quarta-feira, 2 de junho de 2010

Outra vez

Uma e outra vez caímos novamente na certeza de sermos concretos, definidos, atuantes, importantes. 
Concretos em nada somos, basta estudar os vazios das ondas probabilísticas da física quântica. Definidos ainda menos, qual fronteira da sua identidade quando se ama? Atuantes por pura ignorância nos acreditamos, a movimentação de todo o universo se dá através das gunas - qualidades primárias da roda da existência (Sattva, Rajas, Tamas), como os zeros e uns dos computadores constróem mundos cibernéticos as gunas em movimento é que determinam o curso de toda a ação. Nossa auto-proclamada importância  cede a uma muito sutil pressão: a importância nasce a partir de uma referência deste “eu”, referência histórica, memória; sem o sistema de referências não sobra um “eu” que julgue que o munda gira à sua volta. São certezas básicas em nossa vida cotidiana, e ainda assim inapelavelmente falsas. 
Por alguma benção existem momentos de lucidez, de respiro, em que estas certezas tão pobres são simplesmente percebidas como ilusão. Percebidas como realmente o-são, como bolhas de sabão. Muitas vezes tenho tido a oportunidade e a sorte de assistir estes momentos de compreensão, e não há nada mais belo. Estes instantes em que “uma grande ficha cai”, em que há um desvelar do que a realidade pode ser, são mágicos, e disponíveis para todos nós. Nestes instantes há compreensão, e não há um “eu”que compreenda. Se há “eu” não há compreensão, se há compreensão não hé “eu”, porque a compreensão só existe no instante presente. Porém entre um instante desta qualidade e outro podem se passar dias, meses, anos. Como uma primavera que dura dias e um inverno que se mede em anos. Neste longo ínterim escorregamos intensamente para as certezas. Como isto se dá se no instante mágico da compreensão havia tamanha intensidade de saber?
Isto se dá porque as rodas da mente foram postas a girar há muito tempo, e com muita inércia. Como um caminhão carregado que desce a serra em velocidade tem dificuldade em brecar, do mesmo modo nossa mente tem uma propriedade de alta velocidade (e normalmente em aceleração) de pensamentos, ou seja, alta inércia, daí a dificuldade em se alcançar um estado de silêncio real. Dentro do imenso campo de infinitos pensamentos que geramos quase continuamente um pensamento é a pedra fundamental para todos os outros, a raiz que os sustenta. Este é o pensamento do “eu”. Este perfume do indivíduo que se sente atuante, importante e diferente permeia e dá vida a todos os outros pensamentos/emoções. 
Deste modo um instante de compreensão mais real é imediatamente seguido por um novo-velho pensamento, que sutilmente se apropria da história daquele instante. Aquele “eu” que não estava vivo no instante da compreensão se apropria da memória daquele instante, e o declara de sua propriedade através da ilusão de ter sido agente de compreensão, de ter vivido aquele momento, a frase chave que mostra esta armadilha é “eu compreendi”. De fato o sujeito desta frase não pode ser o eu, realmente.
Estes instantes de compreensão são lindos e vitais, e funcionam como faróis para tempestades; a consciência de todo o processo de apropriação executado pela personalidade pode nos ajudar a tornar estes instantes mais frequentes, e como em um infinito quebra-cabeças, as peças, aos poucos podem começar a se encaixar.
abraços
marcos

Um comentário:

Anônimo disse...

Marcos,
Num assunto tão complexo e profundo, suas metáforas emergem como ilhas salvadoras:
- Pensamentos como um caminhão sem freios ladeira abaixo... sim, isso eu vivencio. Conheço o caminhão, seu motorista, sua carga, tudo, em detalhes.
- Momentos de lucidez como faróis numa tempestade... esses tb conheço. Sua luz fugidia e sua presença real, porém inconstante. Sim! Conheço.

Tudo mais é um imenso e assustador mistério que o farol tenta iluminar e o caminhão tenta alcançar.

Até logo mais a noite, qdo com luz e freios tentaremos ludibriar, mesmo que por alguns instantes, esse arrogante , ignorante e inconvenientemente sempre presente "eu".
Ou quase sempre presente... ufa! ainda resta esperança.

com carinho, Ligia