sexta-feira, 28 de março de 2008

perdidos no espaço

Encontrar o tempo para praticar não é fácil. Todo aquele que já praticou qualquer esporte ou até meditação em silêncio sabe que em determinado momento, quando aparece uma janela na agenda e você percebe que poderia iniciar a prática, pode surgir uma vozinha dizendo “agora não, daqui a pouco eu faço”, ou então “acho que hoje não será um bom dia”, ou talvez “com certeza posso fazer isso mais tarde”, ou “agora preciso fazer aquelas compras/arrumar o escritório/ etc.etc.etc.”.
Ainda assim, algumas vezes vencemos a inércia e conseguimos sentar e praticar. Daí chega aquele momento em que você diz a você mesmo: “acho que já está bom”, ou então “preciso terminar para fazer isto ou aquilo”, ou então “não aguento mais, minha cabeça não para é além disso minha perna está doendo”, ou mesmo “ eu não sirvo para isso”, ou ainda “isso é uma tortura”. A lista é interminável, como também o-são nossos diálogos internos. O que será que nos faz seguir em frente? O que nos motiva a um minuto mais, alguns segundos mais?
Já falamos anteriormente sobre a inquietação, a curiosidade e a disciplina. Não sei se nesta ordem, mas são fatores chave para a busca. Se sentar para praticar sem curiosidade sobre o que poderá ser é o caminho mais certo para um longo suplício. Não cultivar a disciplina de frequência e tempo de prática é o caminho mais curto para a desistência. Não encontrar inquietação com o estar-vivo, com o que é a realidade, o amor, a compreensão, a existência ou a perecepção da mesma, é o não-caminho.
Dois pontos hoje me chamam a atenção.
O primeiro é como damos poder a estes diálogos internos.
Quando estas vozes aparecerem com força a seguinte questão: quem está falando? quem está com preguiça? quem acha que é hora de parar a prática? A resposta invariavelmente será: o bom e velho conhecido “eu”, a personalidade, o ego, que tem RG e sobrenome. Exige muito desprendimento, porém se você conseguir fazer esta pergunta, e mais ainda, encarar a resposta de frente, este diálogo certamente murchará.
O segundo é a falta de curiosidade.
Como podemos perder tão facilmente a capacidade de nos surpreender? A resposta normalmente passa pela memória: a primeira vez que vemos ou encontramos algo temos aquela doce e leve sensação de surpresa; na segunda vez a surpresa já não é tão intensa, lá pela quinta vez não temos mais grande interesse. O que passa é que registramos aquele objeto com um nome em nossa memória. Deste momento em diante quando nos encontramos novamente com o objeto nossa mente aciona o nome em nossa memória, buscando o significado a ele associado. Desta forma não nos relacionamos mais com o objeto “real”, mas sim com a nome/siginificado registrados em nossa memória. É fácil testar: mostre uma caneta esferográfica para alguém e pergunte o que é. A pessoa provavelmente responderá que é uma caneta, sem sequer fixar os olhos no objeto. Pergunte detalhes, e ela não saberá responder. Esta pessoa se relacionou com sua própria memória, não com o objeto a que foi apresentada.
Fazemos isso o tempo todo, e deste modo perdemos a chance de nos relacionar com o mundo. Presos em nossa rede de registros nos relacionamos umbelicalmente com nossas próprias idéias sobre o mundo, e nos privamos de conhecer o mundo. Para conhecer o mundo há que se esquecer do eu.
Os mais velhos devem se lembrar do robô de perdidos no espaço, que dizia “não tem registro” e daí pifava. Pois é...

Um comentário:

Anônimo disse...

Thiele,
Brilhante sua colocação sobre a memória, é um "De Para" da realidade com um significado, e não com o que de fato está em nossa frente.

Exemplos não faltam, desde aquele carro zero que você tira da concessionária com todo cuidado, evitando buracos, e poucos meses após nem mais lembra que existe (mal leva pra lavar), até mesmo no extremo onde não se vê mais graça em uma namorada com o passar do tempo.

Para piorar, muitas vezes a impressão (ou desculpa) que temos para isto é que "o ser humano é assim mesmo, se acostuma com tudo, ou.....nunca está satisfeito, etc, etc...".

Vamos continuar "brigando" com o "eu", motivados pela empolgação de aprender e descobrir o novo, que certamente é mais próximo da realidade.

Abraço. RB




quando nos encontramos novamente com o objeto nossa mente aciona o nome em nossa memória, buscando o significado a ele associado. Desta forma não nos relacionamos mais com o objeto “real”, mas sim com a nome/siginificado registrados em nossa memória. É fácil testar: mostre uma caneta esferográfica para alguém e pergunte o que é. A pessoa provavelmente responderá que é uma caneta, sem sequer fixar os olhos no objeto. Pergunte detalhes, e ela não saberá responder. Esta pessoa se relacionou com sua própria memória, não com o objeto a que foi apresentada.
Fazemos isso o tempo todo, e deste modo perdemos a chance de nos relacionar com o mundo. Presos em nossa rede de registros nos relacionamos umbelicalmente com nossas próprias idéias sobre o mundo, e nos privamos de conhecer o mundo. Para conhecer o mundo há que se esquecer do eu.
Os mais velhos devem se lembrar do robô de perdidos no espaço, que dizia “não tem registro” e daí pifava. Pois é...