segunda-feira, 13 de junho de 2011

Guga não-dual

Seguindo com as experiências reais de pessoas “comuns” que nos transmitem um pouco do que são estados de presença vou compartilhar um trecho da entrevista de Guga a Juca Kfouri. Guga explica o que ocorreu em um jogo de oitavas de final de Roland Garros:
“... foi uma sensação muito forte, a mais forte que senti em quadra... muito envolvimento, entrega total... atingi um nível de felicidade, de contemplação do todo... ao mesmo tempo observava a torcida, batia na bola, tudo... um grau de concentração tão alto, tão eficaz... experiência de estar acima, em algum lugar, mas não no padrão normal de sensações... muito forte.”
Este é um estado de consciência em que não há um “eu” que bata na bolinha, há um fluir com a realidade que ocorre, um fluir espontâneo e sem dúvida. Este jorrar de certeza advindo da reação natural ante o que se passa produz a ação correta, uma ação que não busca um fruto específico, nem é imaginada sendo controlada por um sujeito diferente da própria ação.
Como se origina um estado como esse? Bom, podemos começar por uma certeza: um estado de presença não se origina pelo desejo de alcançá-lo... tampouco pela dúvida de alcançá-lo. Tanto desejo quanto dúvida são perturbações criadas pela agitação mental, e denotam a existência de um “eu” psicológico que se crê capaz de alcançar algum outro “estado”. Há que se recordar de algo fundamental: este “eu“ não possui existência em si mesmo, não existe realmente quando estamos presentes. Este “eu” só possui existência real se prensado. Assim, qualquer estado de atenção no instante presente é um estado de inexistência - ainda que ultra momentânea - do “eu”. Por isso este sujeito nunca estará presente, nunca viverá um estado de presença. Haverá, claro, a memória, ou pelo menos uma sensação. Observem como é difícil explicar um estado como esse descrito acima. A memória não é um atributo da personalidade, a memória é um componente da mente que existe por termos a capacidade de sermos conscientes. Não deixa de haver consciência em um estado de presença, e é natural que haja um tipo de informação residente que é oriunda daquele estado. Nosso “eu” então busca se apropriar da sensação criando a ilusão de ter vivido aquele instante. Mas isto é apenas um golpe barato de quem nunca poderá viver tais instantes.
Um estado de presença se origina de maneira natural e espontânea, quando colocamos nossa atenção plena naquilo que se sucede no instante presente, seja o que seja. Vejam como Guga cita a palavra “entrega”.
Outra palavra para se lembrar: “eficaz”. Um estado sem interferência de um “eu” que busca fruto ou se apropria do que parece fazer é paradoxalmente muito mais eficaz. 
Um último ponto divertido: a falta de referência espacial: ao mesmo tempo ver a torcida, bater na bolinha, estar acima... a atenção focada nos objetos da realidade (bolinha, adversário, torcida) leva a uma permanência da atenção nestes mesmos objetos, e não em si mesmo. Isto é exatamente o que se propõe como prática meditativa externa. Com a permanência da atenção nos objetos, deixa de haver um sujeito auto-referenciado que executa a ação, a atenção está em vários objetos simultaneamente. Se o “eu” sujeito que executa ações e tem história não está presente, porém a ação é executada com eficácia e existe consciência do que se passa, quem é consciente? 
Isto quer dizer que o próprio sistema (bolinha, raquete, jogador, torcida) é consciente do que se passa.
Realmente do ponto de vista não-dual, em última instância, não existe consciência individual... Consciência existe previamente e como condição subjacente a qualquer ato ou objeto. Apenas percebemos um leve desvelar da ilusão da consciência individualizada em estados de intensa presença.


Abraços,
Marcos

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