segunda-feira, 2 de maio de 2011

a não-dualidade ocidental (parte 1)

Trago hoje dois extratos de diferentes autores para dar uma mostra de como a não-dualidade e a presença são algo natural em nossa existência, sendo apenas veladas pela ignorância da separatividade do “eu”.
Primeiro vejamos este parágrafo atribuído a Plotino, conhecido filósofo neo-platônico, um dos ocidentais mais próximos da filosofia oriental não-dual.
“...de onde estamos, é possível ver o uno e a nós mesmos, resplandecidos, pela luz da percepção, mais ainda, tornamo-nos a própria luz, pura, sem peso, leve, nos tornando luz divina, ou sendo uma divindade, inflamados. Mas, ao voltar a cair o peso sobre nós, o fogo se extingue... Será possível permanecer lá? Nem ao menos saímos inteiramente daqui. Mas haverá um momento em que a contemplação será contínua, para alguém que não for estorvado por nenhum obstáculo corporal. Além do mais, não é a parte com a qual se vê que está estorvada, mas a outra, aquela que, quando a parte com a qual se vê deixa de contemplar, permanece ativa na ciência que se exerce nas demonstrações, nas provas e nos raciocínios da alma. Mas o ato de ver e a parte com a qual se vê não são mais a razão, são superiores à razão, anteriores à razão e acima da razão, como o é aquilo que é visto. No momento que realmente enxergar, é a si mesmo o que verá...Talvez não seja necessário dizer “verá”, mas “foi visto”, nem seja preciso falar de duas coisas, o que vê e o que é visto, pois essas duas coisas são apenas uma, uma proposta audaciosa. Pois, no momento que vê, aquele que vê deixa de ver, não distingue, nem imagina duas coisas, como se houvera tornado um outro e não estivesse mais encerrado em si mesmo.”
Esta é uma narrativa clara de uma experiência de estado de concentração externa  na linguagem Vedanta (dharana em sânscrito). A concentração é o primeiro estado não-dual que experimentamos. A concentração externa ocorre quando estamos com a atenção continuamente pousada sobre a realidade (objetos) que nos cerca, e não imersos em pensamentos e memórias acerca da realidade mesma. A ausência de interpretação aos poucos desfaz o véu de separatividade.
Quando Plotino explica “ao voltar a cair o peso sobre nós...”, isto se refere claramente ao fluxo de atenção que sai do objeto observado e se volta novamente para o “eu” à distância. Neste instante voltamos a nos diferenciar da realidade (voltamos a pensar, julgar e interpretar).
Quando diz “o ato de ver e a parte... são superiores à razão...” mostra que a presença em si mesma, a ação espontânea perante à realidade são superiores ao pensar sobre o mundo. Em concentração prevalece budhi (inteligência intuitiva, assento da consciência individual) e não manas (agitação mental).
E quando pondera que “Talvez não seja necessário dizer “verá”, mas “foi visto”, nem seja preciso falar de duas coisas, o que vê e o que é visto...” está claramente traduzindo a sensação de não-dualidade, de simultaneidade e ubiquidade que existe neste estado. Quando se está presente profundamente não há um observador diferente do objeto, não há um ator diferente da realidade, o próprio sistema se oberva a si mesmo e é auto-consciente do que se passa.
Em segundo este parágrafo oriundo de um pequeno conto de David Brooks que saiu na New Yorker (valeu Daniel pela indicação!) em que se conta de modo natural a sensação de um estado de observação no vocabulário Vedanta (pratyahara em sânscrito).
“...I believe we inherit a great river of knowledge, a flow of patterns coming from many sources. ..The brain is adapted to the river of knowledge and exists only as a creature in that river. Our thoughts are profoundly molded by this long historic flow, and none of us exists, self-made, in isolation from it... we still have deep impulses to erase the skull lines in our head and become immersed directly in the river. ..I’ve come to think that flourishing consists of putting yourself in situations in which you lose self-consciousness and become fused with other people, experiences, or tasks. It happens sometimes when you are lost in a hard challenge, or when an artist or a craftsman becomes one with the brush or the tool. It happens sometimes while you’re playing sports, or listening to music or lost in a story, or to some people when they feel enveloped by God’s love... Happiness is a measure of how thickly the unconscious parts of our minds are intertwined with other people and with activities.”
Interessante a nomenclatura: “when you lose self-consciousness” representa exatamente o aquietamento da agitação mental que dá raiz para o “eu”, e de fato se perde a referência de um “eu” que age, entretanto a ação é mais plena e profunda. E as “unconscious parts of our minds” são de fato o componente mental sutil que aflora quando a atenção está pousada na realidade, e que não está vinculado à ideia egóica (ahamkara). Todos nós já vivemos instantes destas situações que traduzimos como plenitude, paz, amor, etc. Este é o vislumbre da não-dualidade, única realidade Real, aquela que o “eu” jamais poderá viver.


Abraços,
Marcos

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