sexta-feira, 7 de novembro de 2008

Medo e certeza

“O medo é tão somente a ausência da certeza de Ser”. Assim, de modo fulminante, explica Ivan (Sesha) o sustentáculo de todas as nossas mais profundas justificativas para nosso arsenal de hábitos repetitivos tão intimamente conhecida como “eu”. E como nosso incansável operário padrão chamado mente tão raramente cessa de operar, nos é quase inalcançável a compreensão desta simples sentença. De fato, para a maquina de operações lineares conhecida por mente, tal compreensão é inalcançável.
Não consta do leque de possibilidades desta máquina compreender as grandes verdades (Mahavakyas, como por exemplo ‘Tat Tvam Asi’, ‘Tu és Aquilo’), assim como não consta do leque de possibilidades do ser humano voar (sem ajuda), ou como parece inconcebível para o círculo plano o volume da esfera.
Apenas através da prática, da busca incessante, do desapego dos desejos, é possível se tornar digno de compreender estas verdades. Sim, uma questão da dignidade, de amadurecimento do Ser. Através deste caminho sem mapas, sem quilometragem ou GPS, aos poucos (ou não) se esgarça o grosso tecido dos desejos sem fim da personalidade, e neste pequenos vazios que surgem da trama do tecido há um potencial risco de se compreender quem somos.
Daí que compreender que o medo é a ausência de certeza de Ser se torna talvez tarefa (ou diversão) para vida(s). Por agora bastaria para nós – potenciais discípulos da busca - que tomássemos um minuto para admirar nossa ignorância. Sentemos à beirada da montanha, abaixo este imenso vale, observando a grande obra: a ilusão de que somos separados do que vemos e vivemos. Deste cenário de ilusória solidão nasce o medo primordial, e desde este ponto – comum a todos nós – se abrem miríades de naturezas de medos e seus derivados, que são afinal os pilares da personalidade – do “ eu” – tão estudada pela psicologia.
O que nos cabe não é buscar mais justificativas para esta construção, mas sim buscar a realidade por entre e por trás desta construção.
Saber que existimos é um ato natural, é uma das poucas coisas que podemos ter certeza que sabemos, pois nos damos conta que somos. Esta compreensão sempre existe. O problema é a dúvida que aparece em seguida. Se não abrirmos brecha para a dúvida (prática, prática, prática, desapego, desapego, desapego), esta certeza permanece viva por um pouco mais de tempo. Neste momento não há pensamento que surja, pois a raiz dos pensamentos está na agitação mental, motorizada pela dúvida. A admiração genuína e profunda pelo fato de que existimos nos leva a uma quietude sem limites, quando é possível se dar conta da consciência que permeia o que se chama de espaço, se dar conta de que somos esta consciência que ilumina o espaço, e também o que quer que seja iluminado. Este é um estado de não-dualidade.

2 comentários:

Anônimo disse...

Olá, Marcos,

Gostei da idéia dos vários medos derivados de um medo primário, vindo da noção ou ilusão de separação e mortalidade.
Por outro lado, a busca de uma certeza do Ser (não-dual, não transitório, abrangente, sem pólos morais ou dilemas de escolha) sugere mais uma forma do "eu" lidar com suas angústias. Se a questão for só atingir um estado de não-dualidade, basta esperarmos, sem esforço, e em 50 ou 60 anos estaremos lá!
A certeza como contra-posição à angústia não é obrigatória e acredito que apenas uma extrema minoria chegue a este ponto de forma persistente e consistente.
A questão talvez seja mais como reduzirmos a angústia e levarmos bem a nossa vida - como indivíduos, que caminham um pouco e sempre na corda bamba!
Outro caminho possível seria aceitar a vida como uma flor ou perfume que decorre da matéria; aceitar que o real incorpora não só o visível e palpável, mas também os pensamentos, emoções e mesmo os sonhos; aceitar que estes meus pensamentos emoções e sonhos são parte da minha raiz e forma de compreeender a realizade; aceitar que assim como a flor e o perfume se vão eu também me vou algum dia.
Talvez a minha idéia seja dissonante no plano geral, mas a trilha é paralela - romper a automatização de comportamentos e idéias e os limites auto-impostos de percepção e expressão, entender e seguir mais o que temos em nós!

grande abraço,
Tatit

marcos thiele disse...

Salve Tatit, sempre é uma alegria ler seus comentários. Acho que são mesmo trilhas paralelas, e buscar, entender e seguir o que temos em nós, no nível mais profundo, é o infinito geométrico destas trilhas.
Sobre os 50 ou 60 anos de espera...talvez valha escrever um novo texto sobre a morte e o que se passa com a consciência individual do ponto de vista da tradição Vedanta, ou Budista. Talvez tenhamos que multiplicar estes anos por algums milhares de milhares, mas ainda assim, um dia chegaremos lá (ou não... hehehe).
abraço