segunda-feira, 28 de abril de 2008

where to?

Por vezes me canso de navegar
ainda que sem direito, bem sei...

por vezes me canso de falar
me canso de ouvir
e de me ouvir
de tentar compreender o que pode ser
tentar ser o que não compreendo

por vezes me canso deste cansaço mesmo
do peso de vestir uma carne
do moto quase contínuo de respirar
de mais de um bilhão de batimentos

por vezes me assusto
instantes em que a dúvida congela o discernimento
o apego me ancora na ignorância
e as sombras iluminam cercas maiores que os caminhos

sem o mapa do conforto do corpo
sem as coordenadas do buscar um sentido com final feliz
sem a bússola das crenças construídas de argila mental
busco o norte nas estrelas

para onde ir?

por vezes vislumbro no meu céu
sem névoa ou dúvida
sem perguntas
sem quem pergunte
as sussuradas sílabas iniciais de uma resposta

Ir sem retorno
a volta nunca será para onde se partiu
Ir
para onde se espera,
se espera,
e se espera
um pouco mais
e enquanto nada mais se passa
o esperar deixa de ser temporal
se desnuda como uma existência em si mesma

Ir
onde a existência brilha poderosa e brutal
cega os sentidos imaturos e decepa membros ineptos
onde Ser sem interrupção tempera a estrutura mental
onde a suave e crescente compreensão do que É
acaricia uma super-nova
a semente do amor

Ir logo ali
ali onde o onde já não traz significado
posto que é sem resposta
local sem endereço
do diverso para o um
da área para o ponto
da certeza para a potencialidade

Às vezes isto tudo não é mais que um segundo
um sussurrado vaga-lume
farol entre penhascos na noite de tempestade
continuo navegando

2 comentários:

Anônimo disse...

Disse Amiel que uma paisagem é um estado de alma, mas a frase é uma felicidade frouxa de sonhador débil. Desde que a paisagem é paisagem, deixa de ser um estado da alma.
Objetivar é criar, e ninguém diz que um poema feito é um estado de estar pensando em fazê-lo. Ver é talvez sonhar, mas se lhe chamamos ver em vez de lhe chamarmos sonhar, é que distinguimos sonhar de ver.
De resto, de que servem estas especulações de psicologia verbal? Independentemente de mim, cresce erva, chove na erva que cresce, e o sol doura a extensão da erva que cresceu ou vai crescer; erguem-se os montes de muito antigamente, e o vento passa com o mesmo modo com que Homero, ainda que não existisse, o ouviu. Mais certa era dizer que um estado da alma é uma paisagem; haveria na frase a vantagem de não conter a mentira de uma teoria, mas tão somente a verdade de uma metáfora.

Fernando Pessoa, Livro do Desassossego

Anônimo disse...

"Reconhecer a realidade como uma forma de ilusão, e a ilusão como uma forma de realidade, é igualmente necessário e igualmente inútil."

Será também Fernando Pessoa? (Bernardo Soares, Livro do Desassossego)