objeto observado e se volta novamente para o “eu” à distância. Neste instante voltamos a nos diferenciar da realidade (voltamos a pensar, julgar e interpretar).
Quando diz “o ato de ver e a parte... são superiores à razão...” mostra que a presença em si mesma, a ação espontânea perante à realidade são superiores ao pensar sobre o mundo. Em concentração prevalece budhi (inteligência intuitiva, assento da consciência individual) e não manas (agitação mental).
E quando pondera que “Talvez não seja necessário dizer “verá”, mas “foi visto”, nem seja preciso falar de duas coisas, o que vê e o que é visto...” está claramente traduzindo a sensação de não-dualidade, de simultaneidade e ubiquidade que existe neste estado. Quando se está presente profundamente não há um observador diferente do objeto, não há um ator diferente da realidade, o próprio sistema se oberva a si mesmo e é auto-consciente do que se passa.
Em segundo este parágrafo oriundo de um pequeno conto de David Brooks que saiu na New Yorker (valeu Daniel pela indicação!) em que se conta de modo natural a sensação de um estado de observação no vocabulário Vedanta (pratyahara em sânscrito).
“...I believe we inherit a great river of knowledge, a flow of patterns coming from many sources. ..The brain is adapted to the river of knowledge and exists only as a creature in that river. Our thoughts are profoundly molded by this long historic flow, and none of us exists, self-made, in isolation from it... we still have deep impulses to erase the skull lines in our head and become immersed directly in the river. ..I’ve come to think that flourishing consists of putting yourself in situations in which you lose self-consciousness and become fused with other people, experiences, or tasks. It happens sometimes when you are lost in a hard challenge, or when an artist or a craftsman becomes one with the brush or the tool. It happens sometimes while you’re playing sports, or listening to music or lost in a story, or to some people when they feel enveloped by God’s love... Happiness is a measure of how thickly the unconscious parts of our minds are intertwined with other people and with activities.”
Interessante a nomenclatura: “when you lose self-consciousness” representa exatamente o aquietamento da agitação mental que dá raiz para o “eu”, e de fato se perde a referência de um “eu” que age, entretanto a ação é mais plena e profunda. E as “unconscious parts of our minds” são de fato o componente mental sutil que aflora quando a atenção está pousada na realidade, e que não está vinculado à ideia egóica (ahamkara). Todos nós já vivemos instantes destas situações que traduzimos como plenitude, paz, amor, etc. Este é o vislumbre da não-dualidade, única realidade Real, aquela que o “eu” jamais poderá viver.


Abraços,
Marcos

segunda-feira, 25 de abril de 2011

Auto-observação

Existem muitos mitos e lendas sobre os caminhos de auto-conhecimento, a maioria recehados de saltos imensos de compreensão súbita, portais que se abrem, universos que se desvelam.
Tudo certo, e provavelmente possível, mas possivelmente pouco provável para nós.
Dentro de nossos rumos de vida, nós - que permanecemos imersos sob camadas e mais camadas de pensamentos e teias de desejos segundo após segundo - temos muito provavelmente questões mais singelas a tratar antes de termos nossos sistemas mais amadurecidos a ponto de compreender algo maior.
Temos que ser humildes e fazer a lição de casa.
Esta lição de casa, invariavelmente, se chama auto-observação.
O velho ditado cristão - orai e vigiai - propõe o mesmo; este vigiar não é outra coisa que a observação de si mesmo.
Entretanto é necessário que se tenha uma dose não trivial de disciplina para que esta observação se dê, e que produza os efeitos ao longo do tempo. É preciso ter coragem de tomar nota de nossos mais íntimos passos. Nós somos tomados por uma idéia de personalidade que é constituída por uma miríade de pensamentos e desejos que se entremesclam ao longo de nossos dias; porém há apenas um par ou dois de pensamentos que são a raiz de toda esta selva. A auto-observação é o meio pelo qual se consegue reconhecer estes pensamentos-raiz. Aquilo que mais comumente pensamos sobre nós mesmos é aquilo que (aparentemente) somos e acreditamos ser.
Como todas as formas pensamento (pensamentos insuflados pelo desejo, pisados e repisados constantemente até que se tornem tendências) estes pensamentos raiz são criações ilusórias que se mostram realíssimas enquanto são insuflados; porém, como tigres de papel, perdem gradualmente o poder ilusório conforme tomamos consciência de sua existência. 
O modo mais frutífero de se trabalhar com a auto-observação e tomar consciência destes pensamentos-razi é através dos diálogos internos. Observe atentamente, em situações intensas, quais são os diálogos internos que passam pela sua mente. Perceba qual o rádio que transmite incessantemente sua própria narrativa; anote com detalhes e honestamente as frases que você fala para você mesmo, inclusive as mais violentas e duras. Depois procure organizar estes diálogos em conjunto com o modo como você se sente, age e fala. Procure perceber os polos nos quais você orbita  - geralmente um polo  mais “positivo”, e outro mais “negativo”. Perceba como, através dos diálogos, você transita de um para o outro.
Finalmente, dê-se conta de que esta é sua novela sem fim, a matéria prima para uma gangorra incessante que faz de você um servo dia após dia. O simples fato de você conseguir tomar consciência desta dinâmica fará com que esta gangorra perca gradualmente o poder ilusório de realidade. Se é possível para você perceber sues próprios pensamentos então você não é os pensamentos! Você é aquilo que está por trás,  que observa. Aos poucos a opção por não se deixar levar pela confortável e conhecida corrente de diálogos internos ficará mais palpável, e permanecer presente ficará mais provável.
Ao deixarmos de ser servos de nossas próprias construções personalísticas começamos a criar uma chance maior de encontrar momentos de compreensão real do que somos.


Abraços,
Marcos

segunda-feira, 18 de abril de 2011

Se não puder fazer mais nada

Se diz que determinados ensinamentos ou caminhos de auto-conhecimento requerem um certa natureza de aprendiz ou de discípulo. Discernir sobre quem é você enquanto discípulo, e qual é o possível caminho é uma das questões mais difícieis para muitos de nós. O Baghavad Gita tem em seu início a apresentação de Arjuna como o disípulo perfeito, e assim “basta” ouvir atentamente os ensinamentos de Krishna para que a compreensão perfeita se faça. Nós, naturalmente, não somos este discípulo perfeito - no sentido de já termos nossas tendências kármicas convergindo para criar a probabilidade de alcançar esta compreensão. Nem por isso devemos sentar e esperar algum tipo de graça divina. 
Muitas vezes nos deparamos com textos, ou falas, que já ouvimos e vimos muitas vezes, mas só naquele preciso instante fazem sentido. O Vedanta Advaita é um destes caminhos de auto-conhecimento que por vezes parece ser absolutamente incompreensível (de tão simples...) mas, com uma boa dose de perseverança, é possível que alguns dos ensinamentos façam sentido em algum momento de nossas trilhas. Em algum momento  uma ficha cai, uma experiência real de presença é percebida conscientemente, e isto bastará como combustível para muitos e muitos momentos de prática, reflexão e estudo. Um só momento de presença inocula no sistema egóico o vírus da dúvida sobre a construção da realidade dual que mantemos com um pensar incessante, um destes momentos é suficiente para abalar os pilares desta imensa construção.
Assim se você não puder investir tempo algumas vezes por semana em uma prática de atenção interna, se você não puder ler alguns dos textos maravilhosos à disposição, se você não puder dedicar um tempo de reflexão consciente sobre sua realidade, então, se nada disso for possível neste momento de sua vida, faça apenas uma coisa: busque estar aqui e agora quando se lembrar disto. A intenção honesta de se lembrar disto será suficiente para que, em algum minuto das próximas semanas, esta situação ocorra. E quando ocorrer, apenas fique ali, fazendo o que quer que seja que o momento peça. Depois, o fluxo de pensamentos voltará, e se apropriará da sensação da presença através da memória, mas isto já não importa.
Se você não puder fazer mais nada, apenas busque sentir o perfume da presença em algum instante da sua vida. 


Abraços,
Marcos