quarta-feira, 14 de abril de 2010

Presente

Segundo a linha Vedanta Advaita a realidade pode ser compreendida a partir de alguns cânones fundamentais. Um deles estabelece a identidade entre a mais profunda essência do indíviduo (Atman) e a Consciência absoluta (Brahman). Esta realização é o objetivo último da existência. O caminho para se chegar a isto requer que nossa interface com a realidade se dê de modo apropriado, de modo válido. Eis aqui um ponto importante: não se propõe que outros modos de “estar vivo” não são válidos em si mesmos; se propõe apenas que outros modos não são válidos para o caminho de realização do Ser.
Assim, quais as características deste modo válido de estar vivo?
A maneira mais simples de se explicar este modo de vida é através do conceito de presente.
A aparente simplicidade do conceito de presente esconde uma série de condições e hábitos dentro de nossa labiríntica mente linear que impedem a compreensão real e experimentada do mesmo. Todos nós sabemos racionalmente o que é o presente, entretanto normalmente não o-experimentamos. Todos nós já vivemos instantes plenos e intensos de presença, entretanto sua fugaz natureza desafia nossa mais arraigada crença de controle sobre a vida.
O Presente é tudo aquilo – e apenas aquilo – que esta sucedendo no aqui e agora. Não é o passado: aquilo que já aconteceu há um instante ou há dez anos. Isto é memória em movimento. Não é o futuro: aquilo que poderá acontecer segundo nossas fantasias, e que ao final é projeção de memória em movimento.
O presente é sempre aquilo que a Natureza, a Realidade, nos apresentam neste exato momento. Se você está lendo este texto a Realidade apresenta para você a oportunidade de lê-lo. Nada mais. Do mesmo modo, a Realidade apresenta cada instante de cada dia de cada ano por toda a vida. Aprender a habitar este universo chamado presente é a arte do buscador da verdade.
A chave para este universo está em aprender a abrir mão dos apegos e da ilusão de controle. Para compreender o capítulo de apegos basta lembrar dos seus mais habituais devaneios: são como adesivos que você cola em frente à realidade para não ter que vivê-la, adesivos que trazem (a partir da memória) situações, pessoas, emoções ás quais você se apega por hábito. Já a compreensão da ilusão de controle é um pouco mais sutil: normalmente guardamos uma crença de que conseguimos (e devemos) controlar nossa aparente realidade, entretanto isto é absolutamente impossível. Você não pode dizer com certeza se estará vivo dentro de 15 minutos! A prova mais cabal da ilusão está exatamente no fato de que não conseguimos “controlar” a própria presença no aqui e agora, inevitavelmente voltamos aos devaneios. Abrir mão da tensão (da ilusão) do controle e do prazer dos apegos é condição para Presença. De fato nosso dia a dia habitual expõe de modo claro como somos realmente fantoches da mimada personalidade (aquela mesma que tem certeza que controla o rumo de sua vida, que vive e morre pelos prazeres e gostinhos emocionais). É um paradoxo: uma personalidade ilusória (pois foi criada a partir de hábitos e pensamentos) se crê concreta e assim nos aprisiona ao mundo da memória (em que supomos ter liberdade de “escolher” nossa realidade). A saída? Ora, o Presente. Porquê? No Presente não há personalidade. Ao abrir mão do controle e dos apegos, ao se entregar ao que se sucede, se ganha a liberdade. Mais no próximo texto.
Abraços

PS: novo vídeo de Sesha (aqui acima) sobre a “virtude”; vale a pena ver, são 7 minutos.

4 comentários:

Didi disse...

Oi Thiele, fico pensando, por exemplo, em como tomar decisões e fazer escolhas (só) no presente... fazemos escolhas o tempo todo, agora escolhi parar e ler o post, consciente das consequências de priorizar essa possibilidade em detrimento de outras... então pensei no passado (minhas experiências com seus posts sempre foram bacanas) e no futuro (vou demorar mais pra chegar em casa), mas decidi ler e me concentrei... será essa também uma ilusão de controle? tks pela reflexão... Paula

Anônimo disse...

Oi Thiele,
Claro , objetivo, simples e...intrigante. Como estou tão longe desta possibilidade. Minha "ambição" desenfreada não me deixa ver. Chega ser hilário como andam as formiguinhas nesta mente incessante.
ADOREI. Merecia ler isto hj.

Bjs e obrigada,
Ro Polmon

Anônimo disse...

Thiele, chegar da meditação - tão rica - e completar o caminho deste dia com seu texto tornou meu presente mais próximo e compreensivel.
Gostei principalmente de sua metáfora sobre o adesivo que sobrepomos à realidade.
Descolando os adesivos, desvendando os apegos e desfazendo as ilusões, vou buscando abrir esse pscote e apreciar esse presente.
Obrigada pela clareza na exposição, pelo carinho nas dificuldades... e por compartilhar o encontro.Ligia

marcos thiele disse...

Oi moçada, muito legais os comentários!
Ro, se a ambição realmente não te deixasse ver você não perceberia (verdade)!
Paula, ótimas perguntas, vale uma boa conversa no próximo encontro. De fato todo controle é ilusão. Nós não somos realmente agentes das ações... fazemos parte de uma movimento maior, e nos acreditamos fazedores... e decisores... mas o curso já está estabelecido.
Ligia, nós é que agradecemos pela sua presença e disponibilidade!
bjs