sexta-feira, 11 de fevereiro de 2011

Trabalho e Espiritualidade

Ontem em alguma das redes sociais passei por uma discussão mais ou menos assim: “não seria ótimo se as empresas tivessem salas especiais de meditação onde as pessoas pudessem entrar em contato com sua espiritualidade durante o dia...”, e todos concordando que sim. 
Muito simpático, mas errado.
O raciocínio parte de uma premissa fundamentalmente falsa: a espiritualidade como um campo diferente do restante da realidade diária. Se existe algo que podemos chamar de espiritualidade este algo “é” - simplesmente - antes de qualquer construção mental acerca de seu ilusório desenvolvimento ou evolução.
Não devemos perseguir, no meio de um dia intenso, alguns momentos de tranquilidade em um silencioso quarto com incenso e almofadas. Isto nos levará à criação de um hábito de separação: a “espiritualidade” só pode acontecer em alguns momentos do dia, sob condições especiais, e no restante do dia a dia voltamos para a “selva” personalística.
É um hábito perverso, pois guarda uma armadilha um pouco mais sutil: se durante 99% do seu dia você está submerso em pensamentos labirínticos da identidade egóica, a inércia certamente fará com que naqueles 15 minutos de espiitualidade silenciosa em um quarto especial simplesmente continue jorrando todo o mar de devaneios do “eu”. Silêncio real não haverá.
De fato, não seria ótimo se as pessoas pudessem estar presentes e ativas, em ação no mundo integralmente, naturalmente imersas no silêncio da presença em todos os momentos de seu dia a dia? Quem precisa de um quartinho especial de 20 metros quadrados quando toda a extensão da realidade está à nossa disposição para experimentar e viver cada instante?
Este é o modo de trabalho pleno, a vida em tempo zero, um contínuo insight sobre as ações e decisões que devemos tomar. Não há peso ou importância, pois quando se está imerso no aqui e agora não se busca um benefício pela decisão tomada ou um fruto decorrente da ação executada. Esta leveza é o respirar da liberdade. Isto não deve ser buscado em ‘outro lugar’, naquele emprego ideal, na pousada na praia... Isto está disponível agora, neste emprego exato, nesta circunstância atual. A presença não é condicionada a um “eu” que gosta (ou não) de uma situação. Não existe uma realidade “melhor” que outra para se estar atento e presente. E não existe outra realidade senão aquela que você está vivendo exatamente agora.  
Devemos perseguir a atencão integral - constante em intensidade e contínua no tempo - ao que acontece a cada momento, àquilo que nos é demandado pela nossa trilha de caminho na vida, nossa realidade, isto é o Dharma. Discernir o que o momento presente demanda de cada um de nós é um grande tesouro da prática meditativa, o graal do auto-conhecimento.


Abraços,
Marcos

2 comentários:

Paula disse...

Essa é uma idéia recorrente, de que é preciso se afastar da agitação do dia a dia para encontrar paz, tranquilidade, equilibrio. Confesso que em momentos difíceis, tenho recorrido à prática interna para encontrar equilíbrio e evitar atitudes impulsivas, mas o primordial é que a prática nos ajuda a perceber o quanto nos afastamos da realidade, criando o nosso mundinho paralelo.

Ro disse...

Difícil...pessoas como eu que vivem em "pop-up" , se alimentam e até se orgulham destacondição, tem cura? Sinceramente , me vejo muito distante desta possibilidade