quarta-feira, 5 de maio de 2010

Estados possíveis

O modelo do átomo nuclear - análogo ao sistema planetário – é aquele que mais comumente temos como representação do mundo atômico, e traz de modo subjacente a idéia de bolinhas concretas, massa firme, como bolas de bilhar. Algo concreto,observável, “real”.
A física quântica avançou neste campo e concluiu que não existem tais “bolinhas”, mas sim faixas (degraus) em que existem ondas de probabilidade de existência de matéria. Esta função de probabilidade da onda é que define sua natureza. Há uma probabilidade de a partícula estar em determinada região ou em outra dentro destas faixas. Os estados de existência são determinados pela probabilidade de ocorrência nestas faixas. A energia existe fisicamente em pacotinhos de tamanho determinado, e as condições de existência da matéria são neste sentido “quantizadas”, ou seja, existem regiões em que é permitida a existência. Por isto se usa a expressão saltos quânticos, há um salto de uma faixa a outra, sem que se percorra um caminho entre as duas.
O Vedanta Advaita explica a realidade através da relação observador-objeto de modo análogo. Existem níveis possíveis de relação entre aquele que observa e aquilo que é observado, são faixas de probabilidade de nos relacionarmos no mundo. Analogamente à física é possível “saltar” de um estado para outro, mas sem que se percorra um caminho. O ocidente reconhece dois níveis de consciência: vigília e sono. Para o Vedanta existem cinco estados possíveis: sono, pensamento, observação, concentração e meditação. A realização de si mesmo ou estado último, é chamado samadhi. Estes estados são analisados e explicados por Patanjali, Sankara, e em mais detalhes e de modo mais didático por Sesha.
Conforme nos relacionamos de modo mais ou menos presente em relação à realidade podemos nos encontrar em um ou outro estado. A questão fundamental para nós - aprendizes de aprendizes - compreendermos é que o agente de percepção (sujeito) que é consciente do que ocorre em cada um dos estados é diferente. O sujeito a que estamos habituados é a personalidade, o “eu”, que está presente no estado de pensamento. Como nos habituamos a viver 99,9% do tempo pensando, nos habituamos a acreditar que o “eu” é o único agente de percepção que existe. É um grande engano. Este “eu” necessita ser pensado recorrentemente para existir; em outros estados de relacionamento consciente com a realidade outros agentes de percepção (testemunhas) são conscientes do que ocorre. O estado mais profundo e pleno de consciência – a meditação – por exemplo, tem como agente consciente o Atman, nossa essência mais profunda. Nas palavras de Sesha “Atman é aquele agente cuja condição consciente, ao conhecer tudo o que potencialmente existe, não detecta o conhecido como diferente de si mesmo”.
O estado mais “próximo” de nossa habitual e pensada realidade que traz um agente de percepção que não é o “eu” é chamado de observação (pratiahara em sânscrito). Este é o estado que em nossa linguagem comum descrevemos como “estar muito concentrado no que faz”. Já neste estado não há o comum sujeito “eu”, mas, claramente, há consciência. O instante de surpresa ante uma pintura espetacular, um atleta em plena competição, um músico virtuoso se apresentando, a leitura de um livro que se gosta muito, são exemplos de estado de observação. São instantes em que o “eu” não se encontra, instantes em que somos mais presentes, mais produtivos, mais plenos e vivos. Instantes que logo fogem quando acionamos de volta o mecanismo da memória, e em um salto quântico reaparece o “eu”, buscando se apropriar de um momento que não viveu.
A prática interna e externa possibilitam que comecemos a reconhecer em que estado nos encontramos: sono? pensamento? observação?... Este músculo do discernimento que começa a ser desenvolvido é o sustentáculo da trilha do auto-conhecimento.


abraços,


marcos

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