terça-feira, 5 de maio de 2009

Retiro

Acabo de voltar do retiro. Cansado e feliz.
Existem algumas trilhas que simplesmente não nos são apresentadas enquanto caminhamos confortavelmente. Por mais que, deste modo, caminhemos.
Existem paisagens que só se mostram após a forja da vontade, da disciplina. As batidas, ferro e fogo que aos poucos moldam uma resiliência desconhecida dos hábitos confortáveis de nosso cotidiano.
Nosso cotidiano confortavelmente nos instala em nosso sofá do ‘eu’, em que toda a nossa coleção de hábitos reina em um reino não-disputado, o soberano ‘eu’ governa sem inimigos na sua prepotente ilusão de continuidade, permanência e realidade. Sem que percebamos cada pensamento, cada ação, cada intenção, tem todo o encharcamento dos desejos e vontades deste rei.
Por isso a importância de praticar, e ir além dos hábitos, escapar das fronteiras deste reino.
No retiro com Ivan a prática se cultiva e prolonga, propondo novas perguntas, sugerindo possibilidades que sequer podiam ser consideradas. O choque frontal do entrecortado ‘eu’ com a busca do que é Real gera uma crescente potencialidade de possibilidades.
Há que se seguir, seguir em frente. Nada a fazer exceto persistir, persistir na vigília relaxada, aquela única maneira de se vislumbrar o fabuloso mimetismo do ‘eu’, camaleão perfeccionista e bem-treinado. Seguir. E ainda mais um pouco. E mais.
E apenas quando limites que se fantasiavam com as roupas da trama do tecido do ‘eu’ como intransponíveis são ultrapassados é que brechas na massa mental e fissões no coração se abrem.
É neste umbral, que, instantes (minutos, horas?) antes trazia a garantia da pura loucura e nada mais, que, no instante seguinte (agora?) se apresenta a certeza da Consciência. E deste umbral podem-se abrir vales, céus e horizontes, tão potentes como é o silêncio mais completo, imensos e profundamente densos como apenas o vazio mais doce pode catalisar. Se deixar aí, sem nome e sem espelho, sendo apenas. Sendo.
E ainda assim, como tudo antes da última Realidade, impermanentes, temporários. Em apenas um outro instante se nos é novamente fechada a cortina, e sensações sutis de ‘eu’ retornam, garoa que logo se transforma na chuva cotidiana de pensamentos do ensopado indivíduo (jiva).
Porém estas paisagens, estes estados, deixam-nos traços vivos que mal-traduzimos na memória comum. E é este aroma sutil que nos guia a seguir perseguindo estas trilhas, seguir persistindo ante as inumeráveis quedas e escorregões. Pois bastam alguns instantes de vislumbre da eterna Presença para uma certeza de busca, ainda que tenha que ser, mesmo esta última, também eterna.

Lembrete: em final de agosto Ivan estará no Brasil, teremos workshop e retiro em São Paulo... não é uma oportunidade para ser desperdiçada, pelo menos não nesta vida.

Abraços a todos.

Nenhum comentário: