sexta-feira, 17 de julho de 2009

Van Gogh e o corredor

Uma das discussões que apareceu no workshop “O Som do Silêncio” foi sobre Van Gogh e o corredor. Neste caso não exatamente o artista e um atleta, mas sim um quadro do artista e uma passagem entre cômodos.
Imagine que você está visitando um museu e se depara de repente com um daqueles quadros do Van Gogh que parecem saltar da parede, as cores te puxam, o brilho e o movimento em um instante parecem estar dentro de você, ou você dentro da tela. A surpresa e a beleza se multiplicam para gerar um novo campo gravitacional de mentes em que o peso do seu corpo tende a zero, a percepção de distância e separatividade desaparece, e ainda assim – ou melhor, exatamente por isso – há plena consciência da realidade que se passa.
Porém logo em seguida nos distanciamos novamente do quadro, aparece uma voz que diz: “lindo este quadro, nossa, que sensação!” e pronto, o ego (personalidade) busca tomar posse de uma realidade da qual ele efetivamente não participou! Apenas o certificado de posse e o registro perfumado na memória permitirão a ilusão de que ele era testemunha daquele instante.
Então nos cansamos do quadro, e prosseguimos para o corredor. Nada de interessante em um corredor certo? O que fazemos? Sequer percebemos devidamente o corredor, apenas caminhamos mecanicamente para a próxima ala enquanto em nossa mente aparecem diversos pensamentos: “como ele conseguia pintar aquilo?”, ou “nossa como está cheio esse museu hoje”, ou “será que eles servem sanduíches na cafeteria?”, e assim por diante. Do ambiente do corredor mesmo não observamos quase nada.
Qual seria a atitude correta ao caminhar no corredor? Ora, prestar atenção ao corredor, às pessoas e ao caminhar, pois é assim que a realidade se apresentou naquele momento. Apreciar esta nova realidade com a mesma intensidade de atenção com que apreciou-se o quadro de Van Gogh!. Aí está a chave: a intensidade de atenção não deve variar por conta do interesse (gosto x não gosto, desejo x repulsa) que a realidade apresentada traz. A Realidade apresentada a cada instante é perfeita em si mesma (isto é idêntico ao “seja feita a vossa vontade”). Crer que você (!!) merecia algo diferente é a forma mais comum de ignorância, presunção e arrogância desta figura (ego) que sonha acreditar-se real.
Beleza, compreensão, amor, são alguns dos constituintes primordiais da Realidade última. Assim é natural que situações mais comumente relacionadas a estes constituintes nos aproximem desta expressão. Por isso se busca tanto hoje em dia a prática de esportes radicais por exemplo: situações extremas exigem alta intensidade de atenção, o que gera alegria, compreensão. Por isso situações “comuns” nos jogam aos devaneios. O truque está em perceber, nas situações mais intensas, quais são as chaves que nos movem a um estado de presença mais consistente, e aprender a acioná-las no restante de nosso dia a dia.
abraços

6 comentários:

Mila Thiele disse...

Perdi o workshop... :(
Mas adorei o texto!
Coincidentemente esta tarde vim tentando praticar este "estar presente" hoje no maior trânsito que esta 6a. feira paulista nos proporcionou - pensando mesmo em desfrutar aquela situação de alguma maneira, pois era o que se apresentava no momento. Chegando aqui, li seu texto - sim, confirma tanto a dificuldade como a necessidade em se exercitar isso no dia a dia.
Beijos,
Mila

marcos thiele disse...

Oi Mila,
quem sabe você consegue ir ao workshop do Ivan no final de agosto (vale muito a pena!).
Acho que o trânsito é um dos maiores desafios... mas só de se estar consciente de não querer se perder nas raivas e frustrações de um congestionamento já é uma grande vitória para nós.
bjs

Carla Vieira Weisz disse...

Tenho muito que me desprender... o texto traz uma complexidade profunda para reflexão quando você fala de sentir as coisas simples e apreciar a realidade. Acho que o caminho da meditação deve auxiliar e muito esta elevação do espírito. Espero que eu tenha a oportunidade de participar do próximo workshop pois estarei bem pertinho de dar a luz a Anna Helena que tem previsão de parto para o dia 03/09.

bj grande e obrigada por suas palavras.

marcos thiele disse...

Oi Carla, tomara que dê tempo de você participar. Acabei de mandar os e-mails com os convites para o workshop e para o retiro com o Ivan.
Valeu o comentário!
abs

Paula disse...

Pois eh, sai do workshop direto para as ferias e me deparei com diversos Van Goghs e corredores, todos os dias, durante 15 dias... Oportunidades diarias de exercitar a presenca com base num exemplo que discutimos.

Sem duvida tive outra qualidade de observacao nessa viagem e nos lugares por onde passei, mas o habito do raciocinio, do julgamento, da opiniao, da critica eh muito, muito forte.

Posso dizer que agora estou consciente do radio desgovernado que habita minha mente e que ganhar essa consciencia foi um grande passo.

Estar presente eh uma das coisas mais dificeis que ja tentei fazer... Mas sigo tentando.

E agradeco.

Beijos,

Paula

marcos thiele disse...

Oi Paula, não é incrível se dar conta do rádio desgovernado? É um grande passo. Uma boa pergunta é: o que te faz seguir tentando?
bjs
marcos