quarta-feira, 1 de setembro de 2010

Sobre flechas e karma

Nossa compreensão usual sobre o karma carrega a idéia de culpa e ‘coisa ruim’. Tão longe desta sombra está a definição original deste conceito hindu. Talvez uma das imagens mais didáticas utilizadas para explicar o karma seja aquela das flechas: passamos a vida a atirar flechas para o alto, e, como sabemos, um dia elas cairão. Estas flechas que atiramos são impulsionadas pelo desejo fundamentado na sensação de individualidade do “eu” (ahamkara). A incessante busca pelo fruto, pelo benefício das ações que fazemos, associada à sensação de sermos os agentes da ação, produz uma modalidade de ação no mundo que gera tendências. No tempo linear estas ações cheias de desejo são as flechas lançadas, por exemplo, hoje, neste ano, neste ciclo de vida. Estas flechas cairão, certamente, e isto ocorrerá no futuro. Estas tendências serão concretizadas ao longo de outros ciclos de vida.  
Assim, a construção de nossa vida atual é uma integração de um núcleo de tendências mais fortes (chamadas samskaras em sânscrito) que se conformam no momento de início de um novo ciclo. Esta integração das tendências forma, como em um imenso colar, todas as pérolas que encontraremos em nosso ciclo presente. A isto se dá o nome de Prarabda Karma, o caminho a ser percorrido nesta vida. Deste caminho não se escapa. 
Mais divertido é considerar isto pelo seguinte ponto de vista: imagine que este imenso colar foi o presente mais detalhado e bem construído que as inteligências superiores poderiam ter feito para que você experimentasse cada instante da sua vida com o aprendizado perfeito (vejam bem, perfeito...) para sua própria existência. Isto é o Prarabda Karma. E como se faz para experimentar este presente divino? Estando presente a cada instante (surpresa!). A cada segundo em que criamos uma realidade a partir de nossos pensamentos e novelas estamos desprezando o universo, desprezando um finíssimo presente preparado de forma absolutamente individual para cada um de nós. Divertido não é?
E o mais elegante é que se estamos de verdade presentes, experimentando este presente (em duplo sentido), naturalmente nossas ações serão corretas, e assim não estaremos lançando novas flechas. Presentes, não há um “eu” que possa se apropriar ou iniciar uma ação a partir de seus desejos e egoísmo. Com este fluir no presente atinge-se uma vida em harmonia com seu próprio karma, ou seja, o Dharma.
Porém, se seguimos agindo, seja por omissão ou ação, do alto de nossa ignorância, seguimos lançando novas flechas e gerando outras tendências, novo fluxo de karma, que recebe o nome de Agami Karma. Nesta perspectiva estamos continuamente impulsionando a grande roda de morte e renascimento, também conhecida por samsara.
Cabe a nós, a partir de exatamente agora, nos propormos a encontrar o presente a cada momento, nos propormos a buscar o discernimento sobre o que o presente requer de nós, nos propormos a aceitar um colar de pérolas maravilhoso construído especialmente para cada um: se entregar a cada instante, de agora até o último suspirar. 


PS: este final de semana temos Sesha no Brasil, para os que ainda não se inscreveram, há tempo. Oxalá esteja no karma de vocês poder ter contato com Sesha, um aprendizado com um valor tamanho que não pode ser medido.


abraços
marcos

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