quarta-feira, 12 de maio de 2010

O que permanece?

A raiz do sofrimento humano é a mudança. Uma grande fundamento dos ensinamentos do budismo é a impermanência. A compreensão - ainda que em seus estágios iniciais – da realidade mostra quão ingênua e profunda é a crença no controle e na permanência. Em toda a área e volume do castelo interno construído sob a ilusão da personalidade não existe sequer um tijolo que seja permanente. Escolhendo o exemplo mais doído: a própria personalidade é absoluta e inevitavelmente impermanente; para não gastarmos argumentos basta considerar a morte. A história pessoal cimentada na memória busca incessantemente a propriedade de continuidade e identidade única, quando basta um exame mais límpido para percebermos como a própria trilha histórica deste “eu” é uma colcha de retalhos mal costurada, com identidades variadas e variantes, tanto em relação a situações específicas quanto em relação à passagem do tempo. Então o que resta no nosso mundo interno que seja permanente?

Naturalmente toda a realidade externa percebida é absolutamente impermanente; a natureza o demonstra a cada ciclo, a cada era glacial, a cada ano, a cada minuto. Um bosque observado às 9h11min30seg não o mesmo bosque observado às 9h11min31seg. Por um outro lado toda a estrutura do universo é dinâmica. Quando olhamos pelo microscópio a constituição das partículas atômicas é intrinsecamente incerta (Heisenberg), vazia e em movimento. Quando olhamos pelo telescópio a constituição das galáxias e do universo distante basicamente existe vazio e movimento – e incerteza. Então o que resta no mundo externo que seja permanente?

Ainda mais, porque cargas d´agua haveriam de ser permanentes justamente as condições de existência de nosso pouco humilde “eu” se acreditando atuante, importante e real?

A condição de permanência em nosso mundo de pensamentos está intimamente vinculada à crença e necessidade de controle. Necessitamos do conforto psicológico de acreditar constantes certas referências. Referências externas (casa, cidade, família, emprego) e referências internas (identidade). São todas referências em constante mudança. E cremos que podemos controlar o andamento do mundo de acordo com nosso próprio óculos – engano brutal, não há nada que possa ser controlado neste sentido. A memória presta uma ajuda enorme em solidificar a ilusão de controle pois cria uma mesma imagem que se sobrepõe ao presente, à realidade. É por isso que o bosque das 9h11min31seg não parece diferente daquele das 9h11min30seg.
Enquanto nos identificamos através de referências, a cada vez que há mudanças nestas referências há sofrimento. A mente, em sua porção “ahamkara”, fundamenta a ilusão da posse sobre a realidade através das referências criadas, sendo a mais sutil de todas a noção do “eu” contínuo.

Assim o processo de prática meditativa – ao final o caminho do auto-conhecimento – é um contínuo despertar para a ilusão do que parece calçar nossa identidade. A busca sem descanso do que de fato permanece ao longo de todas as experiências pode nos levar a compreender com discernimento quem somos e o que é o mundo. Nisargadatta disse algo como “aquilo que não é real nunca existiu, aquilo que é permanente nunca morre”.


abraços


marcos

Nenhum comentário: