segunda-feira, 9 de maio de 2011

Morrer e viver

Ainda sob o impacto de ter perdido dois tios nos últimos três dias não me aparece outro assunto senão o morrer e viver.
Dizia Nisargadatta “the unreal never lived; the real never dies”, ou seja, “o que é irreal jamais viveu, o que é real nunca morre”.
Por que então sofremos tanto? Porque não conhecemos o que é o Real, porque vivemos imersos na ilusão daquilo que tem suas bases na ignorância. E o que é aquilo que nasce da ignorânica? O nosso universo auto-criado, nossa novela histórico-personalística que para tudo cria justificativas, que para tudo tem razões. O nosso permanente pensar sobre nós mesmos cria um mundo ilusório com o qual nos relacionamos a maior parte do tempo. São tendências que criamos e repisamos, vida após vida. Neste mundo ilusório habitamos, por vezes, em paraísos fugazes, por vezes em infernos repetidos. São habitações que nós mesmos contruímos, nossas próprias celas dentro das quais depois não encontramos a chave de saída. Esta cela é que, de certo modo, morre, e tem medo de morrer. Para o sujeito que vive nesta cela esta é a realidade; para aquilo que conhece a Realidade a cela é absoluta ilusão. 
Nossa prática, nossa busca última nesta jornada, é discernir entre a ilusão e a realidade, descobrir o que é afinal Real.
Para o Vedanta o Real é aquilo que não sofre mudanças, aquilo que é permanente, que existe sem ter tido início e que não tem fim. Sem dúvida muito longe do nosso mundo no dia a dia não? Na verdade não, não está longe, está bem aqui.
O Real não existe em nenhum outro lugar senão exatamente aqui, em cada segundo do dia a dia, o Real tem seu portal de entrada no aqui e agora, na presença intensa no que se passa, na entrega à certeza de que nada se controla, na absoluta convicção de que não existe sentido em buscar fruto pessoal em qualquer ação que se faça, na alegria de agir simplesmente porque é o que a realidade trouxe.
Vejam só: quando se está presente não aparece a dúvida! A dúvida é um sinal de que a cela de pensamentos personalísticos está ativa.
A realidade pode trazer o momento de se estar alegre, ou de sofrer. Presença é não ter dúvida sobre a dor ou sobre a alegria, é vivê-las de modo coerente e digno. Presença não é deixar de viver, ao contrário, é viver de modo absoluto, reagindo sem dúvida àquilo que se nos apresenta. 
A cada instante em que recriamos nossa cela personalística e nos metemos de volta dentro dela morremos para a Realidade. Por outro lado quando vivemos um momento de entrega e presença intensas morre a cela, morre o eu que depois terá medo de morrer, sem saber que nunca foi real. 
Nestes momentos de presença nos resvalamos com o brilho do que sempre existe, com a leveza de não carregar justificativas, medos e angústias, com a alegria de uma compreensão sem palavras, com a eternidade de ser consciente. E é isto o princípio do Real.


Abraços,
Marcos

Um comentário:

jaqueline disse...

Marcos,com estas palavras você descreve bem como continuamos a andar em círculos...perdidos nas ondas dos pensamentos e com medo da morte...continuamos apegados ao ego...nosso ilusório porto seguro.