segunda-feira, 28 de janeiro de 2008

um instante sem "eu"

Amigos,
fiquei tão feliz de ver os comentários... acho que eles tem um papel de fermento - não adianta querer entender, responder, discutir de uma vez – aos poucos vão criando um caldo de paradoxos, pontos de vista, dúvidas e certezas, e são a própria razão de ser de um grande bolo-blog como este.
Dêem uma olhada na seção “olhos de gato” na parte final da página, vou autalizá-la de quando em vez. Acabei de atualizar, e coloquei uma citação de Ramana Maharshi, inspirado pelos comentários quew apareceream esta semana.
Ele explica algo muito simples, mas espetacularmente assombroso: a única coisa comum a todos os penamentos que você já teve na vida é a idéia de “eu”. Este “eu” é a raiz de cada pensamento, não há pensamento sem a noção de “eu”... e muito mais chocante: não há a idéia de “eu” sem pensamentos. Pois é, toda aquela imensa importância que damos a cada um de nossos pequenos desejos, problemas, futuros e passados só existem no exato momento em que pensamos! A questão é que pensamos quase o tempo todo, e daí advém a ilusória noção de continuidade deste “eu”.
OK, vamos a um exercício, já que seus “eus” estão esperneando com este último parágrafo: procurem se lembrar de um instante em que você estava totalmente tomado pelo que ocorria; pode ter sido uma incrível paisagem vista pela primeira vez, uma poesia que te deixou arrepiado, um momento de paixão sem ar, um filme fantástico, esperar para receber o saque numa partida de tênis, fugir de um cachorro aterrorizante, o instante em que você começa a pegar uma onda, brincar de corpo e alma com uma criança, ou qualquer outra situação em que tudo fluía, e você parecia fluir com tudo.
Este instante – ainda que tenha sido dois segundos – é um instante puro de presença. Toda a sua atenção se concentra em disponibilidade total para o momento que ocorre, para o instante, para o agora. Nada mais existe, exceto aquilo que acontece. Quando isto se passa, você não percebe a realidade como diferente de você mesmo; você percebe tudo como uma coisa só. Não existe, neste momento, um “eu” que perceba esta realidade – você e o mundo são uma coisa só.
Vamos tomar o exemplo de uma paisagem: você vê uma paisagem deslumbrante (por exemplo a baia de tubarões que vi em Fernando de Noronha), e ela parece que te hipnotiza e puxa, absorvendo você de você mesmo – por um instante a sensação é de que tudo existe, você é este tudo, não se percebe diferente daquilo que vive e observa. No momento seguinte você diz: “nossa, que paisagem linda que eu vi!” Pronto: aparece o “eu”, que se apropria de um momento do qual ele não fez parte, e procura costurar a sensação ilusória de continuidade de sua existência através dos fios da ilusão mental.
Assim construímos, dia após dia, uma fortaleza da idéia do “eu”.
Basta um instante de observação pura, de entrega real, de amor, de compreensão... todos estes são instantes em que nosso adorado bicho de estimação, nossa máquina de ganhar docinhos, nosso “eu”, nosso ego, não está presente. Basta um instante como este para percebermos a ilusoriedade sobre a qual sustentamos nossas falsas verdades. Basta perceber que não sabemos quem virou as páginas do livro tão interessante que líamos... basta se dar conta de que o instante de compreensão é puro e chocante, sem alguém que possa ter observado a própria compreensão ocorrer... basta amar sem esforço, sem deixar rastros da vontade do um quando só há a entrega para o outro.
E todos nós já vivemos centenas destes instantes em nossas vidas.

PS: “housekeeping”:
É possível, através do site, pedir para ser avisado quando há material novo, basta se cadastrar e escolher esta opção.

terça-feira, 22 de janeiro de 2008

museu de conhecimento

Nisargadatta uma vez disse: um homem acorda, e ao se olhar no espelho percebe que precisa se barbear; porque então procurar mais nove espelhos para encontrar a mesma resposta? Faz mais sentido ir se barbear de uma vez. Ele respondia a uma pergunta de um visitante sobre o livros e conhecimento no caminho do auto-conhecimento, da busca final. Ler alguns, e depois mais outro, e outro, sempre com a boa desculpa indulgente da procura pelo conhecimento. Porém este não é mais um campo da ciência ocidental, em que o acúmulo de conhecimento tem alto valor em dinheiros acadêmicos, irmão do acúmulo de riquezas na economia pessoal. A busca de auto-conhecimento necessita sim, na grande maioria dos casos, de conhecimento, e leituras são bem vindas. Porém a partir de um tênue ponto começamos a trocar a pesquisa e experiência real por uma interminável coleção de conceitos. Quantas vezes não mobiliamos um precioso museu interno de conhecimentos, que com o tempo nos traz mais orgulho e apego, nos distanciando mais ainda da procura por nós mesmos...
O que vale, sempre, em todos os casos, é a experiência individual. De nada vale o recitar de uma chuva de conceitos complexos sobre o silêncio interior se comparado a um único instante de experiência real de silêncio. Todos os livros, conhecimentos e conceitos, não passam de construções da mente e tem valor apenas quando podemos validá-­los e significá-los – ou não – através de uma experiência real.
Ao longo do caminho de busca é muitas vezes mais fácil e confortável ler um capítulo de um mais um novo livro de um autor famoso sobre como ser feliz do que buscar a disciplina de sentar, fechar os olhos e buscar a compreensão de si mesmo. É apenas mais uma armadilha do caldo de egoísmo da personalidade.
De modo análogo tratamos nós, em muitos casos, do caminho que imaginamos que devemos escolher para a busca. Desperdiçamos tempo precioso na ponderação sem fim em nosso conselho interno de vozes sobre qual a prática que devemos seguir, qual a linha a que nos adaptaremos melhor etc. É justo que tenhamos dúvidas, mas é preciso ter coragem de praticar e partir para a busca. Só com os primeiros passos será possível avaliar a trilha e o norte que devemos seguir.

sábado, 12 de janeiro de 2008

Docinhos

Recebi uma mensagem de um grande amigo sobre o último texto e resolvi – no melhor estilo blog – compartilhar parte dela.
Eu tinha escrito que a meditação ...é uma senhora misteriosa e esquiva, que aguarda sentada à mesa de um restaurante de endereço desconhecido a chegada de seu convidado – aquele disposto a buscar a fonte da inquietação mais primordial de seu ser.
Ao que meu amigo replica: “ a senhora sentada no restaurante talvez esteja sentada também no ponto de ônibus e na fila de trás da sala de cinema, quem sabe? Não acho que seja confortável olhar para ela ou esperar que ela me apresente, dá medo. Mas para quem despenca na trilha, as vezes a coragem é necessidade e não virtude! “ E logo em seguida: “para mim a aproximação das pessoas - de forma compreensiva, afetiva, amorosa, parece a parte maior desta busca. “
Sempre que conduzo trabalhos de auto-conhecimento – como a série de workshops chamada “Semeando” - fico impressionado com a importância do compartilhar. Quando uma pessoa se dispõe a compartilhar suas visões, pontos de vista, sensações, percepções, é muitíssimo comum que estas iluminem uma outra pessoa do grupo. Não raramente é nestas ocasiões que as “fichas caem”. Assim imagino que o nosso compartilhar, ainda que de maneira eletrônica, pode induzir a mesma natureza de efeito entre os que lêem e participam do blog. Por isso que fico feliz quando recebo estas mensagens, comentários, etc. Para aqueles receosos de participar, não se esqueçam do benefício que você pode estar gerando para os outros...
Então... como é que nos aproximamos das pessoas? Como podemos estabelecer relacionamentos verdadeiros enquanto não compreendemos nossos padrões mais básicos de comportamento? Basta um olhar um pouco mais cuidadoso sobre nós mesmos para nos darmos conta da incrível simplicidade desta máquina de ganhar docinhos chamada personalidade. Com um pouco de cuidado, atenção e (muita) honestidade com você mesmo, observe como você reage aos acontecimentos no seu dia-a-dia. Ao final do dia faça uma pequena introspecção rodando o filme do que ocorreu. Aos poucos você certamente se dará conta de que certos padrões se repetem como relógios. Você poderá ser dar conta de que não deseja mais continuar repetindo estas mesmas rotinas labirínticas pessoais, os onipresentes diálogos internos. E aí pode ser que você perceba algo um pouco mais assustador: é esta máquina de ganhar docinhos que controla você, e não o oposto.
Normalmente os relacionamentos são estabelecidos através de trocas – eu ganho o docinho que mais gosto da outra pessoa, para quem eu forneço o doce que ela prefere – isto acontece o tempo todo. Estes docinhos tem muitos sabores e embalagens: sentir-se vítima, dominar, ser reconhecido, ter culpa, ser visto como líder, ser diferente, ser o mais legal da turma, ser visto como aquele que ajuda a todos, ser o bonzinho, ser o perfeito, receber colo... e assim segue. As relações são muitas vezes mercantis, nesta troca energética brutal. Como podemos buscar relações em que estas trocas não sejam o que nos move?
O docinho dá a pista da raiz da formação da personalidade. É preciso encontrar esta raiz, pois apenas a luz da sabedoria pode desmanchar a ignorância. Porém há que ter cautela nesta pesquisa interior, pois esta máquina foi criada e cuidada com muito carinho, dedicação e amor... por nós mesmos. O processo de formação deste “eu” é necessário, mas após a maturidade é também necessário buscar a distinção entre este “eu” na busca eterna de satisfação de seus desejos e aquilo que é anterior a isto. O erro é confundir esta máquina de ganhar docinhos (“eu”) com quem você realmente É. Faz parte essencial da busca o exercício contínuo deste discernimento.
A prática de meditação nos ajuda também a perceber estes padrões, fortalece a busca do que podemos ser realmente, e escancara o desperdício e a ilusão de se viver em busca dos docinhos.