segunda-feira, 4 de julho de 2011

Kalpas e pedras

Outro dia meu filho mais velho me mostrou um vídeo na internet chamado “as pedras”, ou algo assim. Muito divertido, mostrava o mundo, a história, sob o ponto de vista de duas pedras. Mais interessante ainda, mostrava o tempo sob o ponto de vista das pedras. Para os humanos e animais que por ali viviam as pedras pareciam imóveis, mas a certa altura o filme passa a rodar na velocidade do tempo relativo das pedras. Como se cada dezena de anos humanos fosse um segundo para as pedras, elas interagem e conversam sobre a  rapidíssima ação humana. Cidades avancam e decaem em segundos, e ali estão as pedras dialogando.
Isto se assemelha à comparação entre a identidade egóica e aquilo que seria o observador final, nossa essência. Nossa idéia de personalidade - a ilusão de permanência e concretude - é como o tempo humano do filme: fulgaz, transitória, inconstante. Aquilo que observa é - um pouco - como as pedras: permanece, ali, sempre.
Diz-se na sabedoria hindu que um kalpa (um dia ou uma noite de Brahma) equivale a 1.000 yugas (eras), e uma yuga equivale aproximadamente a 4.320.000 anos. Assim um dia completo de Brahma equivaleria a 8.640.000.000 anos. Sem levar em conta cálculos, a idéia da relatividade é que importa. 
Nos movemos intensamente, desesperadamente, entre pensamento e ação, julgamento e expectativa, frustração e desejo, mais ação e mais pensamentos. Não temos o tempo para buscar a paciência e a diligência de sentar e observarmos a nós mesmos. Não temos a humildade de aceitar o instante e continuamos a depositar nossas fichas emocionais em uma caderneta de poupança a ser resgatada em um futuro quando tudo estará conforme sonhamos, um futuro que por definição não existe, não chega nunca. Não temos a coragem de abrir mão das indulgências mais confortáveis, nem das mais sutis. Assim permancemos mergulhados em nosso mar de criações, em nosso berçário de hábitos e tendências. 
Se nos decidirmos por um instante a advertir o que se passa naquele mesmo instante perceberemos que se dilui a diferença entre algo que faz e algo que recebe, entre sujeito e objeto, entre perceptor e percebido. Neste instante mesmo não há tempo. Se este instante é reconhecido toda a estrutura de certezas acerca de nossa idéia da permanência da personalidade e da necessidade de uma identidade egóica aparentemente independente começa a ser colocada em dúvida. 
De outro modo nos escapa, sempre, aquilo que esteve, está e estará eternamente ali. Aquilo que nos permite ser conscientes, conhecer, amar e existir. Aquilo que subexiste antes, durante e depois de nós. Aquilo para o qual o tempo não existe como variável.




Abraços,
Marcos

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