quarta-feira, 28 de julho de 2010

Ensinamento e aprendizagem

Diz Sesha que o ensinamento (do ponto de vista da busca da compreensão maior das grandes tradições) não é mais que o processo de mudança de hábitos mentais. Com o tempo os hábitos mentais são reduzidos em quantidade, e com isso o sistema todo fica mais próximo (isto é, aumenta a probabilidade) de estar atento àquilo que se sucede no presente.
Somos mestres em construir e nutrir inúmeros hábitos mentais, colcha de retalhos que é o genótipo de nossa personalidade. Uma vida normal nos leva a dar a ignição nestes hábitos permanentemente, a cada hora do dia, em nosso trabalho, com a família, amigos, e especialmente sozinhos. Existe a crença de que há de fato um “eu” que age, controla, e é por princípio carente (de amor, de atenção, etc.) pois a pedra fundamental de sua construção é a separatividade do todo (!!) já que se não houvesse o filtro da separatividade não haveria porque conceber uma identidade egoísta diferenciada. É por isso que todos nós temos, como tijolo fundamental da construção da personalidade, a carência de algo, e a partir disso se desdobram, conforme as condições de prarabda karma, os diferentes modelos de máscaras e relacionamentos. A compreensão desta carência básica é passo crítico para a aquietação. A não-compreensão acelera o girar eternos das rodas dos hábitos mentais.
Conforme amadurece a percepção do que somos realmente e se disciplina o velho macaco louco (a mente na metáfora budista) os hábitos mentais murcham, começam a exercer menos poder, e aos poucos são esvaziados. Com o tempo ficam menos e menos hábitos mentais, os desejos se sutilizam, e é mais provável que o sistema esteja mais atento ao que se passa a cada instante - ao Presente - e não perdido no labirinto interno. Aos poucos estar imerso na brilhante corrente do presente se torna mais provável, e custa mais voltar ao labirinto dos hábitos mentais. E assim se segue o processo de compreensão.
Outro ponto fundamental da aprendizagem e amadurecimento é que durante os ensinamentos e práticas há instantes - ainda que fugazes - de presença, de compreensão em um nível mais profundo, fora do campo da mente linear. São instantes em que parece que o universo todo está ali. Estes momentos muitas vezes não carregam imediatamente um entendimento racional, por vezes se assemelham a nuvens de quase-compreensão, como se algo certamente tivesse se passado, mas não sabemos determinar o que. Estes momentos são como sementes que ficam latentes, sementes nutridas da presença real que existia naquele momento. No tempo adequado da vida estas sementes começarão a crescer e a compreensão se fará clara. Mas atenção: o momento adequado normalmente não é aquele que o “eu” espera.
Assim se dá o processo real de aprendizagem e desenvolvimento da compreensão. Não é um processo linear, são saltos - para cima, para baixo e para os lados - como um processo dinâmico, turbulento, caótico: a ordem que existe não é reconhecida pela mente que raciocina e que suporta as justificativas e expectativas do “eu”.
abraços
marcos

Um comentário:

Paula disse...

Incrível como este texto chegou em um momento em que passei a compreender a origem de alguns comportamentos do meu "eu" carente, que há tempos me sentia refém. A disciplina com a prática e a observação/percepção da tão falada simetria (o que acontece externamente, reflete-se internamente e vice-versa)foram fundamentais para que esta compreensão viesse à tona. Obrigada! Nos vemos mais tarde. Abs