sexta-feira, 26 de dezembro de 2008

em 2009...

Uma citação de Nisargadatta para inspiração no próximo ano:

Love says "I am everything".
Wisdom says "I am nothing".
Between the two, my life flows.

sexta-feira, 19 de dezembro de 2008

Prática da beira do mar

Estava passando um final de semana na praia alguns dias atrás, e fui até a beira do mar, naquela faixa que as ondas varrem quando chegam, e varrem de volta quando se vão, às vezes com água acima da canela, às vezes seco.
Observava o horizonte e as ondas, e ouvia cada som: os ventos, ondas quebrando lá no fundo, água raspando areia ali pertinho, espuma no ar, e um som base de fundo. Enquanto isso deixei os pés se fixarem na areia enquanto a água ia e vinha. Fechei os olhos e comecei a buscar o equilíbrio físico: conforme a água passava os pontos de equilíbrio dos meus pés com a areia mudavam. A cada mudança buscava novo ponto de equilíbrio, sem tirar os pés do chão, sem tirar a atenção de tudo o que ocorria em minha volta, de olhos fechados. Sem antecipar a chegada da onda por causa de um novo estrondo, mas buscando a flexibilidade a cada mudança. Sem tirar os pés do chão, aceitando cada diferente onda e volume de água, cada corrente e mudança de topografia da areia, apenas buscando fluir com a situação, em equilíbrio móvel, mas profundo. Percebi também como isto é a base de todo o aikido – mas isto fica para um outro dia.
Assim permaneci por um longo tempo.
Por vezes vinha para dentro (de mim mesmo) e me dava conta de um grande silêncio e paz. A simetria entre o externo e o interno é linda: a busca do equilíbrio físico (externo) exige plena atenção, e este estado é o mesmo, seja dentro ou fora. Assim quando estamos em um estado de maior harmonia fora, e nos voltamos para dentro, o mesmo estado ali se mostrará. E vice-versa.
Cada instante de vida traz uma possibilidade nova de aprendermos a buscar e compreender. Como no nosso trabalho diário. Ontem conversava com uma pessoa que faz mentoring comigo, e ela falava sobre seus pontos positivos / negativos e como “melhorar”. Às vezes estamos tão rígidos presos a uma necessidade de enquadramento - que é fruto basicamente dos nossos medos mais simples – que qualquer movimento diferente do previsto nos desequilibra, nos derruba. Há que ser buscada uma harmonia das nossas forças naturais com a realidade, de modo que possamos viver em estado de equilíbrio. Este estado de equilíbrio é único para cada indivíduo. Temos capacidades desenvolvidas e outras a desenvolver, mas não sob a ótica de um molde externo, e sim do ponto de vista mais sábio e interno, aquele que nos levará a um equilíbrio dinâmico com a realidade. Como permanecer em equilíbrio e paz à beira do mar.

segunda-feira, 8 de dezembro de 2008

Liberdade

Dizemos ansiar pela liberdade, ansiar por tirarmos este peso de existir em uma certa forma, sermos livres... Quão amplamente ilusórios e plenos de ignorância são nossos desejos recorrentes. Mas se somos fundamentalmente o brilho da ignorância associado a um reflexo da infinita consciência, não há qualquer surpresa nisso. De fato se diz que a ignorância (em um sentido bastante alto) é que dá forma a nós enquanto indivíduos, pois a remoção da primeira nos leva de volta ao estado não-dual de existência plena. É como a poeira (ignorância) que dá forma a um invisível espelho de cristal (Consciência).E quando uma pequeníssima área deste espelho é limpada o brilho é tão forte que – algumas vezes – nos faza recuar. De volta ao conforto das certezas nascidas da dúvida.
A liberdade é tão potencialmente devastadora que por vezes nos traz nossos mais remotos e profundos medos. Perceber que de fato somos algo de natureza muito distinta daquilo que usualmente nos acostumamos a pensar que somos traz um assombro comprido, altíssimo, sem chão. Dar-se conta de não ser uma personalidade e mesmo assim observar que se pode seguir vivendo de modo realmente livre é espantoso. O que fazer com todo aquele arsenal de gostos, apegos, raivas de estimação, justificativas e medos colecionados? Como abrir mão desta minha imagem tão árduamente moldada? Aqui começa o trabalho do buscador, pois há que se suar, e muito, muito mesmo.
A liberdade não é fazer o que você quer. Veja o contra-senso: você quer controlar a sua forma de liberdade. Uma vontade da sua personalidade, nascida de seu desejo e apego, só gera mais desejo, apego e controle, qualidades que não levam à liberdade.
O livre arbítrio de não se apoderar do que ocorre, aceitar fazer parte do mundo sem buscar um fruto egoísta: esta é a natureza da liberdade. Ao alcance do coração, para todos nós. Mas precisamos buscar.

sexta-feira, 21 de novembro de 2008

Samsara e karma

Karma é o potencial de ocorrências futuras que geramos através de nossas ações, palavras e pensamentos. Não é algo em si mesmo bom ou ruim, é apenas a concretização da lei de causa e efeito. Porém em uma dimensão muito, mas muito maior do que podemos conceber.
Imaginemos um tecido que, em vez de possuir duas dimensões (como uma tela de algodão bem fina) possui n-dimensões, com infinitas tramas que se cruzam e re-cruzam. Cada uma destas tramas é composta de fios de algodão multi-dimensional, e cada um destes fios tem sua densidade, cor e textura características. É nesta trama sem tempo que navegamos escorregamos e nos envolvemos – enquanto centelha de essência – ao longo do nosso longo, longo, longo ciclo de existência.
No Vedanta, para efeito didático, se consideram três tipos de Karma:
sanchita karma: todo o imenso tecido de karma constituído desde o início do ciclo de existência individual;
prarabdha karma: pequeno retalho do sanchita karma, o tecido desta existência específica (desta personalidade temporária);
agami karma: novos ramos e tramas de tecido construídos nesta existência específica;
Assim surge naturalmente a pergunta: como criamos karma? E como é possível dissolvê-lo? De modo bem simples criamos karma de dois modos: quando buscamos o fruto de nossas ações ou quando nos colocamos como “fazedores” da ação. Estas duas vertentes tem em comum a presença – no nascimento da motivação da ação – da personalidade, o “eu”. Assim, se utilizamos nosso sistema físico-emocional -mental de modo puro – isto é, sem o desejo de obter o fruto para si mesmo, sem a pretensão ilusória de ser quem faz a ação – não há geração de karma. Isto ocorre em estados de consciência em que não há a presença do “eu”, como a observação, a concentração e a meditação – e o sono, graças a Deus.
O estado em que vivemos 99,99% do tempo em que estamos acordados é o estado de pensamento, que existe sempre que há o “eu” pensando. É neste estado em que se gera – quase constantemente – karma. Em outras palavras estamos constantemente tecendo as novas fibras potenciais do imenso tecido, aumentando e aumentando estas tramas. Na linguagem do mestre cristão Daskalos estamos quase continuamente gerando “formas-pensamento”: são os pensamentos encharcados de desejo – qualquer que seja sua natureza. E estas formas-pensamento são de fato criaturas vivas, energizadas por nossa própria vitalidade, e tem como missão de vida fazer cumprir o desejo que as gerou. É deste modo que podemos enxergar como muitas pessoas se transformam em escravos de suas próprias formas-pensamento, seus mais queridos bichinhos de estimação, que acabarão – como nos mitos – por devorar o mestre.
Estas formas-pensamento também tem seu aspecto coletivo, que fica muito evidente em casos de violência (por exemplo: TV transmitindo sequestro ao vivo), pornografia, torcida de futebol, etc. É muito fácil nos vincularmos a uma forma coletiva – basta visitar um shopping-center e observar em si mesmo como a forma coletiva do desejo de consumo se apresenta e traz efeitos em seu próprio sistema emocional. É assim que a grande trama do karma forma também o tecido potencial de grupos, como cidades e países.
Vinculado ao conceito de karma está o ciclo incessante de existências, a roda de samsara no budismo. Giramos e giramos a roda, sempre caindo e voltando aos mesmos pontos, até que comecemos a nos dar conta, a tomar consciência. Podemos observar o micro-cosmo desta roda dos éons em nosso minúsculo ciclo de vida atual: quantas vezes já não caímos nas mesmas armadilhas pessoais? Situações que se repetem e padrões de resposta idênticos; grande alegria e prazer, seguido por grande dor e sofrimento... e assim segue nossa vida. Agora potencialize isto través dos milênios, e podemos ter um pequeno vislumbre da imensa roda de samsara, motorizada por nossa não menos imensa ignorância.
Como encontrar a solução para o karma e o samsara? Comecemos com os pequenos passos dos infantes neste assunto: prática da meditação e atenção aos pensamentos e atos, aquilo que temos sempre trazido aqui. Esta é a busca.

sexta-feira, 7 de novembro de 2008

Medo e certeza

“O medo é tão somente a ausência da certeza de Ser”. Assim, de modo fulminante, explica Ivan (Sesha) o sustentáculo de todas as nossas mais profundas justificativas para nosso arsenal de hábitos repetitivos tão intimamente conhecida como “eu”. E como nosso incansável operário padrão chamado mente tão raramente cessa de operar, nos é quase inalcançável a compreensão desta simples sentença. De fato, para a maquina de operações lineares conhecida por mente, tal compreensão é inalcançável.
Não consta do leque de possibilidades desta máquina compreender as grandes verdades (Mahavakyas, como por exemplo ‘Tat Tvam Asi’, ‘Tu és Aquilo’), assim como não consta do leque de possibilidades do ser humano voar (sem ajuda), ou como parece inconcebível para o círculo plano o volume da esfera.
Apenas através da prática, da busca incessante, do desapego dos desejos, é possível se tornar digno de compreender estas verdades. Sim, uma questão da dignidade, de amadurecimento do Ser. Através deste caminho sem mapas, sem quilometragem ou GPS, aos poucos (ou não) se esgarça o grosso tecido dos desejos sem fim da personalidade, e neste pequenos vazios que surgem da trama do tecido há um potencial risco de se compreender quem somos.
Daí que compreender que o medo é a ausência de certeza de Ser se torna talvez tarefa (ou diversão) para vida(s). Por agora bastaria para nós – potenciais discípulos da busca - que tomássemos um minuto para admirar nossa ignorância. Sentemos à beirada da montanha, abaixo este imenso vale, observando a grande obra: a ilusão de que somos separados do que vemos e vivemos. Deste cenário de ilusória solidão nasce o medo primordial, e desde este ponto – comum a todos nós – se abrem miríades de naturezas de medos e seus derivados, que são afinal os pilares da personalidade – do “ eu” – tão estudada pela psicologia.
O que nos cabe não é buscar mais justificativas para esta construção, mas sim buscar a realidade por entre e por trás desta construção.
Saber que existimos é um ato natural, é uma das poucas coisas que podemos ter certeza que sabemos, pois nos damos conta que somos. Esta compreensão sempre existe. O problema é a dúvida que aparece em seguida. Se não abrirmos brecha para a dúvida (prática, prática, prática, desapego, desapego, desapego), esta certeza permanece viva por um pouco mais de tempo. Neste momento não há pensamento que surja, pois a raiz dos pensamentos está na agitação mental, motorizada pela dúvida. A admiração genuína e profunda pelo fato de que existimos nos leva a uma quietude sem limites, quando é possível se dar conta da consciência que permeia o que se chama de espaço, se dar conta de que somos esta consciência que ilumina o espaço, e também o que quer que seja iluminado. Este é um estado de não-dualidade.

quarta-feira, 8 de outubro de 2008

Líderes

Tantas bobagens são pensadas, escritas, editadas e vendidas a uma velocidade impressionante nestes tempos. Maior que a capacidade de pensar e escrever só a capacidade de absorver e acreditar por parte dos leitores-consumidores. Um dos campos mais férteis é o da neo-administração, em que a saraivada de edições sobre a “liderança” se mostra a cada ano mais potente. Há que se ter imenso cuidado com as lideranças. Quem são líderes afinal de contas? O que são? Neste vasto mundo das organizações e da política posso garantir que na sua totalidade não são pessoas “diferentes” ou “especiais”. Infelizmente não são.
Já escrevi antes sobre o sutil mecanismo de hábitos mentais que criamos, individualmente, de um modo quase contínuo ao longo de nossas vidas. Dia após dia reforçamos aqueles caminhos preferidos, reforçamos as reações prediletas, reforçamos as cadeias de emoções de que somos mais sedentos e famintos, e passamos a crer que verdadeiramente somos assim... e de fato, desde este ponto de vista daquele sujeito cujas entranhas e esqueletos psíquicos foram assim moldados, somos assim mesmo. Ou seja, do ponto de vista da criatura de argila moldada pelo reforço destes hábitos, a criatura de argila existe, e é daquela forma. Porém, alguns poucos segundos seguidos de atenção à realidade – vejam bem, atenção à realidade e não à sua interpretação da mesma - mostram que a criatura é uma construção, é ilusória em essência. Algo consegue perceber a criatura de argila, e o mais interessante é que este algo não faz parte da própria criatura (ou não conseguiria observá-la). Daí nossa oportunidade de liberdade, nossa esperança de viver de modo pleno.
Voltando aos líderes: o que são estas pessoas? Ora, poderosíssimas criaturas de argila. São pessoas, ainda que bem intencionadas (qualquer que seja a régua dos pólos éticos de bem e mal utilizada), amplamente enredadas nas teias de seus hábitos e reforços mentais. São pessoas dirigidas por suas próprias e queridas máquinas de ganhar docinhos emocionais, e que fazem uso da alta potência de suas máquinas de modo amplo. Conforme nossas tarefas e lições karmicas estas máquinas tem potências diferentes, ainda assim são todas ilusórias. Não é libertador se dar conta da ilusoriedade de todos nós enquanto criaturas de argila, todos de potências, tamanhos e formas variados, que não tem de fato importância alguma.
Assim há que se ter cuidado com as lideranças. Seja seu próprio líder, busque aquilo em você mesmo que não é moldado pelos seus adorados vícios e mimos, busque aquilo que É e sempre foi em você mesmo, não há liderança mais verdadeira. Nada há que se busque fora que possa chegar perto de substituir Isso.

quinta-feira, 18 de setembro de 2008

Fim de semana com Ivan

Depois das férias (voltei semana retrasada) este foi o final de semana com o workshop do Ivan aqui em São Paulo. Ele seguiu para o Rio de Janeiro, onde fará outro workshop este final de semana.
Acompanho o Ivan há nove anos, e pelo menos uma vez por ano tenho esta oportunidade de mergulhar um pouco mais no universo da busca do auto-conhecimento. Não sei se vocês se dão conta da raridade desta oportunidade, e da grande sorte de poder ter esta experiência. Pois para mim, ano após ano, sempre vem uma gratidão imensa após cada encontro.
Estivemos no final de semana no Instituo Brahmavidya, comandado pelo Elói, com cerca de 30 pessoas, incluindo alguns colegas argentinos que vieram especialmente para o encontro. E todos pudemos relaxar a angústia da ignorância ao viver (mais que ouvir) as palavras e a presença do Ivan. Após poucos dois dias de compartilhar, ele se despediu com seu bom humor encharcado de compaixão.
Para alguns daqueles que lá estiveram, um marco de mudança na vida; para outros, uma névoa de mistério; para outros ainda a tranqüilidade da certeza. Não importa, todos certamente perceberam a sutileza da nossa existência por trás do sempre bruto ‘eu’.
Há um grande grupo de alunos do Ivan na Espanha, e parte deles construiu e um site na internet que contém uma série de textos e vídeos do Ivan, além do calendário de atividades na Espanha e no Brasil. Aí vai o endereço: http://www.vedantaadvaita.com/; há também o site brasileiro, coordenado pela Regina: http://www.vedantaadvaita.com.br/.
Caso algum de vocês se interesse em conhecer mais, podem entrar em contato comigo (e-mail: marcosthiele@yahoo.com), ou podem procurar o Instituto Brahmavidya, onde vários cursos são ministrados (Elói: 5506-5220).

segunda-feira, 11 de agosto de 2008

Guru

Muito se fala e escreve sobre o que é um Guru, um mestre, seu papel, se é realmente necessário, etc. Afinal o que é um Guru?
A explicação mais pura (no meu entendimento, como sempre) é que o Guru, ou mestre, apenas reflete de forma “real” aquilo que o discípulo, ou aprendiz, ou buscador, precisa. A forma externa do mestre é um modo concreto de a grande roda do karma colocar à nossa frente aquilo que é precisamente necessário para os passos que devem ser dados neste ciclo.
Em uma trilha de tom mais devocional a entrega ao Guru é a porta para a entrega ao Absoluto e a Si-mesmo, pois o primeiro o segundo e o último são a mesma coisa.
Todos os livros contendo conversas entre Mestres como Ramana e Nisargadatta e seus disípulos em um momento ou outro relatam sua visão sobre o tema. Invaravelmente a reposta última é que o Guru verdadeiro e real está dentro de você.
Assim nas várias tradições a descrição e função precisas do mestre podem variar, mas a essência é a mesma.
Alguns poucos nascidos-maduros como Ramana Maharshi não tiveram um guru na defnição mais formal do termo; mas foram muito poucos. Praticamente toda a linha de rinpoches budista é formada na esteira de um rico caudal de Gurus.
No mundo ocidental esta visão (do Guru) é muito difícil de ser concebida, quanto mais compreendida... oxalá alguns de nós possam finalmente aceitá-la de coração.
Assim, para nós seria uma imensa sorte cruzar o caminho com um mestre que nos toque o coração e a alma. Menos raro é cruzar o caminho com falsos instrutores que manipulam emocionalmente seus ‘alunos’, e – por vezes com boas intenções, mas perdidos em suas egotrips – criam desvios imensos da trilha da busca.
A cada um de nós, com sua qualidade específica, sua combinação de talentos e dificuldades, sua aptidão e seu conjunto de lições a aprender, nos é possível encontrar um caminho de busca que nos mostre não haver nada mais importante nesta vida. Em cada caminho destes é possível encontrar um Mestre, um guia do caminho.
Foi assim para mim ao trombar com o caminho do Vedanta Advaita e vislumbrar, lá embaixo em um penhasco, depois de capotar e cair, a figura do guia do caminho, meu Mestre Ivan Oliveros, o Sesha.
Não vou escrever sobre ele, pois Ivan estará no Brasil novamente este ano, e para alguns de nós esta é uma oportunidade verdadeiramente única de entrar em contato com um Mestre que toca almas e corações, e, sem falsa compaixão, nos ajuda a compreender, por nós mesmos, como seguir neste caminho.
Este ano Ivan fará os seguintes trabalhos:

Progamação 2008 de Cursos e Palestras:
São Paulo

Palestras Gratuitas

05 de setembro (sexta-feira)
Horário: 19:30h
Local: ICDEP
R. Jureia, 349 - Chacara Inglesa
Tel.: (11)5549.0642

10 de Setembro (quarta-feira)
Horario: 19:30h
Local: Instituto Brahmavidya do Brasil
R. Indiana, 1403

12 de setembro (sexta-feira)
Horario: 17:30h
Local: Auditorio Brasil Tufik
R. Napoleão de Barros, 935

Cursos : Meditação

06 e 07 de setembro (sábado e domingo)
Horário: 09:00 às 16:00h
Local: ICDEP
R. Jureia, 349 - Chácara Inglesa
Tel.: (11)5549-0642
Valor: R$ 300,00
Inclui refeição leve no almoço e coffee break

13 e 14 de Setembro (sabado e domingo)
Horario: das 09:00h ás 16:00h
Local: Instituto Brahmavidya Do Brasil
R. Indiana, 1403
Tel.:(11)5506-5220
Valor : R$ 300,00
Inclui refeição leve no almoço e coffee break

Rio de Janeiro

Palestras Gratuitas:

16 de Setembro (terça-feira)
Horario: 19:30h
Local: Livraria Argumento- Copa
End. R. Barata Ribeiro, 502
Tel.:(21) 2255.3783

19 de setembro (sexta-feira)
Horario: 19:30h
Local: Espaço Nirvana Gavea
Pça. Santos Dumont, 31
Jockey Club- Tribuna A
Tel.: (21) 2187.010 - Recepção

Curso Meditação

Dias 20 e 21 de setembro
Sábado das 09:00h às 16:00h
Domingo das 10:00h às 14:00h
Valor: R$ 290,00 (parcelamento em até 2 vezes)
O almoço não esta incluso, mas o restaurante do espaço estará à disposição dos participantes com preços promocionais.

Informações e inscrições: info@vedantaadvaita.com.br
em São Paulo:
Regina
(11) 9189-8990 ou (11) 3085-7101 Ruth
(11) 3361-4954 ou (11) 3666-8502

ICDEP: (11) 5549-0642 Instituto Brahmavidya: (11) 5506-5220 - Eloi ou (11) 9101-9086

no Rio de Janeiro:
Nirvana Gávea : (21) 2187-0010
Alvaro Piano : (21) 2255-3783

segunda-feira, 21 de julho de 2008

O pasmo essencial

Hoje não tenho melhor alternativa que compartilhar com vocês a aula de Presença que é este poema de Fernando Pessoa.
Bom proveito.

O Meu Olhar
(F. Pessoa /A. Caeiro)

O meu olhar é nítido como um girassol.
Tenho o costume de andar pelas estradas
Olhando para a direita e para a esquerda,
E de, vez em quando olhando para trás...
E o que vejo a cada momento
É aquilo que nunca antes eu tinha visto,
E eu sei dar por isso muito bem...
Sei ter o pasmo essencial
Que tem uma criança se, ao nascer,
Reparasse que nascera deveras...
Sinto-me nascido a cada momento
Para a eterna novidade do Mundo...
Creio no mundo como num malmequer,
Porque o vejo. Mas não penso nele
Porque pensar é não compreender ...

O Mundo não se fez para pensarmos nele
(Pensar é estar doente dos olhos)
Mas para olharmos para ele e estarmos de acordo...

Eu não tenho filosofia: tenho sentidos...
Se falo na Natureza não é porque saiba o que ela é,
Mas porque a amo, e amo-a por isso,
Porque quem ama nunca sabe o que ama
Nem sabe por que ama, nem o que é amar ...
Amar é a eterna inocência,
E a única inocência não pensar...

segunda-feira, 7 de julho de 2008

Epifania

Definições usuais de epifania:

“A Epifania representa a assunção humana de Jesus Cristo, quando o filho do Criador dá-se a conhecer ao Mundo. A Epifania do Senhor (do grego: Ἐπιφάνεια, : "a aparição; um fenômeno miraculoso") é uma festa religiosa cristã que... passou a ser comemorada 2 domingos após o Natal.”
“Epifania é uma súbita sensação de realização ou compreensão da essência ou do significado de algo. O termo é usado nos sentidos filosófico e literal para indicar que alguém "encontrou a última peça do quebra-cabeças e agora consegue ver a imagem completa" do problema. O termo é aplicado quando um pensamento inspirado e iluminante acontece, que parece ser divino em natureza (este é o uso em língua inglesa, principalmente, como na expressão I just had an epiphany, o que indica que ocorreu um pensamento, naquele instante, que foi considerado único e inspirador, de uma natureza quase sobrenatural).”
Adoro estas definições... “quase sobrenatural”, como se soubéssemos definir o que é natural, como se a vida que levamos imersos nos labirintos dos desejos, apegos e moto-contínuo de pensamentos - gatos enredados em um novelo de lã sem fim - fosse natural.
Não é interessante esta palavra, epifania? Todos já vivemos vários momentos como esse em nossas vidas. É um instante de compreensão verdadeira; um instante em que nos sentimos não diferentes de tudo o que nos cerca; um instante de amor por tudo e todos; um instante de paz profunda. Ou tudo isso ao mesmo tempo.
Nos grupos de prática sempre pergunto por estes instantes, e invariavelmente a resposta é que sim, este momento já existiu em minha vida. Alguns se lembram do instante em que ouviam uma música e por um momento a música e o ouvinte eram uma só coisa, um arrepio corre o corpo, todas as sensações se ampliam, cada instrumento e voz é ouvido separadamente e integrados ao mesmo tempo. Outros se lembram de surfar aquela onda perfeita e o silêncio profundo daqueles segundos de harmonia perfeita entre onda, prancha e surfista. Outros ainda se recordam de uma compreensão profunda – uma grande ficha que cai e parece que o mundo todo espera, num tempo mais lento, enquanto o todo faz algum sentido – e qualquer um que já presenciou isso sabe da potência do brilho dos olhos deste momento.
O que todos estes instantes – epifanicos – tem em comum? O “eu” da personalidade não está lá. É verdade, não está. Se ele estivesse não seria uma epifania. Não é o pequeno eu que passa por estas experiências; mas quando ele está ausente, então elas podem ocorrer. O motivo é simples: estas experiências passam muito longe do pensamento comum; enquanto nossos “canais” estão entupidos com pensamentos não é possível que qualquer outra coisa seja perceptível. Quando deixamos nossos canais vazios de pensamentos, outras percepções podem ocorrer. O “eu” apenas se apropria destas experiências (memória) depois que elas passam.
Segundo o Vedanta, em parte similar às proposições de Patanjali, temos diversos estados de existência ou consciência: sono, pensamento, observação, concentração, meditação e samadhi. Nós vivemos 99,9% de nosso tempo nos dois primeiros. Estes instantes de epifania pertencem aos outros estados, na maioria das vezes ao estado de observação ou concentração.
O “eu” enquanto sujeito só está presente enquanto pensamos. Ele não tem continuidade (nem enquanto dormimos). Entretanto nossa civilização ocidental tem como um dos principais cânones o “eu” como sujeito permanente e separado do mundo real – basta ver o nó filosófico que as implicações da física quântica causam ao demonstrar que o observador (o sujeito) altera a realidade.
O Vedanta explica que para cada um dos estados de consciência há um sujeito correspondente – até chegar ao estado de meditação em que o sujeito é Atman, “...o sujeito que conhece o universo enquanto simultânea e ubiquamente conhece a si mesmo.(*)” A permanência no estado de meditação leva ao Samadhi, estado em que se é Sat-Chit-Ananda: Existência, Consciência e Bem-aventurança infinitas e absolutas.
Entre a meditação e o pensamento temos a possibilidade de experimentar os estados de observação e concentração, em que a outros sujeitos é permitido atuar – e ao que ás vezes damos o nome de epifania.
Como podemos ver há muito o que se explorar além do nosso novelo-novela de pensamentos e fantasias, e o caminho é a prática.

(*) Ivan Oliveiros

terça-feira, 17 de junho de 2008

A esfera

Quão distante é o centro de uma esfera quando todos os caminhos que conhecemos e todos os mapas que construímos estão na superfície? Imagine que a sua perspectiva, o seu ponto de vista, é sempre o da superfície desta esfera; todo o seu caminhar, todos os planos futuros de vida, todos os desejos, se deitam ao chão desta esfera. Toda a sua história, todas as suas razões e motivos, cada hábito, apego e aversão também transitam apenas nesta superfície.
Como uma lei geométrica, não é possível acessar uma outra possibilidade dimensional enquanto seguimos construindo mais e mais estradas nesta mesma superfície. Não chegaremos ao centro da esfera construindo estradas mais largas e mais bem feitas na superfície. Entretanto é exatamente isso o que fazemos a cada dia, a cada minuto.
Enquanto seguimos alimentando os mesmos padrões de consumo da personalidade, alimentando-a com todo o tipo de chocolates, bolsas, carros e jóias emocionais/energéticas, não estamos fazendo mais do que construir super-estradas, que permitem velocidades mais altas de modo que cheguemos mais rapidamente a lugar algum. E o mais engraçado é que são exatamente os mesmos por toda a vida, cada um de nós não tem mais do que um ou dois padrões básicos de funcionamento deste pequeno eu.
Quando começamos a buscar o centro da esfera, quando iniciamos uma busca por quem realmente somos, aparece um gancho ainda mais sutil deste pequeno eu. Inversamente proporcional à sutileza é a potência e efetividade deste gancho, chamado de materialismo espiritual e bem explicado por Tarthang Tulku (Além do materialismo espiritual, ed. cultrix). Este gancho nada mais é do que os mesmos padrões habituais, só que revestidos de um delicioso psico-chantili espiritual – mas isto é motivo para outra conversa.
Preste atenção ao momento em que você desperta. Não o momento em que você levanta da cama, nem o momento em que abre os olhos, mas o instante anterior. É claro que tem que ser em um dia em que você não acorda com o barulho do despertador... Tente prestar atenção ao momento em que você está consciente de que não está mais dormindo, antes de abrir os olhos. É bastante sutil, mas possível. Permanecendo neste estado por um par de segundos você poderá confirmar que o que existe é apenas a consciência de existir – o princípio do centro da esfera. O que ocorre normalmente é que este instante é muito rápido, e logo começamos a acionar nossa memória, isto é, começamos a agitar a massa mental que então repousava. Acionamos nossa memória para registrar quem somos, onde estamos, o que aconteceu na noite passada, se eu deveria estar triste ou alegre por causa disso, ou daquela pessoa, etc., etc. E assim, peça por peça de um vestuário sempre semelhante, nos vestimos de nossa personalidade. Religamos todos os fios e cabos que acreditamos serem perenes e reais de nosso pequeno eu, sem perceber que eles de fato precisam ser religados para existirem. E assim “despertamos” diretamente para mais um dia de sono real, de volta à superfície tão familiar, esquecendo de novo do centro, que ali permanece - sempre.

sexta-feira, 6 de junho de 2008

luzes, câmera... ação

Volta e meia me encontro conversando com estagiários, trainees, e colegas de trabalho sobre o futuro das carreiras, se o caminho está certo, e coisas do tipo. A conversa sempre toma um quase-fim quando lembro que o que importa é como você faz, e não o quê você faz. Este quase-fim em geral vem da falta de compreensão geral que nós temos sobre a ação e suas consequências. Em termos absolutos não faz diferença se trabalho em uma ONG que busca a paz no oriente médio ou se sou caixa de um banco. Simplesmente não faz diferença. Esta régua ética tem medidas enraizadas na personalidade e suas razões.
A diferença realmente está no modo como a ação é executada.
Existem dois modos de se executar incorretamente uma ação: 1) buscando que a ação me traga um benefício, um fruto (“vou ganhar algo com isso”); 2) me percebendo fazedor, sujeito, da ação (“sou eu que faço isso”). Tire estas duas condições e você terá agido de forma natural, pura, sem gerar karma.
Entretanto considere rapidamente as suas últimas 10 ações; você verá que em todas elas uma das duas condições estava presente. Ou você buscava um benefício para você mesmo com aquela ação, ou você se considera agente (fazedor) daquela ação; muito provavelmente as duas condições estiveram presentes em todas as 10 ações. Ou seja: todas elas geraram consequências, tendências, densidades de probabilidades futuras para “você”, em outras palavras, karma.
Imagine que seja possível atuar de modo natural, conforme o próprio sistema no qual você está inserido requeira a ação, nem um grama a mais, nem um milímetro a menos. Agir conforme é necessário, porque – ainda que não saiba a razão – você foi colocado naquele ambiente naquele exato momento para agir. Enquanto você age deste modo não há a sensação de estar agindo, apenas a ação acontece por si mesma. Depois que a ação ocorre, não há orgulho pelo ato. Não há com o que se apegar. É este o significado de deixar cada momento da vida nascer, mas também deixá-lo morrer. São os infinitos ciclos.Amplie um pouco este cenário: considere a possibilidade de que todos – repetindo: todos! – os instantes de sua vida foram cuidadosamente montados para que você vivesse exatamente aquela experiência. Como um presente que você recebe, uma pequena jóia na forma de uma lição aprendida, uma inspiração, uma compreensão. Muda um pouco a perspectiva de todos os nossos problemas, caminhos, “escolhas”, enfim, de todos os nossos “very limited affairs” não?

terça-feira, 20 de maio de 2008

very limited affairs

Outro dia assistia a um vídeo do Krishnamurti... que nem me atrai muito, mas de qualquer modo é fantástico. Sobe ao pequeno palanque embaixo de um toldo branco em um parque num dia chuvoso na Inglaterra um velho senhor, já um pouco curvado. Sem perder tempo começa a falar, direto ao ponto. Sem falsas delicadezas, sem manipulação emocional sobre a platéia - o que é tão sordidamente comum nos pseudo-gurus da nova era que vendem toneladas de livros – ele mergulha de imediato no convite a uma busca conjunta, e não no convite à simples audição de uma palestra. Deixa claro que não há resposta que possa vir de fora, de alguém, de um professor. Ninguém tem essa autoridade. Urge a platéia para que inquiram junto com ele, busquem as respostas, e não esperem para ouví-las. E ainda assim percebia claramente, naquele mesmo instante, como a maior parte das pessoas apenas aguardava ouvir “a verdade” em vez de se questionar.
O auto-questionamento é o fundamento proposto na busca. Ramana Maharshi escreveu uns poucos pequenos livretos - self inquiry, who am I, instrução espiritual – que tratam deste simples método (
http://www.arunachala-ramana.org/).
Em um nível infinitamente mais simples o mesmo princípio se aplica às questões psicológicas nas terapias comuns, ou nos processos de mentoring, coaching, etc. E mesmo neste nível nós já sentimos bastante dificuldade em colocar o pé na lagoa de nossos hábitos e vícios mental-físico-emocionais. É de se imaginar quão maior será a dificuldade em se mergulhar nas cavernas mais profundas da raiz do próprio eu.
Porém uma vez perdida a inocência das certezas infantis da permanência das coisas, da realidade, do eu, não há como não sentir a atração pelo mergulho, pela busca.
Krshnamurti, olhos semi-cerrados em total presença, dizia: todos os nossos grandes problemas pessoais são ao final ‘very limited affairs’. Quão mais verdadeiro do que isso se pode ser? Porém a percepção de como nos prendemos a questões ínfimas do eu-goísmo costuma aparecer raramente se não desgrudamos pelo menos por alguns segundos nossos ouvidos de alma do ipod-mântrico dos hábitos e vícios da personalidade.

segunda-feira, 28 de abril de 2008

where to?

Por vezes me canso de navegar
ainda que sem direito, bem sei...

por vezes me canso de falar
me canso de ouvir
e de me ouvir
de tentar compreender o que pode ser
tentar ser o que não compreendo

por vezes me canso deste cansaço mesmo
do peso de vestir uma carne
do moto quase contínuo de respirar
de mais de um bilhão de batimentos

por vezes me assusto
instantes em que a dúvida congela o discernimento
o apego me ancora na ignorância
e as sombras iluminam cercas maiores que os caminhos

sem o mapa do conforto do corpo
sem as coordenadas do buscar um sentido com final feliz
sem a bússola das crenças construídas de argila mental
busco o norte nas estrelas

para onde ir?

por vezes vislumbro no meu céu
sem névoa ou dúvida
sem perguntas
sem quem pergunte
as sussuradas sílabas iniciais de uma resposta

Ir sem retorno
a volta nunca será para onde se partiu
Ir
para onde se espera,
se espera,
e se espera
um pouco mais
e enquanto nada mais se passa
o esperar deixa de ser temporal
se desnuda como uma existência em si mesma

Ir
onde a existência brilha poderosa e brutal
cega os sentidos imaturos e decepa membros ineptos
onde Ser sem interrupção tempera a estrutura mental
onde a suave e crescente compreensão do que É
acaricia uma super-nova
a semente do amor

Ir logo ali
ali onde o onde já não traz significado
posto que é sem resposta
local sem endereço
do diverso para o um
da área para o ponto
da certeza para a potencialidade

Às vezes isto tudo não é mais que um segundo
um sussurrado vaga-lume
farol entre penhascos na noite de tempestade
continuo navegando

sexta-feira, 18 de abril de 2008

amsterdam

Acabo de voltar de dez dias em Amsteradm, a trabalho.
Uma viagem nunca é apenas uma viagem no sentido externo ou físico; entrar em um avião que voa a 11 km de altura, respirar um ar de outra língua, conhecer pessoas diferentes, a distância do conhecido, o desconforto e as surpresas... sempre aparecem desafios às nossas habituais certezas. Sempre acontece uma viagem interior, paralela e transversal ao concreto imaginado.
Passei um final de semana por lá, e andei muito.

Adoro andar, é a velocidade mais perfeita para a percepção do mundo. Experimente caminhar por uma rota que você normalmente faz de carro, e ficará muito evidente tudo o que perdemos ao acelerar sobre caminhos aparentemente conhecidos. Um universo de detalhes e novidades se abre aos sentidos.
Caminhei pelo Vondelpark (um central park de Amsterdam), observando e sentindo. O novo sempre traz esta curiosidade de conhecer... e daí à certeza de que o simples ato de perceber o mundo é impressionantemente vivo é um pequeno passo. Peceber que se está vivo, e que existe a chance de conhecer, que existe uma propriedade chamada atenção que me permite conhecer, e que ela é intrínseca à própria consciência... perceber que a atenção flui, e que às vezes algo parece tão próximo de você que você já não sabe diferenciar o que percebe de você mesmo... é algo incrível. E está sempre aí, em qualquer e toda parte do mundo, sempre à nossa disposição.

Fui ao Rijksmuseum, e ali passeei pela história da Holanda. Não consegui apreciar a beleza das pinturas, pois acabei afogado no fogueira das vaidades. Impressionante como o ser humano, era após era, cai nas mesmas armadilhas dos desejos do olimpo sonhado do egoísmo. As sempre iguais medalhas de ouro do ilusório pódio das conquistas individuais. Um grande almirante e seu busto em mármore, a petrificação do orgulho. Um trio de ricos comerciantes semi-eternizados em uma tela, tintas lindas perfeitamente retratam os olhares empapados de ilusão e arrogância. Uma época após outra, uma guerra após outra, uma fortuna após outra, uma miséia após outra, tudo o que buscamos é petrificar a ilusão de que somos nós que atuamos e decidimos, erigir um busto do granito nascido da ambição do fruto de nossas ações, pintar um quadro magnífico da nossa absoluta ignorância sobre quem somos. Isto é a raiz do Samsara, a eterna roda do Karma.

sexta-feira, 28 de março de 2008

perdidos no espaço

Encontrar o tempo para praticar não é fácil. Todo aquele que já praticou qualquer esporte ou até meditação em silêncio sabe que em determinado momento, quando aparece uma janela na agenda e você percebe que poderia iniciar a prática, pode surgir uma vozinha dizendo “agora não, daqui a pouco eu faço”, ou então “acho que hoje não será um bom dia”, ou talvez “com certeza posso fazer isso mais tarde”, ou “agora preciso fazer aquelas compras/arrumar o escritório/ etc.etc.etc.”.
Ainda assim, algumas vezes vencemos a inércia e conseguimos sentar e praticar. Daí chega aquele momento em que você diz a você mesmo: “acho que já está bom”, ou então “preciso terminar para fazer isto ou aquilo”, ou então “não aguento mais, minha cabeça não para é além disso minha perna está doendo”, ou mesmo “ eu não sirvo para isso”, ou ainda “isso é uma tortura”. A lista é interminável, como também o-são nossos diálogos internos. O que será que nos faz seguir em frente? O que nos motiva a um minuto mais, alguns segundos mais?
Já falamos anteriormente sobre a inquietação, a curiosidade e a disciplina. Não sei se nesta ordem, mas são fatores chave para a busca. Se sentar para praticar sem curiosidade sobre o que poderá ser é o caminho mais certo para um longo suplício. Não cultivar a disciplina de frequência e tempo de prática é o caminho mais curto para a desistência. Não encontrar inquietação com o estar-vivo, com o que é a realidade, o amor, a compreensão, a existência ou a perecepção da mesma, é o não-caminho.
Dois pontos hoje me chamam a atenção.
O primeiro é como damos poder a estes diálogos internos.
Quando estas vozes aparecerem com força a seguinte questão: quem está falando? quem está com preguiça? quem acha que é hora de parar a prática? A resposta invariavelmente será: o bom e velho conhecido “eu”, a personalidade, o ego, que tem RG e sobrenome. Exige muito desprendimento, porém se você conseguir fazer esta pergunta, e mais ainda, encarar a resposta de frente, este diálogo certamente murchará.
O segundo é a falta de curiosidade.
Como podemos perder tão facilmente a capacidade de nos surpreender? A resposta normalmente passa pela memória: a primeira vez que vemos ou encontramos algo temos aquela doce e leve sensação de surpresa; na segunda vez a surpresa já não é tão intensa, lá pela quinta vez não temos mais grande interesse. O que passa é que registramos aquele objeto com um nome em nossa memória. Deste momento em diante quando nos encontramos novamente com o objeto nossa mente aciona o nome em nossa memória, buscando o significado a ele associado. Desta forma não nos relacionamos mais com o objeto “real”, mas sim com a nome/siginificado registrados em nossa memória. É fácil testar: mostre uma caneta esferográfica para alguém e pergunte o que é. A pessoa provavelmente responderá que é uma caneta, sem sequer fixar os olhos no objeto. Pergunte detalhes, e ela não saberá responder. Esta pessoa se relacionou com sua própria memória, não com o objeto a que foi apresentada.
Fazemos isso o tempo todo, e deste modo perdemos a chance de nos relacionar com o mundo. Presos em nossa rede de registros nos relacionamos umbelicalmente com nossas próprias idéias sobre o mundo, e nos privamos de conhecer o mundo. Para conhecer o mundo há que se esquecer do eu.
Os mais velhos devem se lembrar do robô de perdidos no espaço, que dizia “não tem registro” e daí pifava. Pois é...

sexta-feira, 14 de março de 2008

koans

" To see a world in a grain of sand
And a heaven in a wild flower
Hold infinity in the palm of your hand
And eternity in an hour"

William Blake: "Auguries of Innocence"

Recebi este belo poema esta semana de uma amiga, e achei que seria ótimo compartilhá-lo no blog. A ‘eternidade em uma hora’ me lembrou dos koans.
Koan... já ouviram esta palavra? Um koan é uma pergunta, uma colocação, que tem como resultado deixar nosso equipamento lógico de raciocínio ininterrupto – nossa mente - em suspenso. Suspensão, como naqueles momentos do cinema em que o herói (tipo... Indiana Jones) está fugindo dos bandidos pela selva (trilha sonora é uma orquestra em altíssimo volume e ritmo forte) e de repente cai em um precipício com um riozinho lááá embaixo. No momento em que ele começa a cair o movimento é mostrado em câmara super lenta, e a trilha sonora é apenas o som do vento. Este é um momento de suspensão.
O zen-budismo é a escola mais conhecida por fazer uso de koans.
O Koan, ao trazer uma pergunta sem lógica racional, traz a probabilidade de criação de um salto quântico em nosso labirinto linear mental. Como em um salto conseguimos enxergar além das paredes racionais de nossa memória. Por exemplo, um famoso koan é “qual o som de uma só mão batendo palmas?”. A surpresa pela pergunta sem resposta lógica pode – ainda que por um instate - deixar nossa mente em suspensão. E este é o momento mágico, em que podemos nos dar conta do que há antes da mente pensante, e que está sempre ali.
Porém o Koan mais famoso de todos os tempos é outro. A flecha deste koan é muito poderosa, mas só se torna real quando a pergunta é ouvida com total disponibilidade de coração, quando o alvo então se abre.
Este koan é curto e certeiro, não se amedronta, não se acanha, infinitamente busca seu alvo uma vez que seja lançado. “Quem é você?“. Eis aí o maior de todos os koan.
Ramana Maharshi, em sua didática exposição sobre o método de auto-inquirição, explica como esta simples pergunta pode ter efeitos devastadores sobre nosso moto-quase-contínuo de pensamento.
Especialmente quando se faz uma prática de silêncio interior esta pode ser uma linda chave. Normalmente reclamamos dos pensamentos que não param, reclamamos de como nos perseguem e grudam qual algodão doce em rosto de criança. Mas a vontade e o desejo de se livrar destes pensamentos apenas os torna mais persistentes, uma vez que estamos depositando nossa atenção neles (a atenção é o combustível vital dos pensamentos). Se neste momento pudermos nos perguntar – com verdadeira intenção e curiosidade – “quem sou eu? “, ou “quem percebe estes pensamentos?” , e e buscarmos profundamente a resposta, então haverá um instante de suspensão real. Isto ocorre porquê a atenção se volta para si mesma com o choque da não resposta imediata. Neste instante os pensamentos já não existem mais. Podem voltar se você voltar a levar sua atenção a eles. Mas também é possível que este estado de suspensao se sustente um pouquinho mais, e aí começa aparecer o gostinho de dar uma rápida lambida na mais saborosa compreensão e existência do que somos.E a cada vez que voltam os pensamentos, nos perguntamos novamente quem os percebe, e assim seguimos, e seguimos, na esperança da suspensão inesperada, do refresco de uma ducha de cachoeira inesperada após uma trilha ao sol.

segunda-feira, 3 de março de 2008

O trem e a bagagem

Neste último texto tivemos duas visitas ilustres nos comentários: T.S. Elliot e Spinoza... muito erudito este blog! Acho fantástico, espero que esta troca de visões e idéias esteja fazendo (algum) sentido para vocês.
Já dizia Ramana Maharshi, de modo um tanto simples, sobre a questão da ilusão da liberdade citada no comentário da Lara (Spinoza):

“Se você pega um trem porquê carregar sua bagabem pesada no colo? porquê não colocá-la no bagageiro, e deixar que o trem a leve?”
Neste caso o trem é uma analogia da vida em si mesma, do contínuo fluxo de Consciência que é o que existe, onde nós existimos e do qual não somos diferentes. Entretanto nós, do alto de nossa ignorância, assumimos como certo o fato de de termos controle sobre nosso caminho, e fazemos absoluta questão de continuar a carregar a bagagem pesada no colo. Assuminos como fato que somos separados e diferentes do próprio universo ao buscarmos a imposição de uma vontade pessoal.

Todas as linhas de busca tratam do tema ao explicar a experiência do desapego, do abrir mão, da entrega. Nesta analogia proposta por Ramana a entrega suprema parece tão simples: deixar o trem levar a bagagem e aproveitar a viagem!
Eis aí o que se busca afinal: a felicidade não está em tentar controlar o seu futuro através da sua vontade, mesmo que ao final se alcance a meta, mas descobrir a felicidade em cada instante de entrega à realidade. Abrir a janela do trem e sentir o vento no rosto.
Outro dia me dei conta de que vivo ainda sob a sombra de um aparente juízo final sobre a minha vida e meus atos. Herança sem dúvida de toda a história que vivi, do local em que nasci, do caldo de milênios em que brotei. Uma e outra e outra vez me dou conta e percebo a ilusoriedade que há nesta idéia de que há um “caminho certo” a seguir nesta vida, seja qual seja a dimensão a que nos refiramos.
Mas este final de semana em um pequeno momento me dei conta da sutileza da persistência deste conceito. Como uma tênue sombra ele permanece, como aquele interruptor que você só percebe ao não focalizá-lo no escuro. Como uma voz confortável e acolhedora, tão familiar... e tão ilusória.
Ali mesmo, escondida por trás desta idéia, está a esperança mais sutil e fundamental do “pequeno eu”, a esperança de existência e do controle.
O caminho está dado desde sempre, avante com passos largos! Sem espelho retrovisor e sem mapa, nosso livre arbítrio real é caminhar.

terça-feira, 19 de fevereiro de 2008

limites

Ontem conversava com uma amiga sobre a prática de meditação.
Ela me explicava que tentava praticar o silêncio, mas era difícil aguentar os 15 minutos que tínhamos combinado, então resolveu seguir tentando com 10 minutos, porquê “... assim eu conseguiria me concentrar mais nestes 10 minutos, e fazer uma boa prática, o que seria melhor que ficar 15 minutos menos concentrada...”. Quantas vezes eu já não pensei algo assim, e quantas outras ouvi de tantas outras pessoas.
Esta é só mais uma armadilha, uma das desculpas que encontramos para não seguir um pouco além do que parecem ser nossos limites. O que define seu limite? Por definição o limite não pode ser pensado... precisa ser experimentado.
Quem constrói as armadilhas? Quem conhece você melhor do que você mesmo, e assim monta a desculpa mais perfeita para convencer você mesmo de que já é hora de parar, ou de que hoje não é um bom dia para praticar, afinal estou cansado, afinal tenho que arrumar minhas coisas, afinal preciso ler este material para amanhã, afinal acho que não preciso disso hoje, afinal qualquer outra desculpa.
O dia tem 24 horas, e talvez em 17 destas você está em vigília (isto, é não está dormindo deitado, porque é bem capaz de estar dormindo acordado). Uma semana tem 7 dias, ou seja, 7x17 horas de vigília. Isto resulta em 119 horas na semana. São 7.140 minutos.
Digamos que você se proponha a praticar 3 vezes por semana, por 15 minutos. São 45 minutos na semana. 45 minutos de prática em 7.140 minutos de vigília: isto equivale a 0,6% ( ou 1/150) .
Quanto você dá de gorjeta ao garçon em um restaurante? 10%? Se você desse 2% de gorjeta para sua alma, para sua busca, você praticaria pelo menos 140 minutos na semana... ou 3 sessões de 45 minutos, ou 5 sessões de 25.
Parece muito pouco 15 minutos em um dia, mas na prática isto pode se tornar difícil. Sim, é preciso disciplina; mas é preciso muito mais interesse, curiosidade, inquietação e vontade. Não se pode esquecer que é a personalidade (o “eu”) quem desenha e projeta nossos ilusórios limites, nossas imensas desculpas. O “eu” tem um verdadeiro escritório de arquitetura e engenharia para projetar nossos edifícios de ilusão. O financiamento deste escritório é feito na moeda “hábitos de pensamentos”, que é produzida aos bilhões em nossa interminável agitação mental. Só quando se aquieta a agitação mental é que a Consciência – que acolhe o “eu” em sua ilusoriedade (Maya) – e que eterna e onipresentemente conhece a si mesma, se revela em todo o seu brilho.

sexta-feira, 8 de fevereiro de 2008

aquilo que conhece

Algumas perguntas on e off line surgiram sobre o último texto – um instante sem “eu” – e achei que seria legal continuar com o assunto, talvez trazendo um vocabulário mais adequado.
A cultura ocidental é muito pobre na compreensão daquilo a que damos o nome de mente. Nossos ferramental, incluindo nosso próprio vocabulário, não é particularmente bem desenvolvido para expressar as tão variadas facetas da busca do auto-conhecimento ou da espiritualidade. Somos – nós ocidentais – mestres no entendimento da matéria, na análise (estudo em partes), e mesmo quando estas partes nos levam inexoravelmente ao todo, como a física quântica demonstra, ainda preferimos nos apegar aos aparentemente concretos e conhecidos pedaços.
No oriente, como na Índia, por muitos séculos se desenvolveram o estudo e a busca do conhecimento de si mesmo. Foi através da experiência pessoal de grandes sábios que o conhecimento se formou e foi, de certo modo, tornado acessível para nós, que não temos esta mesma experiência pessoal (ainda). Assim a língua e a filosofia se tornaram reflexos desta prática diária, deste modo de viver que era embebido da busca.
Isto nos traz de volta ao “eu”, tão querido e complicado. Segundo a linha Vedanta há que se compreender profundamente as relações entre três pontos básicos da experiência de viver: aquilo que conhece, o conhecer, e aquilo que é conhecido. Quando começamos a brincar com o “eu” estamos tateando o primeiro conceito, “aquilo que conhece”. Às diversas possibilidades de relação entre o conhecedor e o conhecido se dá o nome de estados de consciência, sendo que o estado em que habitualmente vivemos se chama “estado de pensamento” (quando estamos em vigília) ou sono (quando estamos dormindo). Existem, entretanto, outros estados de consciência, em que a relação entre o que percebe e o que é percebido muda conforme nos aproximamos da não-diferença entre ambos. Ao nosso amigo “eu” só é dada permissão de existência no estado de pensamento... mas isso fica para outro dia.
De fato há que existir um “ponto no universo que percebe uma extensão um pouco maior dele, permitindo ao universo que ele se auto-deslumbre”, como disse o Tatit no último comentário – aliás a descrição me parece perfeita. A questão a esclarecer é que este ponto não é o “eu” psicológico, o “eu” que registra sua história, tem passado, sonha com o futuro, tem RG, e vai morrer um dia. Existe algo prévio ao “eu”: a Consciência; o “eu” é um objeto perante a Consciência – isto é, a Consciência percebe o “eu” - mas a Consciência não pode ser percebida pelo “eu”. Vamos tentar avançar mais um pouco.
Segundo o Vedanta Advaita (outras linhas de estudo adotam diferentes terminologias e visões) o que existe é Existência (Sat) Consciência (Chit) e Bem-aventurança, Amor (Ananda) absolutas. A partir daí, como reflexos menos sutis, surgem as existências mais ‘concretas’. Em nosso assim chamado órgão interno mental (antakarana) temos um assento do reflexo desta Consciência maíúscula (chamado Chidhabaasa, algo como consciência individual); a partir daí se distingue o que chamaríamos (sem precisão) a capacidade de inteligência (buddhi), a massa mental, ou memória (chitta), e a movimentação desta massa (manas). Ao sentido de propriedade que surge da ilusão de que este reflexo da Consciência é diferente da mesma, se dá o nome de ahamkara, ou ego, finalmente a raiz do nosso pequeno e adorado “eu”... ufa!! Ao longo da vida a agitação constante da massa mental (atividade também conhecida como pensamento) reforça quase ininterruptamente a ilusão de existência individual – “eu”. Por isso se ouve tanto que “meditar é aquietar as agitações da mente”. A prática da meditação (interna) se sustenta na busca da compreensão daquilo que conhece. Conforme se aquieta a agitação da massa mental começa a ficar mais evidente a existência deste reflexo da Consciência. Sempre esteve lá, mas a agitação não permitia que aparecesse. É como água com areia: enquanto a água está em movimento e a areia em suspensão o líquido fica opaco; quando o movimento cessa e a areia sedimenta a água volta a ficar cristalina. Quando há esta paz, toda a atenção se volta naturalmente para sua própria fonte (o reflexo da Consciência) e é como se uma porta se abrisse para dentro (e fora) de tudo o que existe, “permitindo ao universo que ele se auto-deslumbre”, pois aí já não há dualidade, não há diferença entre o universo e nós.

segunda-feira, 28 de janeiro de 2008

um instante sem "eu"

Amigos,
fiquei tão feliz de ver os comentários... acho que eles tem um papel de fermento - não adianta querer entender, responder, discutir de uma vez – aos poucos vão criando um caldo de paradoxos, pontos de vista, dúvidas e certezas, e são a própria razão de ser de um grande bolo-blog como este.
Dêem uma olhada na seção “olhos de gato” na parte final da página, vou autalizá-la de quando em vez. Acabei de atualizar, e coloquei uma citação de Ramana Maharshi, inspirado pelos comentários quew apareceream esta semana.
Ele explica algo muito simples, mas espetacularmente assombroso: a única coisa comum a todos os penamentos que você já teve na vida é a idéia de “eu”. Este “eu” é a raiz de cada pensamento, não há pensamento sem a noção de “eu”... e muito mais chocante: não há a idéia de “eu” sem pensamentos. Pois é, toda aquela imensa importância que damos a cada um de nossos pequenos desejos, problemas, futuros e passados só existem no exato momento em que pensamos! A questão é que pensamos quase o tempo todo, e daí advém a ilusória noção de continuidade deste “eu”.
OK, vamos a um exercício, já que seus “eus” estão esperneando com este último parágrafo: procurem se lembrar de um instante em que você estava totalmente tomado pelo que ocorria; pode ter sido uma incrível paisagem vista pela primeira vez, uma poesia que te deixou arrepiado, um momento de paixão sem ar, um filme fantástico, esperar para receber o saque numa partida de tênis, fugir de um cachorro aterrorizante, o instante em que você começa a pegar uma onda, brincar de corpo e alma com uma criança, ou qualquer outra situação em que tudo fluía, e você parecia fluir com tudo.
Este instante – ainda que tenha sido dois segundos – é um instante puro de presença. Toda a sua atenção se concentra em disponibilidade total para o momento que ocorre, para o instante, para o agora. Nada mais existe, exceto aquilo que acontece. Quando isto se passa, você não percebe a realidade como diferente de você mesmo; você percebe tudo como uma coisa só. Não existe, neste momento, um “eu” que perceba esta realidade – você e o mundo são uma coisa só.
Vamos tomar o exemplo de uma paisagem: você vê uma paisagem deslumbrante (por exemplo a baia de tubarões que vi em Fernando de Noronha), e ela parece que te hipnotiza e puxa, absorvendo você de você mesmo – por um instante a sensação é de que tudo existe, você é este tudo, não se percebe diferente daquilo que vive e observa. No momento seguinte você diz: “nossa, que paisagem linda que eu vi!” Pronto: aparece o “eu”, que se apropria de um momento do qual ele não fez parte, e procura costurar a sensação ilusória de continuidade de sua existência através dos fios da ilusão mental.
Assim construímos, dia após dia, uma fortaleza da idéia do “eu”.
Basta um instante de observação pura, de entrega real, de amor, de compreensão... todos estes são instantes em que nosso adorado bicho de estimação, nossa máquina de ganhar docinhos, nosso “eu”, nosso ego, não está presente. Basta um instante como este para percebermos a ilusoriedade sobre a qual sustentamos nossas falsas verdades. Basta perceber que não sabemos quem virou as páginas do livro tão interessante que líamos... basta se dar conta de que o instante de compreensão é puro e chocante, sem alguém que possa ter observado a própria compreensão ocorrer... basta amar sem esforço, sem deixar rastros da vontade do um quando só há a entrega para o outro.
E todos nós já vivemos centenas destes instantes em nossas vidas.

PS: “housekeeping”:
É possível, através do site, pedir para ser avisado quando há material novo, basta se cadastrar e escolher esta opção.

terça-feira, 22 de janeiro de 2008

museu de conhecimento

Nisargadatta uma vez disse: um homem acorda, e ao se olhar no espelho percebe que precisa se barbear; porque então procurar mais nove espelhos para encontrar a mesma resposta? Faz mais sentido ir se barbear de uma vez. Ele respondia a uma pergunta de um visitante sobre o livros e conhecimento no caminho do auto-conhecimento, da busca final. Ler alguns, e depois mais outro, e outro, sempre com a boa desculpa indulgente da procura pelo conhecimento. Porém este não é mais um campo da ciência ocidental, em que o acúmulo de conhecimento tem alto valor em dinheiros acadêmicos, irmão do acúmulo de riquezas na economia pessoal. A busca de auto-conhecimento necessita sim, na grande maioria dos casos, de conhecimento, e leituras são bem vindas. Porém a partir de um tênue ponto começamos a trocar a pesquisa e experiência real por uma interminável coleção de conceitos. Quantas vezes não mobiliamos um precioso museu interno de conhecimentos, que com o tempo nos traz mais orgulho e apego, nos distanciando mais ainda da procura por nós mesmos...
O que vale, sempre, em todos os casos, é a experiência individual. De nada vale o recitar de uma chuva de conceitos complexos sobre o silêncio interior se comparado a um único instante de experiência real de silêncio. Todos os livros, conhecimentos e conceitos, não passam de construções da mente e tem valor apenas quando podemos validá-­los e significá-los – ou não – através de uma experiência real.
Ao longo do caminho de busca é muitas vezes mais fácil e confortável ler um capítulo de um mais um novo livro de um autor famoso sobre como ser feliz do que buscar a disciplina de sentar, fechar os olhos e buscar a compreensão de si mesmo. É apenas mais uma armadilha do caldo de egoísmo da personalidade.
De modo análogo tratamos nós, em muitos casos, do caminho que imaginamos que devemos escolher para a busca. Desperdiçamos tempo precioso na ponderação sem fim em nosso conselho interno de vozes sobre qual a prática que devemos seguir, qual a linha a que nos adaptaremos melhor etc. É justo que tenhamos dúvidas, mas é preciso ter coragem de praticar e partir para a busca. Só com os primeiros passos será possível avaliar a trilha e o norte que devemos seguir.

sábado, 12 de janeiro de 2008

Docinhos

Recebi uma mensagem de um grande amigo sobre o último texto e resolvi – no melhor estilo blog – compartilhar parte dela.
Eu tinha escrito que a meditação ...é uma senhora misteriosa e esquiva, que aguarda sentada à mesa de um restaurante de endereço desconhecido a chegada de seu convidado – aquele disposto a buscar a fonte da inquietação mais primordial de seu ser.
Ao que meu amigo replica: “ a senhora sentada no restaurante talvez esteja sentada também no ponto de ônibus e na fila de trás da sala de cinema, quem sabe? Não acho que seja confortável olhar para ela ou esperar que ela me apresente, dá medo. Mas para quem despenca na trilha, as vezes a coragem é necessidade e não virtude! “ E logo em seguida: “para mim a aproximação das pessoas - de forma compreensiva, afetiva, amorosa, parece a parte maior desta busca. “
Sempre que conduzo trabalhos de auto-conhecimento – como a série de workshops chamada “Semeando” - fico impressionado com a importância do compartilhar. Quando uma pessoa se dispõe a compartilhar suas visões, pontos de vista, sensações, percepções, é muitíssimo comum que estas iluminem uma outra pessoa do grupo. Não raramente é nestas ocasiões que as “fichas caem”. Assim imagino que o nosso compartilhar, ainda que de maneira eletrônica, pode induzir a mesma natureza de efeito entre os que lêem e participam do blog. Por isso que fico feliz quando recebo estas mensagens, comentários, etc. Para aqueles receosos de participar, não se esqueçam do benefício que você pode estar gerando para os outros...
Então... como é que nos aproximamos das pessoas? Como podemos estabelecer relacionamentos verdadeiros enquanto não compreendemos nossos padrões mais básicos de comportamento? Basta um olhar um pouco mais cuidadoso sobre nós mesmos para nos darmos conta da incrível simplicidade desta máquina de ganhar docinhos chamada personalidade. Com um pouco de cuidado, atenção e (muita) honestidade com você mesmo, observe como você reage aos acontecimentos no seu dia-a-dia. Ao final do dia faça uma pequena introspecção rodando o filme do que ocorreu. Aos poucos você certamente se dará conta de que certos padrões se repetem como relógios. Você poderá ser dar conta de que não deseja mais continuar repetindo estas mesmas rotinas labirínticas pessoais, os onipresentes diálogos internos. E aí pode ser que você perceba algo um pouco mais assustador: é esta máquina de ganhar docinhos que controla você, e não o oposto.
Normalmente os relacionamentos são estabelecidos através de trocas – eu ganho o docinho que mais gosto da outra pessoa, para quem eu forneço o doce que ela prefere – isto acontece o tempo todo. Estes docinhos tem muitos sabores e embalagens: sentir-se vítima, dominar, ser reconhecido, ter culpa, ser visto como líder, ser diferente, ser o mais legal da turma, ser visto como aquele que ajuda a todos, ser o bonzinho, ser o perfeito, receber colo... e assim segue. As relações são muitas vezes mercantis, nesta troca energética brutal. Como podemos buscar relações em que estas trocas não sejam o que nos move?
O docinho dá a pista da raiz da formação da personalidade. É preciso encontrar esta raiz, pois apenas a luz da sabedoria pode desmanchar a ignorância. Porém há que ter cautela nesta pesquisa interior, pois esta máquina foi criada e cuidada com muito carinho, dedicação e amor... por nós mesmos. O processo de formação deste “eu” é necessário, mas após a maturidade é também necessário buscar a distinção entre este “eu” na busca eterna de satisfação de seus desejos e aquilo que é anterior a isto. O erro é confundir esta máquina de ganhar docinhos (“eu”) com quem você realmente É. Faz parte essencial da busca o exercício contínuo deste discernimento.
A prática de meditação nos ajuda também a perceber estes padrões, fortalece a busca do que podemos ser realmente, e escancara o desperdício e a ilusão de se viver em busca dos docinhos.