segunda-feira, 28 de fevereiro de 2011

Sentido da vida

Mas então qual o sentido disso tudo afinal? Esta não é uma pergunta pouco comum em todas os grupos, cursos, escolas de auto-conhecimento. Em algum momento aparece a dúvida, a angústia de compreender - não importa a linha de pesquisa ou a tradição.
E, invariavelmente, a resposta simplesmente... não existe. Podemos encontrar livros fantásticos, buscar raciocínios elaborados ou afirmações elegantes, que muitas vezes nos  emocionam, mas a resposta, como algo que explique a causa e o propósito de estarmos aqui, está misteriosamente impedida de ocorrer.
É como se estivéssemos na linha verde do metrô de São Paulo tentando chegar desesperadamente a Victoria station em Londres. Por mais que estudemos os mapas, compremos toneladas de bilhetes, e viajemos por dias e dias embaixo da terra, não chegaremos.
Esta resposta simplesmente não é possível neste estado de consciência em que vivemos - ou seja, pensando. Como em uma equação, as condições de contorno da solução são tais que neste estado de consciência vigílico-pensante a solução é inexistente. Entretanto existe - sim - uma solução, que está disponível em outro campo, em estados de consciência em que não há o predomínio da identidade egóica - “eu”. 
Conforme explica o Vedanta Advaita (a partir das descrições iniciais de Patanjali), podemos definir estados de existência em que a relação entre sujeito e realidade varia. Embora no ocidente em geral aceitemos apenas o sono e a vigília como estados, no campo de possibilidades do estado vigílico existem estados mais profundos de presença em que a personalidade, a identidade egóica pensante, não está presente. Nestes estados não ocorrem pensamentos, e a constância e o fluir da presença possibilitam uma compreensão cada vez mais plena da realidade. Falamos de compreensão, não de pensar sobre, a compreensão ocorre no vazio de pensamentos. Estes estados estão à nossa disposição, a realidade “real” é aquela que é compreendida no chamado estado último (samadhi). Esta é a realidade que nunca foi concebida mas sempre existiu. O alcançar deste estado comstuma-se chamar de realização do ser.  
Assim, como estamos ainda engatinhando nesta trilha, o mais divertido é considerar o seguinte: quando fazemos a pergunta “Qual o sentido disto tudo?”, quem está fazendo a pergunta? Esta proposição é muito mais rica  - quando feita de modo intenso, curioso e concentrado - que digressões intelectuais acerca de uma realidade que mal podemos intuir.




Abraços,
Marcos

segunda-feira, 21 de fevereiro de 2011

Arte e o caminho da ação



Na semana que vem, dia 2, estarei na ABRA Vila Mariana para uma palestra em que conversaremos sobre o tema “Obra sem artista: a arte como meditação”.
Todos nós já experimentamos momentos de mergulho no instante presente em que a sensação de plenitude, ou de paz, ou de amor, ou de vitalidade, parecia ser maior que nós mesmos. Estes são instantes de presença intensa, instantes em que a surpresa de uma paisagem parece te sugar completamente até que não haja um eu que se sinta sugado, apenas a paisagem; instante em que a intensidade de um debate parece te levar a ouvir o que você mesmo fala; instante em que a pista escorregadia percorrida pela motocicleta na chuva parece ser a mesma coisa que a própria moto e o piloto.
O que estes instantes tem em comum? 
São momentos em que se estava presente, realmente, ao que acontecia. Nestes momentos a atenção deixa de se alojar na massa de memória mental como combustível para sua agitação - isto é, gerando mais e mais pensamentos - e se desloca para a realidade que se sucede naquele instante.
Este movimento da atenção, saindo de dentro para fora, é condição necessária para estarmos presentes em ação no nosso dia a dia. A atenção focalizada na realidade que acontece subtrai a energia de sustentação do pensamento de um “eu” que se crê controlador e beneficiário de cada ação que fazemos. Deste modo se encontra a liberdade do atuar espontâneo, uma cadeia de reações ao instante sem que haja um sujeito que busque um resultado ou um fruto com aquela ação.  
Este é o caminho chamado karma yoga, o caminho da ação. Para nós - humildes seres iludidos pela cortina da certeza do “eu” - o discernimento, isto é, a compreensão do que é real, ainda está bastante distante, e a trilha para se exercitar o músculo do discernimento é o caminho da ação, pois ela se apresenta ininterruptamente ao longo de todos os minutos de nossa vida.  
O fazer artístico é um dos modos mais claros de pesquisa sobre a percepção da ação presente, quando a atenção não se prende ao sujeito que se imagina agindo, mas se totaliza com a realidade percebida. Sem intencionalidade, sem desejo, resposta em tempo-zero à realidade. 


Para os interessados seguem os detalhes da palestra (inscrições na própria ABRA)


Data: 2 de março
Horário: 20h00
Local: ABRA Vila Mariana
Rua Domingos de Morais 2267 (próximo ao metrô Santa Cruz)
T. (11) 3564-2696  3564-2695
www.abra.com.br/vilamariana




Abraços,
Marcos

sexta-feira, 11 de fevereiro de 2011

Trabalho e Espiritualidade

Ontem em alguma das redes sociais passei por uma discussão mais ou menos assim: “não seria ótimo se as empresas tivessem salas especiais de meditação onde as pessoas pudessem entrar em contato com sua espiritualidade durante o dia...”, e todos concordando que sim. 
Muito simpático, mas errado.
O raciocínio parte de uma premissa fundamentalmente falsa: a espiritualidade como um campo diferente do restante da realidade diária. Se existe algo que podemos chamar de espiritualidade este algo “é” - simplesmente - antes de qualquer construção mental acerca de seu ilusório desenvolvimento ou evolução.
Não devemos perseguir, no meio de um dia intenso, alguns momentos de tranquilidade em um silencioso quarto com incenso e almofadas. Isto nos levará à criação de um hábito de separação: a “espiritualidade” só pode acontecer em alguns momentos do dia, sob condições especiais, e no restante do dia a dia voltamos para a “selva” personalística.
É um hábito perverso, pois guarda uma armadilha um pouco mais sutil: se durante 99% do seu dia você está submerso em pensamentos labirínticos da identidade egóica, a inércia certamente fará com que naqueles 15 minutos de espiitualidade silenciosa em um quarto especial simplesmente continue jorrando todo o mar de devaneios do “eu”. Silêncio real não haverá.
De fato, não seria ótimo se as pessoas pudessem estar presentes e ativas, em ação no mundo integralmente, naturalmente imersas no silêncio da presença em todos os momentos de seu dia a dia? Quem precisa de um quartinho especial de 20 metros quadrados quando toda a extensão da realidade está à nossa disposição para experimentar e viver cada instante?
Este é o modo de trabalho pleno, a vida em tempo zero, um contínuo insight sobre as ações e decisões que devemos tomar. Não há peso ou importância, pois quando se está imerso no aqui e agora não se busca um benefício pela decisão tomada ou um fruto decorrente da ação executada. Esta leveza é o respirar da liberdade. Isto não deve ser buscado em ‘outro lugar’, naquele emprego ideal, na pousada na praia... Isto está disponível agora, neste emprego exato, nesta circunstância atual. A presença não é condicionada a um “eu” que gosta (ou não) de uma situação. Não existe uma realidade “melhor” que outra para se estar atento e presente. E não existe outra realidade senão aquela que você está vivendo exatamente agora.  
Devemos perseguir a atencão integral - constante em intensidade e contínua no tempo - ao que acontece a cada momento, àquilo que nos é demandado pela nossa trilha de caminho na vida, nossa realidade, isto é o Dharma. Discernir o que o momento presente demanda de cada um de nós é um grande tesouro da prática meditativa, o graal do auto-conhecimento.


Abraços,
Marcos