quarta-feira, 23 de junho de 2010

O jardim e a mata

Alguns poucos livros eu nunca deixo que se afastem de mim. Um deles é o “I am That”, do Nisargadatta Maharaj. Me deparei com um pequeno trecho especial agora há pouco:
“Não peça para a mente confirmar o que está além da mente”.
Não é de chacoalhar as certezas? Esta é uma típica ‘pulga atrás da orelha’ que o caminho de auto-conhecimento - em especial linhas de jnana yoga, caminho do conhecimento - fermenta e faz brotar. 
É como se tivéssemos a sensação de ter um belo jardim, onde aparentemente tudo está em seu perfeito lugar, uma ordem criada pela nossa idéia do que é um jardim: flores roxas neste canto, um pequeno arbusto ali, um longo gramado bem aparado. Porém aos poucos começamos a duvidar da realidade deste jardim, como em um sonho ele parece ter realidade só quando pensamos sobre ele de um modo específico. Quando deixamos de pensar deste modo o jardim parece perder o suporte de realidade, e algo diferente transparece. As flores por vezes somem, por vezes parecem imensas trepadeiras selvagens. Aquela sensação de ordem e conforto por vezes dá lugar a uma sensação de se estar virado do avesso, com um pequeno frio na barriga. Será que o meu maravilhoso jardim não é de verdade?
Aos poucos a dúvida sobre a realidade do jardim cresce, e começa a ser maior do que a certeza. Cada vez mais elementos perdem a consistência que pareciam ter. O intocável gramadao por vezes parece um caótico solo de uma mata atlântica, cheio de folhas, raízes e animais pequenos. Percebemos que este jardim só traz sentido de realidade quando inserido em um conjunto de condições que criamos ao formular nossos pensamentos sobre o que é a própria realidade. Finalmente começamos a perceber que o jardim  é apenas um cenário em 3D que nos dava a impressão digital do jardim. A tela em 3D dá a sensação de controle e conforto... para o “eu”. Uma realidade existente apenas quando pensada. Uma realidade inexistente. A mata do jardim real traz a surpresa, a compreensão o caos e a ordem, a sensação de plenitude e entrega.
Nesta metáfora o jardim real (a mata) só se percebe a partir das próprias naturezas das plantas e objetos que compõem, não se percebe “de fora”. O presente e a realidade nunca são “de fora”, não são vistos, sentidos ou percebidos de fora. Cada coisa só é realmente o que é quando é percebida a partir dela mesma. Para perceber as coisas deste modo há que se silenciar a mente. Assim a mata (realidade) nunca é percebida por esta mente. É por isso que não se pode pedir para a mente (que criou o jardim em 3D através de incessantes pensamentos condicionantes) atestar a existência da mata.
De modo análogo, não se pode pedir para a mente linear nos dar a certeza da compreensão dos estados de consciência associados ao presente e não duais. A mente linear é a causa concreta da dualidade, da diferenciação (do jardim). O que existe de verdade está disponível para ser vivido e compreendido pois há consciência em todos os estados; mas não está disponível para ser vivido pelo “eu”. 

abraços
marcos

Nenhum comentário: