sexta-feira, 25 de dezembro de 2009

2010

A todos os buscadores, a todos aqueles que seguem inquietos e assim pesquisam a realidade, a todos que não se conformam com o conforto do medo e a indulgência da ignorância, a todos que nutrem com coragem uma esperança de Ser, que trilham a vida com audácia e respeito, determinação e humildade, a todos estes desejo mais do mesmo, pois vocês já tem o que é necessário.

Para todos os outros desejo uma centelha de despertar.

abraços

terça-feira, 1 de dezembro de 2009

Passa, ave, passa


Escreveu Fernando Pessoa (Alberto Caiero):
Antes o voo da ave, que passa e não deixa rasto,
Que a passagem do animal, que fica lembrada no chão.
A ave passa e esquece, e assim deve ser.
O animal, onde já não está e por isso de nada serve,
Mostra que já esteve, o que não serve para nada.
A recordação é uma traição à Natureza,
Porque a Natureza de ontem não é Natureza.
O que foi não é nada, e lembrar é não ver.
Passa, ave, passa, e ensina-me a passar!”

A mim me encanta especialmente “lembrar é não ver”, Fernando Pessoa namorou intimamente com a não-dualidade, existem muitos outros poemas belos que exaltam o presente. Lembrar é não ver posto que o véu do pensamento colocado em marcha pela poeira da agitação da memória impede a visão da realidade.
No Vedanta Advaita uma das primeiras letras do abecedário é conhecida por “nome e forma”; quando interagindo com a realidade nós recuamos a atenção para a memória na busca de uma definição para o que vemos, isto é um sinal evidente de que não estamos vivendo o instante presente. Façam um exercício simples: escolham um objeto qualquer à sua frente agora, e vejam o que vem imediatamente à mente: a definição do mesmo. Por exemplo, se há uma caneta à sua frente nosso hábito nos leva a apenas resvalar a atenção sobre a mesma, quantidade de atenção suficiente apenas para nos levar à memória na busca da identificação do conceito já pré-estabelecido de “caneta”. E daí em diante já não nos interessa observar a caneta. Nosso movimento de direcionamento da atenção saiu do presente (a caneta) e se fixou no passado (na memória que guarda o conceito do objeto genérico caneta). Façam agora um outro exercício: observe detidamente o mesmo objeto, mas procure não determinar o nome do objeto. Esforcem-se para que a atenção permaneça no objeto, pra que ela não se volte para a memória. Em pouquíssimo tempo, se vocês conseguirem, perceberão que o objeto ganha vida, e parece que há menor distância percebida entre o objeto e vocês.
A realidade não pode ser conceitualizada ou percebida através da memória... nunca. Só existe realidade no presente.
Para fechar uma linda frase de Nisargadatta: “ … a pura atenção – livre de memórias e expectativas – é o estado da mente no qual a descoberta pode acontecer. Afinal, liberação não é mais do que a liberdade de descobrir.”
Abraços

quinta-feira, 19 de novembro de 2009

Budo, Aikido, Consciência e Liberdade

Outro dia folheava um livro sobre Budo lá na Shinwa (academia de Aikido e sede da Fepai, onde treino toda semana) e me deparei com o seguinte trecho:
“...a consciência ordinária obstrui o movimento físico. Não importa o tipo de movimento, a prática constante é necessária para que nos tornemos verdadeiramente habilidosos. (A prática) deve se tornar uma segunda natureza de modo a dirimir as obstruções originadas em nossas mentes. Porém isto finalmente fará com que a consciência (ordinária) se torne independente do corpo físico. Como podemos mover o corpo conscientemente sem permitir que a consciência (ordinária) obstrua o movimento? Esta é a essência do Budo.”

(Yoro Taheshi, Prof. Emeritus, Tokyo University)

 
Bonito não? Excelente quadro da filosofia maior do Aikido, por exemplo.

Parece paradoxal e é. Para mim, que pratico o Aikido e a meditação Vedanta Advaita há dez anos, este é um paradoxo delicioso e absolutamente real. Talvez um ajuste de linguagem sob a ótica Vedanta ajude a compreensão do texto.


Podemos traduzir a consciência ordinária por mente, mais especificamente um de seus vários constituintes, o Ahamkara. Este é o “órgão” da mente responsável pela sensação de posse de um eu; no Ahamkara reside a ilusão de uma personalidade (eu) que acredita atuar de modo independente e acredita ser merecedora dos frutos desta ações. Eis aí o princípio causador da “obstrução” ao movimento físico no exemplo acima.


Já o movimento físico em si mesmo, ao ser uma “segunda natureza” é o movimento natural que ocorre por si mesmo. Por que dizemos que ocorre por si mesmo? Não é apenas um modo de dizer. O corpo do aikidoísta e de seu parceiro, assim como o dojo, e todos os presentes, conformam um campo, um sistema, que – como qualquer outro no universo – existe porque há Consciência. Esta é a Consciência com “C” maiúsculo, aquilo que dá origem a todo o resto, mas não é originada por nada. Aquilo que é a raiz de tudo o que existe, mas em nada existente possui raízes. Qualquer campo é Consciente, independentemente da presença de uma consciência ordinária (ahamkara), isto é, não é porque um eu está percebendo e se apropriando em sua memória de uma situação (um campo de cognição) que este campo existe... o campo já existe, e é a base sobre a qual o “eu” se sustenta para ilusoriamente se achar consciente e diferente (individualizado) do campo mesmo.


Assim, o próprio campo gera e conduz os movimentos físicos!


A presença do Ahamkara obstrui, polui, contamina este movimento natural. Como percebemos se isto está ocorrendo? É fácil, basta percebermos se estamos pensando sobre o que ocorre. Se pensamos não estamos presentes, quem está presente é o “eu”. Então como conseguir com que estes movimentos ocorram naturalmente? A única chave é a Presença. Só no presente é possível aquietar a mente, ativar os sentidos, e começar a perceber a conexão entre todos os constituintes do campo, e daí permitir que o movimento ocorra naturalmente. Deste modo de fato a consciência ordinária (ahamkara) deixa de estar presente, e os movimentos ocorrem por conta da Consciência do próprio campo existente naquele momento presente.


O Budo, para mim, é isto. E o treino físico, assim como os movimentos aqui explicados, é apenas um exemplo do que de fato pode ocorrer em todas as nossas ações, em nosso trabalho, em casa, etc. As horas de treino no Budo são um laboratório e uma arena de aprendizagem para todos os outros segundos da vida, pois estamos continuamente em ação, e a cada instante o campo / sistema em que estamos mergulhados subsiste na Consciência, e a nós nos cabe simplesmente fluir com o que nos é apresentado de modo natural, aceitando plenamente a assustadora liberdade do Presente.

terça-feira, 10 de novembro de 2009

video Sesha

Olá amigos,
tantas vezes escrevi sobre a limitação da visão ocidental em relação à realidade e à Consciência. Agora finalmente os vídeos de Sesha (http://www.vedantaadvaita.com) estão mais fáceis de abrir, sem ter que copiá-los, e coloquei aqui no blog (bem no alto da página) um destes vídeos como aperitivo, é só apertar play. É justamente a gravação de uma parte de um seminário do Ivan sobre o Bhagavad Gita, e neste trecho ele discorre sobre a pobreza e limitações do modelo cognitivo ocidental.
Bom proveito!

sexta-feira, 16 de outubro de 2009

deboche

O que mais me diverte quando converso com (tantas) pessoas sobre o que é a realidade sob a perspectiva Vedanta Advaita é o olhar quase incrédulo, às vezes veladamente debochado, de quem me ouve.
Nossa máquina cerebral e psicológica tem um software escrito em código de máquina, inscrito em fogo, que pede constantemente algo em troca, um resultado. Se não houver algo ‘positivo’ em troca, não há negócio. Parece fazer sentido. É assim que tocamos todas as negociações de nossas vidas, desde pequenos.
Assim, quando confrontado com a possibilidade de não haver sentido nestas negociações, é natural que haja um desconforto.
Viver o instante presente a atuar ativamente na atmosfera do presente implica reagir ao mundo que se apresenta com a inteligência que subsiste nesta própria atmosfera deste instante.
Existe Consciência independentemente de existir uma parcela da mente que julgue estar consciente. E é a inteligência própria desta Consciência que provê os meios para que a ação se dê, naturalmente. Isto só ocorre sem a presença do “eu” que se considera possuidor da consciência.
Quem negocia? Quem quer algo em troca? Ora, este “eu” que se enxerga existindo independentemente do resto do universo, possuidor de uma consciência individual, merecedor de todos os lucros pelos quais luta tanto em todas as negociações psico-emocionais.
Assim, é natural que este”eu” fique levemente nervoso ao ouvir sobre sua imensa insignificância, perceptível ao alcance de três segundos de silêncio interior. E este leve nervosismo é traduzido ao nível consciente como um olhar incrédulo, às vezes veladamente debochado.

quinta-feira, 27 de agosto de 2009

master card meditação

chopp: R$ 5
pizza: R$ 40
conversar com o Ivan sobre campos de cognição na mesa da Pizzaria Marguerita explicando a não-dualidade numa garrafa de azeite: não tem preço


sexta-feira, 21 de agosto de 2009

cotidiano


“A Inteligência associada ao presente opera em todo momento e a todo instante. Ela determina quando as ações devem começar e também quando devem morrer. A destreza no ato de deixar nascer e morrer as ações é algo que será aprendido com a entrega da vontade ao presente... compreensão que permite dar-se conscientemente, deixar-se ir à ação (que a realidade nos apresenta) sem temor, não buscar ou desejar algo que não exista no momento presente... situação onde o ‘eu’ desaparece e nasce a inteligência ordenada que finalmente nos conduzirá à experiência Não-dual.” (Ivan Oliveros - Sesha)

Toda a experiência prática meditativa, seja ela na ação (externa) ou no silêncio (interna) tem como raiz esta entrega. Nosso cotidiano é pleno de oportunidades de presença verdadeira; cada momento é uma nova oportunidade de entrega. Mas nos perdemos nos futuros e passados, nas fotos e telenovelas criadas a partir o liquidificador turbo-atômico da memória, e neste ciclone atravessamos o presente quase sempre sem percebê-lo.

E para aqueles que começam a perceber uma inquietação em se dar conta do que realmente existe fica o paradoxo: a própria personalidade tenta decodificar o que significa esta entrega, mas literalmente morre de medo dela...claro, pois a entrega ao presente é a construção, instante a instante, da contínua morte da personalidade. O ‘eu’ não compreende o presente, pois não o-vive, o habitat do ‘eu’ é a memória, a potente ponte das etiquetas do passado com o desejo e controle do futuro nascido pretérito. A compreensão do presente só se faz nele mesmo. Daí a importância da prática.

Para quem deseja aprender e ouvir palavras imensamente mais sábias e verdadeiras que estas, teremos oportunidades nas datas abaixo com Ivan.

abs


Palestra Gratuita
Dia 26/08 (quarta-feira)
Horario: 20:00h
Local: SPFit Club
R. Padre João Manoel, 903 - Jardins
Tel.: 3085.8632

Retiro:
Dias 03 a 07 de setembro (quarta a domingo)
Inicio: às 11h do dia 05/09
Término: após almoço do dia 07/09
Local: Recanto Betânia (Embu-guaçu – a 35 KM de São Paulo)
Valor: R$ 850,00
Inclui hospedagem e refeições.

Workshop
Dias 29/08 e 30/08(sábado e domingo)
Horário: 09 as 16h
Local: Instituto Brahmavidya Do Brasil
R. Indiana, 1403
Tel.:(11)5506.5220
Valor : R$ 300,00
Inclui refeição leve no almoço e coffee break

Observações:
O pagamento dos cursos poderá ser parcelado em até 3 vezes.
Workshop + Retiro para inscrições até 25/07 = R$ 1.000,00 que poderão ser pagos em 4 vezes

Informações e inscrições com:

Regina: (11) 9189-8990, (11) 3085-7101
Eloi: (11) 5506 5220, (11) 91019086
Marcos: (11) 72058391

segunda-feira, 27 de julho de 2009

Ivan no Brasil e a tela de alerta vedanta

Como vocês certamente (!) já notaram fiz uma pequena alteração no já familiar formato deste blog. Além da seção olhos de gato aqui em cima (alto do canto direito), também inclui a figura “Tela de Alerta Vedanta” logo abaixo dos links.
Esta tela de alerta surgiu também no workshop Som do Silêncio, e foi uma invenção do Marco (valeu pela idéia e pela figura!), que resolvi compartilhar com todos.
Falávamos sobre como a prática da observação de nós mesmos - seja interna em uma prática de silêncio ou externa no nosso dia a dia - nos leva a perceber melhor os gatilhos que disparam nossos mergulhos mais intensos nas piscinas de emocionalidades e nossas ‘viagens na maionese’ mais altas e sem retorno. São os hiatos que ocorrem entre estas novelas-das-oito mentais que nos têm como atriz/ator principal que permitem que saibamos ser algo mais do que fantoches viciados em pequenas e grandes doses de nossas emoções mais habituais. Estes hiatos são momentos em que observamos a realidade, na linguagem comum “tomamos consciência do que ocorre”.
Conforme aumenta-se a freqüência com que observamos se desenvolve aos poucos a capacidade de se perceber claramente o momento em que optamos por seguir uma rota não-consciente (a novela das oito, a reação habitual e automática temperada pela roda de emoções habituais) ou uma rota consciente (abrir mão daquele ganho esperado com a emoção habitual e buscar a ação equilibrada, senão espontânea). Uma vez revelado o mecanismo básico de indução de nossos hábitos egóicos ficará cada vez mais evidente este momento em que a opção por estar presente se mostra. Esta é a tela de alerta do vedanta. É como no computador... quando você clica em um comando um pouco mais sério (hehehe) aparece esta tela: “tem certeza de que deseja prosseguir?”. Do mesmo modo a continuada busca pela compreensão de nós mesmos, o estado de alerta e presença cada vez maior, nos levam a perceber esta tela de aviso quando estamos prestes a escorregar novamente. Assim aos poucos a presença aumenta sua densidade por nós percebida e opção a opção, tela por tela, podemos optar por estar vivos e presentes.
Por falar em Presença...chegou a hora! No final de agosto Ivan estará no Brasil.
Não é uma oportunidade para se perder pessoal! Ivan (Sesha) tem uma profunda experiência de realização e é um vínculo vivo para todo o caudal de ensinamento da filosofia e prática Vedanta Advaita. Temos tido a rara oportunidade de conviver com Ivan desde 2000 no Brasil, e é muito difícil traduzir em palavras todo a aprendizado, a possibilidade de compreensão e percepção da realidade que ele, com seu jeito simples, nos traz. Este ano teremos uma palestra, um workshop de final de semana e um retiro de 5 dias (detalhes abaixo). Para aqueles que tem uma inquietude mais presente e desejam uma oportunidade de busca interna mais profunda, com o apoio próximo de um mestre, recomendo muito o retiro. É um momento especialmente adequado para calibrar as bases de sua prática pessoal, compreender certos enganos construídos pelo ego, e experimentar novas trilhas. É uma chance única de encontrar um farol, uma experiência concreta que possa ser um guia nos momentos mais difíceis em nossas vidas cotidianas. Espero vê-los em breve.

abraços

Palestra Gratuita
Dia 26/08 (quarta-feira)
Horario: 20:00h
Local: SPFit Club
R. Padre João Manoel, 903 - Jardins
Tel.: 3085.8632

Retiro:
Dias 03 a 07 de setembro (quarta a domingo)
Inicio: às 11h do dia 05/09
Término: após almoço do dia 07/09
Local: Recanto Betânia (Embu-guaçu – a 35 KM de São Paulo)
Valor: R$ 850,00
Inclui hospedagem e refeições.

Workshop
Dias 29/08 e 30/08(sábado e domingo)
Horário: 09 as 16h
Local: Instituto Brahmavidya Do Brasil
R. Indiana, 1403
Tel.:(11)5506.5220
Valor : R$ 300,00
Inclui refeição leve no almoço e coffee break

Observações:
O pagamento dos cursos poderá ser parcelado em até 3 vezes.
Workshop + Retiro para inscrições até 25/07 = R$ 1.000,00 que poderão ser pagos em 4 vezes


Informações e inscrições com:

Regina: (11) 9189-8990, (11) 3085-7101
Eloi: (11) 5506 5220, (11) 91019086
Marcos: (11) 72058391

sexta-feira, 17 de julho de 2009

Van Gogh e o corredor

Uma das discussões que apareceu no workshop “O Som do Silêncio” foi sobre Van Gogh e o corredor. Neste caso não exatamente o artista e um atleta, mas sim um quadro do artista e uma passagem entre cômodos.
Imagine que você está visitando um museu e se depara de repente com um daqueles quadros do Van Gogh que parecem saltar da parede, as cores te puxam, o brilho e o movimento em um instante parecem estar dentro de você, ou você dentro da tela. A surpresa e a beleza se multiplicam para gerar um novo campo gravitacional de mentes em que o peso do seu corpo tende a zero, a percepção de distância e separatividade desaparece, e ainda assim – ou melhor, exatamente por isso – há plena consciência da realidade que se passa.
Porém logo em seguida nos distanciamos novamente do quadro, aparece uma voz que diz: “lindo este quadro, nossa, que sensação!” e pronto, o ego (personalidade) busca tomar posse de uma realidade da qual ele efetivamente não participou! Apenas o certificado de posse e o registro perfumado na memória permitirão a ilusão de que ele era testemunha daquele instante.
Então nos cansamos do quadro, e prosseguimos para o corredor. Nada de interessante em um corredor certo? O que fazemos? Sequer percebemos devidamente o corredor, apenas caminhamos mecanicamente para a próxima ala enquanto em nossa mente aparecem diversos pensamentos: “como ele conseguia pintar aquilo?”, ou “nossa como está cheio esse museu hoje”, ou “será que eles servem sanduíches na cafeteria?”, e assim por diante. Do ambiente do corredor mesmo não observamos quase nada.
Qual seria a atitude correta ao caminhar no corredor? Ora, prestar atenção ao corredor, às pessoas e ao caminhar, pois é assim que a realidade se apresentou naquele momento. Apreciar esta nova realidade com a mesma intensidade de atenção com que apreciou-se o quadro de Van Gogh!. Aí está a chave: a intensidade de atenção não deve variar por conta do interesse (gosto x não gosto, desejo x repulsa) que a realidade apresentada traz. A Realidade apresentada a cada instante é perfeita em si mesma (isto é idêntico ao “seja feita a vossa vontade”). Crer que você (!!) merecia algo diferente é a forma mais comum de ignorância, presunção e arrogância desta figura (ego) que sonha acreditar-se real.
Beleza, compreensão, amor, são alguns dos constituintes primordiais da Realidade última. Assim é natural que situações mais comumente relacionadas a estes constituintes nos aproximem desta expressão. Por isso se busca tanto hoje em dia a prática de esportes radicais por exemplo: situações extremas exigem alta intensidade de atenção, o que gera alegria, compreensão. Por isso situações “comuns” nos jogam aos devaneios. O truque está em perceber, nas situações mais intensas, quais são as chaves que nos movem a um estado de presença mais consistente, e aprender a acioná-las no restante de nosso dia a dia.
abraços

quarta-feira, 1 de julho de 2009

No centro de Mumbai

“The ultimate purpose of meditation is to reach the source of life and conscousness. Incidentally, practice of meditation affects deeply our character. We are slaves to what we do not know….Whaterver vice or weakness on ourselves we discover and understand its causes we overcome by the very knowing; the unconscious dissolves when brought into the conscious.”
Assim diz Nisargadatta, um homem simples que mantinha sua família através de uma loja de cigarros e pequenos artigos na India; um homem que encontrou seu mestre pouquíssimas vezes, mestre este que lhe disse algo muito simples: “concentre-se em ‘eu sou’, você é além do que é concebível e perceptível”. Logo depois seu mestre morreu. Ele acreditou profundamente nisto, e se entregou de coração e alma a esta busca, empregando toda sua atenção e tempo livre nesta aventura. Assim atingiu a realização em três anos. Seu livro mais famoso ( e único por ele revisado) é “I am That”, Acorn Press na edição em inglês. Há também curtos vídeos mostrando suas conversas com estudantes em uma apertada sala no centro de Mumbai (Bombaim).
Nisargadatta é uma expressão real do que é viver a vida ‘comum’ em um estado de realização profunda. Mais significativamente para nós, ele é um exemplo real de alguém que, enquanto prosseguia vivendo sua vida comum, sustentando sua família e trabalhando, se dedicava a esta busca eterna do que realmente É. Sustentar uma família na India com uma pequena loja no centro barulhento da cidade não parece o melhor meio de se praticar a meditação e a busca. Ele não teve que se tornar monge e renunciar à vida comum (ele bem que tentou ir para as florestas e cavernas, mas antes de chegar percebeu a tolice que aquilo seria). Ele não precisava de paisagens inspiradoras e roupas e adornos especiais. Ele seguiu sua vida conforme esta se apresentava, e dedicou-se sempre que possível à busca. É um exemplo claro e inspirador para todos nós que temos, sim, as restrições e obrigações da vida comum.
Não há impedimento maior que nossos próprios hábitos. Hábitos que se tornam vícios subliminares, dos quais não queremos abrir mão. A prática da meditação não tem o objetivo de transformar as pessoas, mas é o que ocorre como subproduto... como diz Nisargadatta, a consciência de nossos hábitos os leva a serem superados. Daí pode surgir a liberdade de ser e agir conforme se apresenta a vida.

Abraços,
Marcos

PS: segue lembrete do nosso workshop deste final de semana

O Som do Silêncio

Data: 4 e 5 de julho de 2009
Local: Instituto Brahmavidya
Rua Indiana nº 5
Brooklyn
Horário: 9:00h às 16:00h
Valor: R$ 250,00

Contato e informações:
Marcos Thiele: 7205-8391 / marcosthiele@yahoo.com

terça-feira, 16 de junho de 2009

O Som do Silêncio

Já faz tempo que venho recebendo dicas das pessoas com quem converso que seria muito legal se pudéssemos dedicar um par de dias para conversarmos um pouco mais profundamente sobre meditação, auto-conhecimento, a vida, e como velejarmos ao longo desta travessia. Assim decidi montar com meu amigo e irmão de caminhada Elói "O Som do Silêncio", um trabalho de final de semana aberto para quem quiser participar, para quem tiver a inquietude da busca, a alegria de experimentar.
Será um encontro acolhedor com conversas, exercícios simples para aprendermos mais sobre nós mesmos, orientações práticas e diretas sobre meditação. Um treino para que possamos seguir nossas caminhadas individuais no dia-a-dia de modo mais confiante.
Vários de vocês já estiveram presentes em algum tipo de trabalho comigo, para outros será o primeiro encontro, mas todos teremos oportunidade de (re)encontrar velhos companheiros (de verdade), realinhar o prumo para novas trilhas, revisitar crenças, respirar novas respostas, vislumbrar nortes, e escrever páginas ainda frescas e inéditas de nossas caminhadas.
Se alguém de vocês quiser indicar esta oficina para um amigo ou colega fiquem à vontade; estou à disposição para qualquer contato, dúvida, etc.
Por favor enviem para mim as confirmações de participação o mais cedo possível para melhor planejarmos o trabalho.
Em breve enviarei as informações de preços, material, etc.
Abraços,
Marcos

O Som do Silêncio
Data: 4 e 5 de julho de 2009
Local: Instituto Brahmavidya
Rua Indiana nº 1403
Brooklyn
Preço: informaremos em breve
Contato e informações:
Marcos Thiele: 7205-8391 / marcosthiele@yahoo.com
Elói Campos: 5506-5220 / 9101-9086

segunda-feira, 25 de maio de 2009

cinema, pipocas e poltronas

Bom, para simplificar a vida de todos, e explicar a questão do famoso “eu” do jeito mais simples possível, segue a receita de bolo:
1. Vá ao cinema assistir um filme que te interessa muito.
2. Escolha uma cadeira (hoje em dia tem que ser assim, é uma tática para você sempre sentar ao lado de alguém mesmo que o cinema esteja semi-vazio, porque todos escolhem os mesmos lugares)
3. Compre pipocas
4. Sente na sua cadeira (ponha sua sacola no chão porque vai ter alguém do seu lado)
5. Assista todos os trailers até não lembrar mais que filme você foi assistir
6. Comece a assistir o filme
7. (agora preste atenção!) Realmente assista o filme
8. Tente se dar conta que você às vezes está simplesmente perdido na tela de projeção
9. Tente se dar conta que às vezes você come a pipoca sem nem mesmo perceber que está movendo as mãos e mastigando
10. Tente se dar conta que de repente você não está mais perdido no filme e se vê de novo sentado na poltrona (com alguém estranho ao seu lado)

O mesmo acontece quando lemos um livro muito interessante, ou em qualquer atividade em que nos “concentramos”, o que é mais facilmente notado no caso de esportes, música – e infelizmente menos notado no trabalho ou no trânsito do dia a dia.
Tente se dar conta de o que é que se dá conta afinal de contas...
Tente se lembrar que, mesmo que não houvesse consciência de um “eu” na poltrona no instante em que você se perde na tela de projeção, havia sim consciência, pois o filme foi assistido, e há memória do mesmo.
Este é, na filosofia Vedanta Advaita, simplesmente o estado de consciência chamado de observação, o mais próximo de nosso dia a dia de pensamentos, mas que já não conta com a presença do “eu”... embora este último sempre se aproprie do acontecido como se lá tivesse estado.

terça-feira, 5 de maio de 2009

Retiro

Acabo de voltar do retiro. Cansado e feliz.
Existem algumas trilhas que simplesmente não nos são apresentadas enquanto caminhamos confortavelmente. Por mais que, deste modo, caminhemos.
Existem paisagens que só se mostram após a forja da vontade, da disciplina. As batidas, ferro e fogo que aos poucos moldam uma resiliência desconhecida dos hábitos confortáveis de nosso cotidiano.
Nosso cotidiano confortavelmente nos instala em nosso sofá do ‘eu’, em que toda a nossa coleção de hábitos reina em um reino não-disputado, o soberano ‘eu’ governa sem inimigos na sua prepotente ilusão de continuidade, permanência e realidade. Sem que percebamos cada pensamento, cada ação, cada intenção, tem todo o encharcamento dos desejos e vontades deste rei.
Por isso a importância de praticar, e ir além dos hábitos, escapar das fronteiras deste reino.
No retiro com Ivan a prática se cultiva e prolonga, propondo novas perguntas, sugerindo possibilidades que sequer podiam ser consideradas. O choque frontal do entrecortado ‘eu’ com a busca do que é Real gera uma crescente potencialidade de possibilidades.
Há que se seguir, seguir em frente. Nada a fazer exceto persistir, persistir na vigília relaxada, aquela única maneira de se vislumbrar o fabuloso mimetismo do ‘eu’, camaleão perfeccionista e bem-treinado. Seguir. E ainda mais um pouco. E mais.
E apenas quando limites que se fantasiavam com as roupas da trama do tecido do ‘eu’ como intransponíveis são ultrapassados é que brechas na massa mental e fissões no coração se abrem.
É neste umbral, que, instantes (minutos, horas?) antes trazia a garantia da pura loucura e nada mais, que, no instante seguinte (agora?) se apresenta a certeza da Consciência. E deste umbral podem-se abrir vales, céus e horizontes, tão potentes como é o silêncio mais completo, imensos e profundamente densos como apenas o vazio mais doce pode catalisar. Se deixar aí, sem nome e sem espelho, sendo apenas. Sendo.
E ainda assim, como tudo antes da última Realidade, impermanentes, temporários. Em apenas um outro instante se nos é novamente fechada a cortina, e sensações sutis de ‘eu’ retornam, garoa que logo se transforma na chuva cotidiana de pensamentos do ensopado indivíduo (jiva).
Porém estas paisagens, estes estados, deixam-nos traços vivos que mal-traduzimos na memória comum. E é este aroma sutil que nos guia a seguir perseguindo estas trilhas, seguir persistindo ante as inumeráveis quedas e escorregões. Pois bastam alguns instantes de vislumbre da eterna Presença para uma certeza de busca, ainda que tenha que ser, mesmo esta última, também eterna.

Lembrete: em final de agosto Ivan estará no Brasil, teremos workshop e retiro em São Paulo... não é uma oportunidade para ser desperdiçada, pelo menos não nesta vida.

Abraços a todos.

segunda-feira, 27 de abril de 2009

Retiro

De saída para o retiro com o Ivan!
Saio hoje, o ‘internado’, como eles dizem na Espanha, vai de quarta-feira a domingo.
Para quem se interessar vejam o site da Asociación Filosófica Vedanta Advaita Sesha (
http://www.vedantaadvaita.com/)
que contém informações sobre o calendário na Espanha, internados e seminários.
O cardápio inclui muitas (mesmo) práticas internas de silêncio, algumas externas (música, trilha, etc.), várias palestras - ‘charlas’- além das tradicionais sessões de perguntas. O local é muito bonito, norte da espanha, perto do Bilbao ainda no país Basco. Um monastério perto de uma minúscula vila, das janelas vemos campos e montanhas, e o ar pede recolhimento.
Vamos lá, flexibilizar um pouco mais a rigidez dos hábitos, fortalecer um pouco mais a disciplina da mente, dar um pouco mais de risada das certezas de fantoche construídas, procurar compreender um pouco mais – gotas de um mar – as palavras do Ivan, e buscar um farol na tempestade no vislumbre possível da Verdade, na experiência permitida do Real.

terça-feira, 14 de abril de 2009

yoga

Li outro dia um parágrafo que se fingia de morto em um canto de página do livro "La paradoja divina" do Sesha, um destes que eu já tinha lido várias vezes, como aquele pedaço de caminho que você acha que já conhece tão bem, e de repente te dá um tombo. Trilhava as páginas do livro no fim de semana de páscoa quando tropecei e caí nesta sutilmente transformadora visão:
"Para que algo que esteja está acontecendo no presente se converta em passado e possa ser projetado ao futuro, é preciso induzir sobre ele (este algo) apetência ao fruto e sentido de posse."
OK, vamos reler.
Para que um conteúdo, ação, emoção, que faça parte do aqui agora - isto é, que esteja sucedendo neste exato instante - seja limitado em forma de passado - seja fixado na massa mental da memória com nome e forma - e possa ser projetado ao futuro - como um pensamento no qual o ‘eu’ viaja - é requerido que o sujeito que presencia o presente diferencie, crie limites para este aqui e agora, separando-o em uma parte que é observada e diferente do sujeito que observa, e através da interpretação mental (desnecessária) encharque a realidade vivida de uma sensação de posse e de busca de fruto para si próprio. Isto cria todo o encademaneto conhecido por Karma!
Bueno, certamente ficou mais complicado.
O mais importante de tudo é: "além da mente linear a Realidade é, sempre foi, e sempre será, não-diferente, não-dual, absoluta, eterna." diz Sesha. É assim que as coisas naturalmente são. Nós é que desfiguramos a cena. É necessária uma ação (e um dispêndio de energia) para nos apropriarmos desta realidade, cortá-la em pedacinhos e nos acreditarmos reais, sujeitos separados da própria realidade que observamos e vivemos, e agentes independentes deste teatro. A Realidade sempre flui, nossa pequena mente é que sutilmente tinge e encharca o presente com as cores do ‘eu’ que necessita se crer real e separado. E consegue. Apenas para depois de muitos ciclos, finalmente, clamar pela re-união (yoga).

quarta-feira, 18 de março de 2009

Simba safari

O Rodrigo colocou um comentário interessante (tks!) sobre o último texto alguns dias atrás, e quando comecei a responder me dei conta que estava ficando muito longo, então resolvi aproveitar o gancho para continuarmos nossa conversa em um novo texto.
Abaixo a pergunta que faz parte do comentário:

"Na perspectiva mais "selvagem" do ser humano, o pré-conceito acabava por ser uma vantagem na sobrevivência. Explico, lá atrás o fato de um homem selvagem rotular um leão como ameaça o colocou em vantagem para que, logo ao ver o leão, reagiria rapido em fuga para salvar sua vida vida. Então a pergunta, não seria um pouco anti "natural" botar de lado este mecanismo humano ?? "


Talvez a forma mais direta de abordar este ponto seja lembrar que existe um tipo de ação / decisão que deriva da intuição e que não requer o processo dialético mental. A intuição é uma experiêmcia que todos nós já tivermos, mas é pouco compreendida, e isto é natural. A ‘compreensão’ linear da intuição é um processo que ocorre em nossa mente, a qual busca percorrer um processo linear dialético até chegar a uma síntese. No entanto a intuição não flui através do universo percebido pela mente linear, sendo mais um piscar brilhante de uma Realidade não-dual que – de alguma forma – escapa dos véus de separatividade que construímos com o ego e nos atinge. A mente linear não consegue compreender um evento que ocorre além das fronteiras que ela própria cria ao diferenciar o universo. É como se um habitante do universo de duas dimensões procurasse explicar o que é um cubo; ele pode chegar a entender um quadrado, mas não um cubo.
Ao nos depararmos com o processo mental linar habitual é importante invetsigar um pouco mais as funções do conjunto ao qual no ocidente chamamos simplificadamente de mente. Na filosofia Vedanta Advaita se empresta a visão “anatômica” sutil da mente ensinada na escola Samkhya. A mente, que para o ocidente é apenas um órgão, e mesmo filosoficamente na melhor das hipóteses a residência de uma consciência individual (que é por construção separada da realidade que está “fora”), é descrita como um conjunto chamado Antakarana (o órgão de sentidos interno, em analogia aos órgãos de sentidos externos) composto pelas seguintes funções: Manas, Chitta, Buddhi, Ahamkara. Chitta é a substância mental (memória), Manas é a faculdade de pensar, Ahamkara é o sentido de propriedade, e Buddhi a capacidade de discernimento (intelecto), o assento da consciência.
A percepção da realidade não requer a interferência do ego (Ahamkara) que se apropria do que percebe (dando um nome e forma). A agitação da massa mental (chitta) é causada por um processo de pensamentos caóticos, fora da oportunidade de lugar e tempo para que aconteçam; isto encobre a capacidade de discernimento (buddhi). A memória e a capacidade de pensar devem sim ser utilizadas – e muito intensamente – na correta oportunidade de lugar e tempo.
Vamos a um exemplo: um pesquisador deve sim utilizar os conteúdos de sua memória e a capacidade de associação pertinente ao pensar quando está escrevendo um novo artigo acadêmico. O instante presente neste momento pede que ele escreva um artigo, e para tal ele deve utilizar todo o maquinário mental que está ao seu serviço. O ato de refletir sobre o passado, associar idéias e conteúdos da memória e produzir um artigo (neste exemplo) pode ser feito de modo puro, sem a interferência do ego, sem a idéia de apropriação sobre o que se produz, sem a expectativa de benefício próprio em função do resultado que se produz. Uma ação efetuada desta forma é chamada “reta-ação”, não gera efeitos potenciais futuros (karma). A arte está em discernir o que o instante presente demanda de nós. Ou, em outras palavras, efetuar as ações conforme a correta oportunidade de lugar e tempo.
Instantes em que a realidade que acontece nos demanda intensamente nos levam imediatamente a estados de maior presença – isto é natural. Quando o leão (de verdade) aparece é fundamental que o homem possa rapidamente acessar o conteúdo de memória e reagir, tomando uma decisão. Quanto maior a presença neste instante mais inteligente e neutra será a ação tomada. A necessidade de prontidão para a ção implica total atenção e presença. Este é também o princípio das artes marciais. O resultado será tanto mais natural quanto menor a interferência egóica. Ao final, o melhor paradoxo: quanto menor a interferência de seu ego querendo um maior benefício para si mesmo, melhor o resultado obtido para todo o sistema envolvido.

segunda-feira, 9 de março de 2009

Objetos e sujeitos

Parece tão seco discutir sobre sujeitos e objetos e as características do processo de cognição. Lembro das primeiras vezes que ouvi o Ivan explicar sobre o agente que observa (sujeito) e o que é observado (objeto). Pensava comigo mesmo “ok, mas no que isso me ajuda? Quero compreender a razão da existência, e não argumentar sobre ‘coisas’ que são observadas...”. It´s been a long way, e hoje algumas destas proposições são assustadoramente próximas da realidade cotidiana.
No ocidente nos parece tão óbvio que há um sujeito que vive imerso em uma realidade, e mais, que este sujeito é dotado de consciência, sendo esta última um atributo do primeiro, e naturalmente este sujeito é capaz de observar a realidade externa a ele. Assim nós cremos que a realidade é uma incessante fila de eventos da qual somos testemunhas.
Segundo a filosofia Vedanta Advaita isto também é verdade. O pequeno problema é a palavra ‘também’. Pois existem diversas possibilidades de percepção, ação e vida. Quando dormimos a realidade onírica é real enquanto dura o sonho, ou seja, para o ‘sujeito onírico’. Porém quando acordamos o novo sujeito (digamos vigílico, aquele que você está mais acostumado a pensar que é) percebe que aquela realidade onírica não era “real”, pois você acorda e percebe outra realidade.
Do mesmo modo existem outros estados possíveis de consciência em que o sujeito se dá conta de que o estado vigílico tampouco é real. Estes estados são observação, concentração e meditação. Uma das dinâmicas que mudam conforme se altera o estado de consciência é a relação entre sujeito e objeto.
Vamos considerar a situação em que estamos acordados (no sentido mais rasteiro), executando nossas ações no mundo, como trabalhar, se movimentar, etc. Chamemos de objetos qualquer coisa que possa ser observada ou sentida pelos sentidos. No estado vigílico usualmente percebemos os objetos à distância (particularizamos o objeto ao constituir distância cognitiva entre o sujeito e objeto), mas nem sempre foi assim. Basta observar uma criança e perceber como ela observa um brinquedo: ela está imersa no brinquedo. Nós temos esta capacidade inata de observar a partir da própria coisa observada! Neste modo de percepção não há diferença entre o que se observa e quem observa... Neste modo de percepção não há diferença entre quem ouve uma música e as próprias ondas e cenários que se abrem na melodia e ritmos. Neste modo de percepção não há separação entre o amante, o ser amado e o próprio amor.
Assim é um pouco como se o observador se percebesse observando o objeto a partir do próprio objeto observado. Isto é possível por um elemento de construção fundamental do universo: é a Consciência que – ao final – é testemunha e objeto simultaneamente de tudo o que ocorre. Esta propriedade não é do “eu”, do sujeito que pensa, como normalmente nos habituamos a construir a realidade em nossas mentes. Nós não somos (neste sentido) conscientes de um processo que ocorre externamente a nós. Nós somos parte integrante de um processo auto-consciente, auto-iluminado. Uma interpretação mental de nossa parte – que busca estabelecer um agente que faz a ação - apenas reduz o processo Consciente (maiúsculo) a uma sombra percebida por nós, como se agentes reais do que ocorre fossemos. A mente linear limita e diferencia uma Realidade que existe em uma dimensão que não pode ser percebida pela mente mesma.
Assim o ‘árido’ tema do observador e do objeto descortina trilhas inimagináveis de pesquisa e busca. Não é por menos que o mais profundo livro de Ivan se chama ‘Kshetra Kshetragna: El Campo y el Conocedor del Campo’.

quarta-feira, 25 de fevereiro de 2009

Presente, sempre

O ego não é mais do que a sensação de localização e apropriação dos conteúdos residentes na memória.
É quase impossível de se mover mentalmente após ler esta frase de Sesha.
O presente é o ambiente no qual tudo o que se sucede acontece. O presente é a chave mestra que pode nos abrir a porta da compreensão, do discernimento real. E o mais belo de tudo é que no Presente o ego não existe. Vejamos novamente a frase inicial.
Toda a nossa imensa fundação subterramentalemocional que sustenta a ilusão de um agente (o “eu”) diferenciado do que acontece em nossa volta é construída a partir deste simples – porém de consequências imensas – ato: a sensação de localização e apropriação dos conteúdos da memória.
Nosso dia a dia é uma repetição interminável do ato de matar o presente e voltar para a memória. Senão vejamos: quando vivemos uma nova experiência é possível que sintamos aquela sensação de surpresa (e presença), por exemplo, quando nos deparamos com uma linda paisagem. No instante seguinte matamos o presente ao “etiquetar” a experiência; por exemplo, podemos pensar “que linda esta paisagem que estou observando”. Este pensamento denota que o processo de etiquetagem da experiência, e armazenamento na memória, já ocorreu. Ou seja, já não se está vivendo o presente, mas sim a memória.
Este rapidíssimo processo introduz um viés de diferenciação na percepção do mundo. Por mais sutil que possa parecer, há uma sensação de posse do ocorrido, e esta sensação é o “eu” - sem esta sensação de posse da memória, não há “eu”. De fato, no instante mesmo da surpresa com a paisagem não havia “eu”. Ele só aparece no instante seguinte, quando se dá o processo de etiquetagem e armazenamento. O Vedanta Advaita denomina este processo de nama e rupa (nome e forma).
Se conseguirmos nos treinar a buscar no presente o que as coisas são sem atribuir nome e forma – ou seja, sem o peso da posse mental-emocional sobre a realidade – conseguiremos começar a compreender que não somos diferentes daquilo mesmo que acontece. Muitas práticas simples podem nos ajudar; a mais fácil é escolher um objeto e observá-lo em cada pequeno detalhe, mas sem atribuir-lhe qualquer definição previamente existente em sua mente (pois se assim o–fizer você não estará no presente, mas na sua própria memória). Continue observando o objeto, e perceba como a sensação muda quando você vê o objeto a partir dele mesmo, e não a partir de sua memória. Esta sensação é a porta de entrada do presente. Este é um exemplo de prática de meditação externa.
A contínua prática de se viver no presente naturalmente nos mostra que existem outros agentes de percepção que não o “eu”, presentes em estados de consciência superiores do ponto de vista de discernimento da Realidade.
Sem a sombra e o cheiro encharcado da constante apropriação das ações que acontecem no presente pelo insaciável ego há uma trilha infindável de uma leveza e liberdade que talvez nem consigamos suspeitar.

sexta-feira, 20 de fevereiro de 2009

Domingos de meditação

Neste segundo semestre o Instituto Brahmavidya, coordenado pelo Eloi, estará fazendo encontros mensais de meditação aos domingos.
Para aqueles que gostariam de conhecer um pouco melhor a simplicidade e profundidade da filosofia e da prática Vedanta Advaita (tema de fundo deste blog), e para aqueles que sempre quiseram praticar mas tem dificuldade de encontrar o tempo e a disciplina, esta é uma grande oportunidade.

Instituto Brahmavidya
Vedanta Advaita Sesha


ENCONTROS DE MEDITAÇÃO INTERNA
“SER SILÊNCIO”

UM DOMINGO AO MÊS AS 07H3O
DIAS: 15/02, 15/03, 12/04, 10/05, 07/06, 12/07, 09/08, 06/09, 04/10, 08/11, 06/12.
Obs: Não será permitido entrar após as 07h30.
Coordenação: Eloi Campos (9101-9086)
Rua Indiana, 1403, Brooklin (5506-5220)

segunda-feira, 16 de fevereiro de 2009

Sobre homens e ratos

Hoje acordei às 5:20h. Me levantei da cama e me sentei na almofada do quarto ao lado para praticar. Me cobri com um cobertor, ajustei a posição das pernas, fechei os olhos. Às 6:15 o despertador tocou novamente. Me levantei e fui tomar um banho rápido. Me vesti e fui buscar os meninos para levá-los à escola. Conversamos no caminho – entre jogos de celular e músicas no i-pod e os deixei na portaria. Mais meia hora de trânsito e cheguei ao trabalho. Seis horas depois fui almoçar. Na saída do restaurante carros de bombeiro e um pequeno incêndio no prédio vizinho. Mais seis horas e estou escrevendo alguma coisa, no que parece ser o instante presente. Depois voltarei para casa, para tomar outro banho, comer alguma coisa, deitar e, após algum tempo, dormir. Ou algo assim. Posso viver mais dez anos (ou vinte) deste modo. Mas como estou de fato vivendo? O que foi real neste dia? Quantos instantes de presença?
Posso rechear as horas e os minutos com centenas de emoções e pensamentos, mas nada disso importaria. Como os romances de trezentas páginas - lençóis encharcados de emoção. Afinal, precisamos nos distrair. Sem consciência e presença só nos resta a opção da distração... Nós não conseguimos sequer alguns minutos de concentração e paz mental, como poderíamos sobreviver a um dia de paz? De fato não conseguimos, de certo modo não estamos prontos. E de certo modo – segundo dizem os mestres – estamos sempre prontos, já que a ignorância é absolutamente ilusória. Enquanto nadamos nesta lagoa de ignorância a alternativa para manutenção da sanidade (??) é a distração. E assim trabalhamos, amamos, brigamos, vivemos e morremos – tudo distração, porque não suportamos sustentar a presença por mais que alguns segundos. Não suportamos nos desapegar de nossos mais rasos medos, de nossos vícios emocionais com nossos parceiros, de nossas tão amadas e bem construídas imagens. Não concebemos ser possível um dia sem uma troca, uma negociação emocional implícita entre eu e os outros – seja mulher, marido, filhos, colegas, chefes, garçons... Não concebemos ser livres. Assim resta a distração – que cumpre bem o papel da descompressão. Assim podemos manter a razão...
Dizia Nisargadatta: “ mantenha-se no centro; quando você caminha através de uma multidão você não luta com cada pessoa que passa, você encontra seu caminho por entre elas. Assim devemos fazer em nossa prática ou em nosso dia a dia quando percebemos as emoções e pensamentos se aproximando.”
Este tipo de liberdade que parece quase inverossímil é a única realidade. Assim posso rever meu dia, e vejo que passei por muitas multidões; muitas vezes lutei sem perceber, e em outras achei um modo de permanecer no centro. Assim espero o próximo dia, e minha única expectativa é não esquecer de lembrar disto.

segunda-feira, 26 de janeiro de 2009

mapa das trilhas

Em muitas conversas ouço perguntas inquietas sobre como podemos trilhar um caminho de busca verdadeira no meio de um ambiente que nos impulsiona para o lado oposto. O que é a busca na vida cotidiana, para quem não se recolheu a um mosteiro? Como não nos deixarmos levar pelo materialismo espiritual?
São questões fundamentais.

No Bhagavad Gita encontramos o seguinte:

“Seja, pois, o motivo das tuas ações e dos teus pensamentos sempre o cumprimento do dever, e faze as tuas obras sem procurares recompensa, sem te preocupares com teu sucesso ou insucesso, com teu ganho ou prejuízo pessoal. Não caias, porém, em ociosidade e inanição, como acontece facilmente com os que perderam a ilusão de esperar uma recompensa de suas ações.
Coloca-te no meio entre esses dois extremos e cumpre, em tranquila resignação, o dever por ser dever, e não pela expectativa da recompensa. Conserva ânimo igual na ventura ou desventura: assim é que faz o yogi.
Por muito importante que seja tua reta-ação, o primeiro lugar pertence sempre ao reto-pensamento. Procura, portanto, o teu refúgio na paz e calma do reto-pensar... quem atingiu a consciência de um yogi é capaz de elevar-se acima dos resultados bons e maus. Esforça-te por atingir esta consciência, porque ela é a chave que abre o mistério da ação.
Quando te tiveres elevado acima da trama das ilusões, não te inquietarás com os cuidados e questões a respeito das doutrinas, nem com disputas sobre ritos, cerimoniais e outros enfeites dispensáveis da vestimenta da idéia espiritual.
Livre serás, então, de todas as opiniões alheias, tanto das que se acham nos livros sagrados, como das dos teólogos eruditos ou dos que ousam interpretar o que não compreendem; em lugar disso, fixarás a tua mente na mais séria contemplação do espírito, e assim alcançarás a harmonia com o Eu real, que é a base de tudo.”

Este é o mapa das trilhas de busca e ação em nossas vidas. Se conseguirmos vislumbrar como verdade uma pequena parte do que está acima escrito, e procurarmos torná-la real e prática em nossas vidas, já daremos um imenso passo em nossa busca. Imersos em nossa sociedade atual – construída sobre os pilares do egoísmo, oposto infinitamente distante da harmonia da não-dualidade - por vezes nos parece quase fantasia uma proposta de vida como esta. Entretanto, é a única realidade possível aos olhos da busca com o coração.